O deputado João Bacelar é um exemplo nada edificante da atividade
principal desempenhada por muitos congressistas: fazer fortuna com o
nosso dinheiro. Como? Corrompendo, fraudando.
Uma das principais funções do Congresso é votar o Orçamento da
União, elaborado pelo presidente da República. Deputados e senadores têm
o direito, assegurado pela Constituição, de mudar a proposta mesmo que a
contragosto do Palácio do Planalto. No varejo, essa prerrogativa visa a
garantir aos representantes do povo a possibilidade de conseguir
recursos para demandas que são desconhecidas ou desconsideradas pelo
poder central, como a construção de um posto de saúde ou uma ponte. No
atacado, tem o objetivo de impedir que o Executivo determine
arbitrariamente, sem ouvir a sociedade, onde gastar o dinheiro
arrecadado justamente daqueles que sustentam o estado por meio do
pagamento de impostos. Emendar o Orçamento, portanto, é uma missão das
mais nobres. Isso, é claro, na teoria. Na prática, as emendas se tomaram
um terreno fértil para a corrupção e sempre foram historicamente usadas
para alimentar esquemas de desvio de verbas.
São inúmeros os casos sob investigação policial. Alguns já renderam
prisão e até cassação de políticos. Nada, porém, suficiente para evitar
que congressistas continuem a profanar a tarefa de emendar a lei
orçamentária. Muito pelo contrário. Que o diga o deputado João Carlos
Bacelar, do PR da Bahia, retrato acabado da corrupção dos valores em sua
plenitude. O rei do cambalacho. No segundo mandato de deputado federal,
Bacelar é um típico representante do "baixo clero". Filho de
ex-deputado federal, ele nunca teve relevância em ações para o bem-estar
da população, mas se serve da política como poucos. Desde que chegou à
Câmara, Bacelar definiu como alvo as obras tocadas pela Companhia de
Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf),
para as quais destinou quase metade dos 43,5 milhões em emendas a que
teve direito entre 2007 e 2010. A Codevasf, atua no semiárido baiano,
onde estão seus principais redutos eleitorais e onde também estão os
canteiros de obras da Empresa Brasileira de Terraplanagem e Construções
Ltda. (Embratec). Essa empreiteira é administrada pelo próprio Bacelar
desde 2006, mas não consta de sua declaração de bens entregue ao
Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Criada pelo pai do parlamentar, já
falecido, ela integra o espólio ainda não distribuído entre os parentes.
Ou seja: o deputado pedia ao governo federal que mandasse verbas para
as prefeituras, estas contratavam a empresa do próprio deputado e,
assim, o dinheiro acabava no bolso dele. Vida mais fácil, impossível. Um
esquema tão simples poderia ser desmantelado por qualquer mecanismo
ordinário de controle. Mas não foi porque Bacelar tem excelentes
amizades. Uma delas com o servidor que o ajudava a manter girando essa
roda da fortuna: o petista Marcos de Castro Lima.
Entre julho de 2005 e novembro de 2009, Lima ocupou a Subchefia de
Assuntos Parlamentares da Secretaria de Relações Institucionais da
Presidência. Era quem recebia os pedidos dos parlamentares e ordenava a
lista de liberação das emendas. Depois de anos no exercício dessa
função, Lima - ou o "homem das emendas", como era conhecido - ganhou de
Bacelar um apartamento. Foi uma retribuição à ajuda dada ao bom
desempenho da atividade parlamentar de Bacelar. O último empenho
avalizado por Lima em favor do esquema de Bacelar foi de 2,2 milhões de
reais. Apenas quarenta dias após a liberação da emenda e vinte dias
depois de deixar o governo, Lima foi com a mulher escolher o presente.
Visitaram dois imóveis num bairro nobre de Salvador e ficaram com um de
dois quartos, de 143 metros quadrados, que custou 680000 reais.
Procurado, Lima afirma que pagou pelo apartamento. O "homem das
emendas" só não encontrou o comprovante da operação. E nem poderia. Dois
extratos bancários da· Embratec e uma troca de e-maíls entre Bacelar,
Lima e o proprietário original do imóvel mostram o que de fato
aconteceu. Toda a negociação foi protagonizada por Bacelar e os
pagamentos foram feitos pela Embratec por meio de transferências
bancárias diretas da conta da empreiteira para a conta do proprietário
original. A última parcela, inclusive, foi quitada apenas depois que o
vendedor reclamou. "Há mais ou menos vinte dias, tenho ligado
diariamente para a secretária do senhor João Bacelar, que vem me dando
várias desculpas, isso depois de ter me chamado para negociar e dito que
iria me pagar", escreveu o proprietário ao "comprador" Marcos Lima. No
dia seguinte, o "homem das emendas" encaminha a mensagem para Bacelar
com um texto singelo: "João, segue e-mail recebido do Raimundo.
