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sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

"Sean tem a mim como uma mãe"


Em entrevista a ÉPOCA, Silvana Bianchi, avó do menino que está numa disputa judicial entre Brasil e Estados Unidos, diz que a criança é "sangue de seu sangue" tanto quanto do pai, o americano David Goldman
Ruth de Aquino
ÉPOCA –
Silvana, como foi seu primeiro encontro com David Goldman?
Silvana Bianchi –
Minha primeira impressão de David foi normal. Um modelo americano. Quando se tem filho da idade da Bruna na época, 23 anos, não adianta arguir. Ela me disse em Milão, onde se conheceram: "Estou apaixonada, ele é maravilhoso, vamos nos casar". Eles se casaram em Nova Jersey em 1999 porque ela estava grávida. O casamento foi averbado também aqui no Rio. O Sean nasceu em maio de 2000. Pesava mais de 4 quilos, foi um parto muito difícil. E o casamento começou a dar sinais de crise. O trabalho dele como modelo não era muito seguro nem regular. Ele fazia catálogo para venda de camisas. A Bruna começou a vender biquíni, fazer massagens para ajudar no orçamento da casa.

ÉPOCA – Sean é considerado tão brasileiro quanto americano?
Silvana –
O nascimento de Sean foi registrado em outubro de 2000 no consulado brasileiro de Nova York e também aqui no Rio. Ele é considerado brasileiro nato. Pode ser presidente do Brasil se ele quiser. A certidão de nascimento também foi registrada no Brasil.

ÉPOCA – Por que Bruna decidiu se separar do marido?
Silvana –
Primeiro, ela começou a se sentir sobrecarregada. Trabalhava dentro e fora de casa. Quando o Sean estava com oito meses, Bruna começou a sustentar a casa porque o marido teve uma doença virótica séria e não tinha plano de saúde. Ela dava aulas de italiano. Contratou uma baby-sitter. Só fui saber disso tudo em detalhe quando ela veio ao Brasil de férias em 2004. Foi quando ela me disse: "Mãe, o meu casamento acabou. Eu não aguento mais, não vou voltar. A gente não tem mais nenhuma vida íntima, meu casamento é uma farsa. Eu vivo sozinha. Ele briga o tempo inteiro, tem horas que ele é muito violento, dá socos, quebra armário". E ela disse: eu fico com medo de ficar lá sozinha nos Estados Unidos com ele.

ÉPOCA – Vocês (os avós maternos, Silvana Bianchi e Raimundo Carneiro) foram pegá-la nos Estados Unidos?
Silvana –
Não. Fomos à festinha de 4 anos do Sean, e ela disse "vamos passar umas 3 semanas no Rio de Janeiro", por isso viajamos juntos. Dias depois de ter chegado, ela me falou que não queria voltar. Como o casamento tinha sido registrado no consulado brasileiro lá e aqui no Rio, tanto fazia ela se divorciar lá ou aqui. Então ela ligou para o David e pediu que ele viesse para o Brasil resolver essa situação. Ela disse a ele que se sentia tremendamente infeliz, que não iria voltar e que queria dar seguimento à carreira dela. Ela tinha ido para Milão fazer doutorado em Moda numa das melhores universidades. Em Nova Jersey ela tinha um mero emprego de professora de italiano na escola e essa não era a sua vocação nem sua profissão. No Brasil, ela disse que teria um campo enorme de trabalho. E ela tinha medo do marido. Pediu várias vezes que ele viesse ao Brasil, para que o Sean não sentisse tanto o afastamento dele. Nós oferecemos passagem aérea, hospedagem em hotel para que ele ficasse no Rio e eles pudessem discutir o que iriam fazer. Mas ele em momento nenhum aceitou nossa oferta. Sempre dizendo, meu lugar é aqui (nos EUA), seu lugar também, você venha para cá discutir. Assim que a Bruna chegou e decidiu que não ia mais voltar, imediatamente contratou um advogado. Em momento nenhum a família Lins e Silva foi advogada da Bruna no processo todo. Um juiz deu a guarda provisória do Sean para a Bruna porque uma criança pequena não pode ficar desassistida, não pode ficar sem um tutor. A Bruna teve a guarda provisória ainda dentro do prazo que o David havia dado para a viagem. Ele diz que a Bruna fugiu e sequestrou o menino. Ela veio com autorização, não fugiu. Mas, para permanecer com o filho aqui, ela teria de ter a guarda decretada por um juiz, e ela teve. Aí começou a batalha judicial. E a gente o tempo inteiro pedia a ele que viesse. Que viesse conversar, e sempre oferecíamos passagem. Ele nunca veio. Ele esteve, até a morte da Bruna, umas cinco, seis vezes no Brasil, durante quatro anos. Mas não nos procurava. Um dia o assistente de nosso advogado nos contou que o tinha visto dentro de um tribunal. Mas ele nunca nem nos avisou.

