Entidade de defesa do agronegócio apresenta estatísticas na tentativa de mostrar engajamento do setor privado na preservação ambiental
Publicado em 14/02/2011, 19:30
Última atualização às 20:00
São Paulo – A posição dos ruralistas no Congresso Nacional sobre a preservação de florestas está distante da prática do agronegócio no Brasil, afirmam ambientalistas. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) entregou nesta segunda-feira (14) ao Ministério da Agricultura um compilado de dados que visa a fomentar o debate sobre o Código Florestal. A intenção é afirmar que o setor está preocupado com a preservação ambiental.
Raul do Valle, coordenador do Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental, entende que é o momento de o discurso da bancada ruralista se transferir à prática. “Para além do que é falado, não temos notícias concretas de coisas acontecendo por iniciativa da CNA. Se estiver sinceramente querendo dar condições aos produtores rurais para recompor matas ciliares, é muito bem-vindo.”
Intitulada “Revisão do Código Florestal”, a apresentação da CNA contém seis quatros com dados do Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A CNA pinça informações que, em tese, mostram o avanço de preservação de matas em áreas particulares. O centro da apresentação consiste em mostrar que enquanto as áreas produtivas aumentaram 32,1% entre 1960 e 2006, as áreas de mata e floresta dentro de propriedades privadas cresceram 72,5%.
Na prática, isso significa que, em quase 50 anos, o percentual de área preservada dentro dos estabelecimentos rurais passou de uma média de 23% para 30%, ainda muito abaixo das exigências legais para alguns biomas, como a Amazônia. Além disso, a CNA não inclui em seu relatório os dados relativos a matas plantadas, que teve redução em 2006 em relação ao medido em 1985 e em 1995. Esse tipo de área representa 4,5 milhões dos 329,9 milhões de hectares em áreas produtivas.
Othon Leonardos, professor da Universidade de Brasília (UnB), afirma ter ficado estarrecido com a manipulação das estatísticas feita pela entidade, que selecionou apenas os dados que lhe interessavam. "É fato que houve aumento de mata nas propriedades. Em 1960, não havia Área de Preservação Permanente (APP), não havia reservas legais. Então, é óbvio que vai aumentar."
“Estamos totalmente inseridos no processo de melhoria das condições das matas ciliares, protegendo a água e todas as encostas que estiverem ferindo os aquíferos e rios subterrâneos, porque estas são nossas fontes de vida”, argumentou a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da CNA, ao entregar o estudo ao ministro Wagner Rossi.
A parlamentar, no entanto, não dá muitas indicações de que sua atuação será diferente daqui por diante. Uma das páginas do relatório da CNA indica que o cerrado estará esgotado até 2030 se nada for feito e defende a criação de políticas de conservação para que os recursos naturais sejam preservados.
Durante entrevista após a reunião com o ministro Wagner Rossi, a senadora deixa mais claro seus objetivos. Ela sustenta que o desmatamento nesse bioma não ocorreu por culpa dos agricultores, mas pela legislação vigente até então. “Quando ela (a reserva legal) foi criada, os produtores já tinham desmatado no passado com orientação, autorização e financiamento do poder público. Então, a penalidade não pode retroagir em cima de uma lei que foi obedecida à época.”
A CNA defende que 1989 foi o ano de criação da reserva legal do cerrado e que, desde então, não houve mais desmatamento. Na realidade, segundo levantamento divulgado no ano passado pelo Ministério do Meio Ambiente, o ritmo de degradação deste bioma vem se acentuando. Apenas entre 2002 e 2008, 85 mil quilômetros quadrados foram devastados, o que equivale a 4% da área total de cerrado.
Anistia
Uma das principais intenções dos ruralistas é assegurar a anistia a quem desmatou. Se aprovado, o Projeto de Lei 1.876, de 1999, que deve ser votado até o próximo mês pela Câmara, perdoa todo o desmate ocorrido até junho de 2008. Caso não haja tempo hábil para a aprovação, o ministro da Agricultura já deu sua palavra de que vai lutar por uma nova prorrogação do decreto de 2009 que adia a punição dos responsáveis pela derrubada das florestas.
"Essa mudança no Código Florestal não tem base científica nenhuma. São interesses econômicos que estão em jogo, querem desmatar mais até na beira do rio. É uma vergonha", critica Leonardos.
Wagner Rossi acrescentou nesta segunda-feira, ao receber a senadora, que não considera necessário que o Ministério do Meio Ambiente apresente uma proposta alternativa ao projeto ora discutido pelos deputados. “Não creio nessa possibilidade porque estou certo de que conseguiremos chegar a um consenso. É natural que a ministra (Isabela Teixeira) apresente propostas, assim como faz a senadora Kátia Abreu.”
Raul do Valle considera que a Agricultura serve como uma correia de transmissão dos pensamentos dos ruralistas dentro do Congresso e pensa que é imprescindível frear o ímpeto do ministério na aprovação do PL 1876. “É fundamental o governo apresentar uma proposta alternativa para recolocar as coisas no seu devido lugar. Uma proposta que não anistie quem desmatou e que dê condições para a recuperação das áreas desmatadas.”
Com informações da Agência Brasil
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