Thiago Chaves-Scarelli
Do UOL Notícias
Em São Paulo
Mais de 65 dias depois de ter retornado a Honduras na tentativa de retomar o poder, o presidente deposto Manuel Zelaya declarou ao UOL Notícias que vai permanecer na embaixada brasileira "pelo tempo que o Brasil permitir".Do UOL Notícias
Em São Paulo
"Se uma ditadura tutela e coordena uma eleição, ela é ilegal", diz Manuel Zelaya
A declaração chega poucos dias antes das eleições presidenciais hondurenhas, pleito que é apoiado pelos Estados Unidos e pelo governo golpista no poder como solução para a crise política que o país centro-americano vive desde que Zelaya foi deposto do cargo e expulso do país, em junho deste ano.
Zelaya, que voltou escondido a Tegucigalpa em setembro e desde então está abrigado na embaixada brasileira, argumenta que esta eleição não terá validade, porque acontece em meio a um Estado de exceção. "Se uma ditadura tutela, dirige, coordena uma eleição, [esta eleição] se torna ilegal", declarou o presidente deposto.
A mesma posição é defendida pela Organização dos Estados Americanos (OEA), que sempre condenou o golpe de Estado, mas não teve sucesso em mediar um acordo para reconduzir Zelaya à presidência. Diante desse fracasso, a OEA anunciou que "nem cogita" enviar observadores para as eleições, o que pode comprometer a legitimidade internacional dos resultados.
No final de outubro, Zelaya e o governo no poder, chefiado por Roberto Micheletti, chegaram a assinar um acordo, batizado de Tegucigalpa-São José, para viabilizar um consenso que legitimaria as eleições. O documento previa a formação de um governo de unidade e passava para o Congresso a tarefa de decidir sobre o retorno do presidente deposto.
Dias depois, Micheletti anunciou que continuaria como presidente no governo de unidade descrito no documento, e Zelaya deu o acordo por fracassado.
Segundo o presidente deposto revelou ao UOL Notícias, mesmo que o Congresso vote por sua restituição após as eleições, essa decisão seria ilegítima e ele não aceitaria retomar o cargo por essa via.
A posição mantém o impasse no país e aumenta a incerteza sobre quanto tempo pode durar a estadia do presidente deposto no prédio da representação diplomática brasileira em Tegucigalpa. Para Zelaya, "pelo tempo que o Brasil permitir".
Procurado pela reportagem, o Ministério de Relações Exteriores do Brasil respondeu que Zelaya "será hóspede da embaixada do Brasil pelo tempo que for necessário para a normalização da situação em Honduras".
"O Brasil não fará, como não faz, nenhuma pressão para que ele saia antes", disse o Itamaraty.
UOL Notícias: É certo que o senhor não vai reconhecer as eleições de 29 de novembro?
Manuel Zelaya: Sim, nós vamos impugnar essas eleições. Quando há uma ruptura da ordem jurídica, da ordem constitucional, por um golpe de Estado, sob essa mesma condição não se pode legalizar nenhum processo. Tudo o que é feito constitui efeito de nulidade. Por essa razão, se uma ditadura tutela, dirige, coordena uma eleição, [a eleição] se torna ilegal. Esse é um antecedente que nunca tinha sido praticado na América Latina - e a América Latina já viu uns 80 golpes de Estado, mas que desembocaram em uma nova Constituição, um pacto social para uma nova Constituição, não em uma convocatória espúria de eleições, sob a direção de uma ditadura, sem observadores internacionais, sem OEA, sem as Nações Unidas.
UOL Notícias: Como o senhor vê o apoio dos Estados Unidos às eleições?
Zelaya: É preciso corrigir essa afirmação: os Estados Unidos não estão apenas apoiando as eleições, eles estão apoiando o regime de facto, estão apoiando a ditadura, estão apoiando o regime golpista.
UOL Notícias: O Congresso anunciou que decidiria sobre a situação do senhor depois das eleições, dia 2 de dezembro.
Zelaya: O Congresso só poderia decidir alguma coisa caso houvesse sido consolidado o acordo Tegucigalpa-São José, porque o Congresso só pode decidir esse tema se houvesse um acordo entre as partes, mas o acordo se rompeu, o acordo é extemporâneo, o acordo já não tem nenhuma legalidade. O acordo era para haver eleições, condição para convocar eleições.
UOL Notícias: Nesse momento não há nenhum acordo?
Zelaya: Não, não há nenhum acordo, está sem valor e sem efeito. Este acordo caducou por forma e por tempo. O Congresso não tem autoridade para discutir um acordo que caducou.
UOL Notícias: Então se o Congresso chegar a decidir que o senhor pode voltar ao poder, isso não teria legalidade?
Zelaya: Se for tomada de forma unilateral pelo Congresso, [essa decisão] não teria nenhuma legalidade.
UOL Notícias: Como está a situação agora na embaixada? O senhor vê diferença em relação aos primeiros dias?
Zelaya: Nos primeiros dias fomos atacados com bombas, com ruídos, com barulhos. Esse tipo de ataque agora diminuiu. Os controles continuam, a comunicação é difícil, os celulares são interrompidos várias vezes, e o controle com as comidas continua.
UOL Notícias: Por quanto tempo o senhor pretende ficar na embaixada?
Zelaya: Pelo tempo que o Brasil permitir.
UOL Notícias: O senhor imagina que o Brasil poderia chegar para o senhor em algum momento e pedir que saia da embaixada?
Zelaya: Isso você deveria perguntar para o governo do Brasil, não para mim.
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