ÉPOCA – Bruna havia trazido todos os seus pertences?
Silvana –
Não, ela deixou a documentação dela toda e inclusive talão de cheques. Ele (David) pegou e falsificou a assinatura dela e raspou o resto da conta dela (nos Estados Unidos). Temos provas, guardamos todos esses cheques. E a conta não era conjunta.

 Reprodução
ÉPOCA –
Quando Bruna conheceu João Paulo Lins e Silva?
Silvana –
Bruna e João Paulo se conheceram seis meses depois da separação, foram apresentados pela madrinha do Sean, Samantha Mendes.

ÉPOCA – David diz que tentava ver o Sean e vocês impediam.
Silvana –
Graças a Deus hoje mesmo chegou a mim um documento dizendo que os advogados instruíram que ele não visse o filho enquanto não acabasse esse processo. Ele jogou uma acusação completamente caluniosa contra nós, dizendo que não permitíamos que ele visse o filho. Agora, depois que a gente pediu os documentos, os papéis comprovando que o juiz proibia essas visitas, algo que um juiz não faria, e ele não tem esses papéis, então seus advogados resolveram vir a público e dizer que foi por orientação deles. Isso depois de terem nos caluniado no mundo inteiro. Foi muito doloroso para nós. Nós éramos cúmplices de um sequestro que não existiu.

ÉPOCA – Por que ele não viu o filho durante esses quatro anos?
Silvana –
Porque os advogados disseram a ele que, se ele visse o Sean, isso iria descaracterizar o processo por violação da Convenção de Haia. Ou seja, ele pegou isso, torceu, e nos acusou de uma coisa absolutamente falsa. Ele poderia ter visto o filho. Dizer que a gente nunca o deixou ver o filho é muita loucura. Ele vinha sim ao Brasil, mas era para ver advogados e ir a tribunais. Em momento nenhum ele pediu para visitar o Sean. Ele preferiu seguir o conselho dos advogados, era maior sua preocupação com o processo do que o amor tão grande que ele diz sentir pelo menino. Porque, se esse processo demorasse 20 anos, ele ia ficar 20 anos sem ver o filho.

ÉPOCA – Pai e filho se falavam ao telefone?
Silvana –
Eles se falavam sempre no início, embora ele dissesse que a gente batia o telefone na cara. A gente tem documentação de mais de três horas ao telefone por mês de conversas entre eles no primeiro ano de separação. Ele mandava email para o filho, a Bruna abria email e lia para o filho.

ÉPOCA – David diz que vocês devolviam os presentes que ele mandava para o filho sem sequer abrir a caixa.
Silvana –
No Natal e nos aniversários do Sean, eles (a família americana) mandavam caixa com camiseta, livrinho, chiclete. David nos acusa de devolver os presentes. Eu tenho toda a documentação mostrando que pegávamos as caixas. Somente uma foi devolvida porque estávamos viajando e, quando voltamos, ao ver o papel, a caixa já tinha sido devolvida. Mas tenho papéis da Receita Federal mostrando que a gente ia no Correio coletar as caixas.

ÉPOCA – Sean sempre soube que tinha um pai biológico?
Silvana –
Sempre. Nunca escondemos isso dele, ao contrário.

ÉPOCA – Quais providências ele tomou quando Bruna disse que não ia mais voltar?
Silvana –
Ele abriu processo acusando a Bruna de sequestro e de violação da Convenção de Haia, e nos acusava de proibi-lo de ver o filho. Nuns documentos, ele propõe um acordo para fazer o divórcio nos Estados Unidos. Esse acordo nos deixou estarrecidos. Ele pedia que a Bruna voltasse para os Estados Unidos, voltasse para o emprego que tinha, voltasse a pagar o seguro-saúde para a família toda, que desse a ele a guarda do filho e ela visse o filho de 15 em 15 dias. Foi esse acordo que ele propôs a ela em 2005.