Abraços". E tudo foi resolvido imediatamente pelo deputado, que quitou a
última parcela.
Bacelar declara ter um patrimônio de 1,2 milhão de reais entre
imóveis, veículos e participações em empresas. Mas a realidade é bem
diferente. Ele tem carros importados, barco, usa um avião particular e
negocia terrenos que valem 500 vezes mais do que todo o patrimônio
declarado à Justiça Eleitoral. Mesmo abastado, Bacelar, sempre que pode,
recorre a uma ajudazinha do contribuinte. No início do ano, ele usou
uma "missão oficial" a Madri para ir a Londres e tentar negociar os tais
terrenos milionários que estão em nome de uma das empresas deixadas
pelo pai dele. Os terrenos, avaliados em meio bilhão de reais, foram
ofertados a grupos estrangeiros. Se um familiar precisa de emprego,
adivinhe a quem o deputado recorre. Bacelar empregou a própria mãe e um
tio no gabinete do deputado estadual baiano Nelson Leal e, em
contrapartida, contratou para seu gabinete na Câmara a mãe e a irmã de
Leal. Lá, também está lotada Norma Suely da Silva. Essa senhora trabalha
em Salvador, mais precisamente na empreiteira do deputado. Essa senhora
também é laranja do deputado em uma emissora de rádio na Bahia. Quem
confirma isso? O próprio deputado numa conversa gravada a que VEJA teve
acesso. A lei proíbe que parlamentares sejam concessionários de serviços
públicos. Ah, a empregada doméstica Maria do Carmo, que trabalha para a
família do deputado, em Salvador, também está na folha de pagamento do
Congresso.
Procurado, o deputado nega todas as acusações. Garante que Marcos
Lima é só um amigo e que apenas o levou para conhecer o apartamento.
Emendas que beneficiam suas empresas? Nunca existiram. Laranjas em
rádio? Bobagem. Norma, a dona, é, por coincidência, apenas uma
funcionária avançada de seu gabinete na Bahia. A rádio, segundo ele,
pertenceria a um de seus tios. Sobre a empregada doméstica: "É como
minha segunda mãe. Faz trabalhos políticos na Bahia. Mata e morre por
mim" - principalmente se ela exagerar na pimenta do acarajé. Bacelar
garante, por fim, que não tem nenhuma participação gerencial na
Embratec. Mas ele continua agindo na sombra. Um dos documentos aos quais
VEJA teve acesso mostra que, recentemente, o deputado planejou um belo
negócio para a empresa no município baiano de Morpará. Pensa em receber
uma bolada sem precisar ligar um trator sequer. Especialista na arte de
fazer dinheiro, mostra que já está esquentando a caneta para exercer seu
grande talento. Como os demais parlamentares, poderá apresentar 13
milhões em emendas individuais ao Orçamento de 2012. O destino do
dinheiro é previsível. Resta saber se o imponderável - antes conhecido
como Conselho de Ética da Câmara - sairá da letargia e impedirá a
sangria.
A cara do petista, o e-mail do petista, o apartamento do petista. O dinheiro é seu!
No
post abaixo, informa-se que a VEJA desta semana traz reportagem sobre o
formidável enriquecimento do deputado João Bacelar, que fez fortuna
apresentando emendas ao Orçamento para obras realizadas por uma empresa
sua. Quem cuidava da liberação de verbas era o petista Marcos Lima,
funcionário do Palácio do Planalto. Em troca, Bacelar lhe deu um
apartamento. Agora vejam estas duas imagens.
O
petista Marcos Lima (acima) repassa para o deputado João Bacelar e-mail
em que o dono do apartamento cobra o pagamento da prestação; ao lado, a
prova da quitação da parcela. A moeda da transação é uma só: dinheiro
público
Acima, o prédio, num bairro nobre de Salvador, onde fica o apartamento do petista Marcos Lima, um presente de João Bacelar
Por Reinaldo Azevedo
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