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sábado, 12 de março de 2011

A freirinha e o rabino


Claudio de Moura Castro
Veja - 11/03/2011

É leviano imaginar que o futuro do Brasil tenha pouco a ver com seus êxitos em educação, ciência e tecnologia. Mas, para cuidar bem desses assuntos, precisamos entender suas idiossincrasias e cacoetes. Educação se faz com uma receita relativamente simples, desde que haja bons ingredientes no caso, alunos e professores. Crescer rapidamente não é problema. De fato, o ensino médio quase triplicou na década de 90, com perdas de qualidade insignificantes. A escola da Embraer entrou para o rol das dez melhores do país, poucos anos após haver sido criada. Mas, olho, os inimigos mortais da educação são a inércia, a politicagem e as ideologias fundamentalistas. Conhecemos também as receitas da boa ciência. Qualidade é tudo, ciência mais ou menos não tem serventia. Não dá para improvisar, e tudo leva muito tempo: meio século foi o que nos custou. Depende fatalmente de dinheiros públicos e de um aparato governamental competente e complexo. Nossa ciência seria apenas uma quimera sem Capes, CNPq, Finep e Fapesp, meritocráticas e salvas das pilhagens políticas.

A cada ano, o Brasil produz quase 13 000 doutores, muitos deles de boa cepa. Comparado com países médios, o Brasil está bem, pois só nos ultrapassam em publicações a Índia e as gentes de olhinhos puxados. Mas não vai bem pelas bravatas desse ou daquele governante, e sim pela aplicação contínua de boas regras. Aliás, todo o cuidado é pouco. Uma crise desfaz em dias um grupo de pesquisas que levou dez anos para ser construído. Lembremo-nos, a ciência alemã ainda não voltou a ser o que era antes de Hitler.

Mas como se usa essa ciência para fazer tecnologia made in Brazil? Algum tempo átrás, ouvia um professor narrar as dificuldades nos contratos de sua universidade com uma empresa de base tecnológica. Eram diálogos de surdos e prioridades arrevesadas. Os prazos não combinavam. Havia conflitos entre lucro, curiosidade científica e propriedade intelectual. Surpresa! O professor não era de uma sofrida universidade brasileira, mas da Caltech, uma das melhores escolas de engenharia do mundo. E a empresa era a Motorola.
Fiquei pensando: alimentar a tecnologia com ciência é como tentar promover o namoro da freira com o rabino. Eles professam crenças diferentes, custosas de conciliar.

O ciclo da ciência termina em uma publicação, aprovada por cientistas que leram os mesmos livros. Pontanto, são da mesma seita. Em contraste, o ciclo da tecnologia termina na loja que vende o produto final, longíssima das decisões tomadas nos laboratórios de pesquisa. Mesmo os países mais ricos se perdem nesse tortuoso trajeto. Por exemplo, a Inglaterra nem sempre acena, e a Rússia é um desastre, afora o setor militar. E de que serve a tecnologia se a mão de obra não sabe usá-la (como na construção civil)?

É de desanimar quando comparamos o volume de nossa ciência (corretamente medido por publicações) com os ralos sucessos na tecnologia. Como nós, muitos países conseguem ter núcleos de pesquisa séria. Contudo, na tecnologia, os desafios são maiores. Publicamos oitenta vezes mais do que as míseras 480 patentes. Ainda assim, esse último número nos põe à frente na América Latina e em relação a outros países que rambém fazem ciência. Um pé de cana vira álcool em alguns meses. Porém, a tecnologia que fez o Brasil competitivo no etanol nasceu, faz tempo, no Instituto Agronômico de Campinas, inaugurado por Pedro II. A soja tropical é um ciclo que começou na década de 60, quando nossos primeiros agrônomos voltaram dos Estados Unidos com seu doutorado. Não há atalhos, e tudo pode dar errado no caminho. A despeito dos entraves, fizemos a nossa Revolução Verde, cujas receitas pagam a importação de equipamentos vitais e os passeios na Disneyworld. A Embraer é cria do ITA, também um ciclo de cinquenta anos.

Os laboratórios de universidade só chegam à metade do ciclo da tecnologia. Daí para a frente, as empresas precisam fazer suas comas e se arriscar, em seus próprios centros de pesquisa e desenvolvimento, operados por gente que aprendeu ciências nas boas universidades. É mais rápido e seguro importar as tecnologias, mas é um caminho sem futuro. Se entendermos as perplexidades desse namoro, poderemos avaliar com mais isenção nossas forças e fraquezas. Mas, juntando o que conseguimos fazer, até que não estamos tão mal.







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