ÉPOCA – Por que vocês pagaram 150 mil dólares ao David?
Silvana –
Como nós viajamos no mesmo avião, ele colocou uma ação totalmente infundada dizendo que seríamos co-autores de um sequestro. Ele abriu um processo civil em Nova Jersey dizendo que a gente tinha ajudado a sequestrar Sean. Fomos aos Estados Unidos nos defender. Era toda uma má fé premeditada para nos extorquir. Porque ele sabia que nada disso tinha acontecido e ele continuava a nos acusar de impedi-lo de ver o filho. Quando chegamos à Corte, a primeira proposta para ele retirar a queixa de sequestro era de 500 mil dólares. Negocia daqui, negocia dali, chegou-se a 150 mil dólares. Nosso advogado disse então: fechem o acordo porque, se isso continuar por mais tempo, vocês vão gastar isso para continuar se defendendo.

ÉPOCA – O contato telefônico entre pai e filho foi regular nesses anos todos?
Silvana –
Depois que a Bruna ganhou a guarda definitiva e ela deixou de ser considerada sequestradora, em junho de 2007, e o caso não era mais considerado uma violação do Tratado de Haia, aí as ligações praticamente acabaram mesmo. Além disso, ele nunca mandou dinheiro nenhum. Nenhum tostão. E a Bruna nunca pediu. Ele era totalmente ausente nisso. Já era difícil ele dar algum dinheiro quando ela morava lá. E quando veio em 2007 a Brasília para a audiência sobre o divórcio, continuou afirmando que minha filha era bígama. Mais outra calúnia.
ÉPOCA – Ele parou de telefonar?
Silvana –
Só ligava nos aniversários. E algumas outras vezes. Quando aconteceu isso com a Bruna [a morte no parto de Chiara, em agosto do ano passado], meu mundo ruiu. Imediatamente deixei meu trabalho no restaurante [Quadrifoglio], e pensei: meu Deus agora, o que a gente vai fazer? Uma bebezinha recém-nascida, o Sean, e o João Paulo, que trabalha durante o dia. Eu pensei, vou levar todos para minha casa, porque posso dar conta. A Chiara está num quarto, com a enfermeira, eu e meu marido no outro, o Luca (irmão da Bruna) no terceiro, e Sean e João Paulo dividem um quarto. Estamos fazendo obras num apartamento que pertencia a minha mãe e fica no nosso condomínio, para o João Paulo se mudar com as crianças.

ÉPOCA – Depois que a Bruna morreu, os dois lados se apressaram em pedir a guarda do Sean.
Silvana –
João solicitou imediatamente a guarda do Sean porque um menor não pode ficar desassistido. Dizem que o juiz deu a guarda muito rápido, mas era urgente.

ÉPOCA – Não passou nem um instante pela cabeça de vocês telefonar para o David e dizer "bem, agora que a Bruna não está mais aqui, vamos nos encontrar e tentar uma guarda compartilhada do Sean?"
Silvana –
Não, porque ele havia abandonado o filho durante mais de quatro anos. E porque o João e o Sean já eram pai e filho. Sean ama o João, se sente muito feliz com o João. É muito amado. Jamais passou pela nossa cabeça uma guarda compartilhada com uma pessoa que era um estranho para o Sean, e há quatro anos não o via.

ÉPOCA – Vocês não chegaram a comunicar a ele que a Bruna havia morrido?
Silvana –
Não. Nós não tínhamos mais contato. Ele deve ter sabido por jornais.

Arquivo
ÉPOCA – Ele veio ao Brasil nessa ocasião?
Silvana –
Dez dias depois da morte da Bruna, ele veio aqui como se fosse pegar o Sean como uma mala, botar embaixo do braço e levar. Trouxe a mãe dele dos Estados Unidos, e veio com uma equipe da NBC, para filmar o reencontro de um pai amoroso e seu filho. Um filho que não via o pai amoroso havia quatro anos e meio. A memória de uma criança até quatro anos não é tão forte. Ele chegou aqui na porta, e essa visita foi negada por um juiz, porque essa criança tinha acabado de perder a mãe, e o pai chegava com equipe de TV. O juiz disse: "se ele esperou tanto tempo para ver o filho, pode esperar mais uns dias". E a família pôde respirar um pouco.

ÉPOCA – David disse que vocês esconderam o filho dele quando tentou visitá-lo.
Silvana –
Perto do dia 12 de outubro, um feriado, Sean estava com o João em Angra dos Reis, ele chegou com dois oficiais da Justiça, dois agentes da Polícia Federal, deixou lá fora no carro a equipe da NBC e os funcionários do consulado americano que o acompanham feito sombra. Não deixaram avisar que havia alguém subindo. Tocaram a campainha, eram 8h da manhã. A enfermeira disse que havia Polícia Federal dentro do apartamento. Revistaram a casa inteira, por trás das cortinas, embaixo das camas, para ver se o Sean não estava escondido aqui. Viram que ele não estava. Me tiraram da cama, recebi a polícia de robe. Essa foi a visita que ele diz que a gente escondeu o Sean. Ele não avisou que vinha. Fez uma surpresa e, como era feriado, o Sean tinha ido com o João passar o feriado na casa dos amigos.

ÉPOCA – Por que, na sua opinião, este caso ganhou tanta repercussão se existem mais de 40 casos parecidos entre ex-cônjuges americanos e brasileiros?
Silvana –
Por causa do embaixador americano no Brasil. Ele está intervindo no caso. David fez um blog depois que a Bruna morreu (bringseanhome.org). Ele vendeu boné, camiseta, chaveiro com a fotografia do filho menor que ele tanto ama. Isso é um desrespeito a uma criança no seu íntimo. Ele vendeu até avental da cozinha com a fotografia da Bruna. Um desrespeito à mulher morta. Ele acabou tirando do ar por ver que não pegava muito bem.

ÉPOCA – Como o Sean está vendo tudo isso?
Silvana –
Ele sabe de tudo. E está muito aborrecido. Tudo que nós fizemos nos últimos seis meses, como não podíamos falar por causa do segredo de Justiça, foi pensando em preservar o Sean. Mas o David jogou tudo na internet, para quem quisesse botar a foto do Sean na cabeça com o boné e quem quisesse cozinhar que usasse o avental com o rosto da Bruna. E também camisetas contra o Brasil.

ÉPOCA – No momento, como está o processo?
Silvana –
Ele e o menino se encontraram aqui no condomínio em fevereiro. Agora, a decisão é da Justiça. Tenho confiança de que a Justiça brasileira vai fazer o melhor para o Sean.

ÉPOCA – O David diz que o Sean é sangue do seu sangue e nunca irá desistir de seu filho.
Silvana –
O Sean é sangue do meu sangue também. É filho de minha filha que morreu. Eu convivo com esse menino há quase cinco anos diariamente, desde 2004. O que passa na minha cabeça quando esse menino chega perto de mim à noite, me abraça, e diz “Nonna (vó em italiano), estou com saudades da minha mãe”. O que você faz? A gente se abraça e chora junto. Porque eu também tenho saudade de sua mãe, Sean, muita. Então, ele me tem como uma mãe agora. Ele me chamava, quando era menor, de “mãe 2”.

ÉPOCA – Seu medo é sofrer agora uma segunda perda depois de perder sua filha, em agosto do ano passado?
Silvana –
Seria uma perda de mãe mesmo porque eu sou a figura materna hoje. É em mim que ele confia, na hora de noite, se o pai ainda não chegou para trabalhar. Eu o trato como se ele fosse meu filho mais novo. Dizem que ser avó é ser mãe duas vezes. É exatamente isso. Eu hoje sou uma mulher dedicada à casa e às crianças.

ÉPOCA – O David, como pai biológico, deve realmente querer o filho de volta. O que vocês acham disso?
Silvana –
Nós queremos o bem do Sean em primeiro lugar. Eu acho que o Sean tem direito de viver com quem ele quiser. O Sean vai dizer se quer ou se não quer ir para os Estados Unidos. Uma pessoa que deixa o filho desassistido por mais de quatro anos, uma pessoa que nunca deu um tostão pra educação do filho, para a saúde do filho, para o lazer do filho, uma pessoa que nunca veio visitar o filho para ver se ele estava bem ou estava mal, somente depois que a ex-mulher morreu. Será que ele quer mesmo esse filho? Ou quer o que o filho representa para ele?









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