Tomei conhecimento da notícia da demissão de John Neschling da Osesp. A única coisa que posso dizer, como crítico musical e observador de vida musical internacional há 30 anos, é que se trata de uma perda incomensurável para a cultura brasileira e para o conhecimento que outros países poderiam ter da riqueza musical do Brasil. O trabalho de John Neschling frente à Osesp, como regente mas também como diretor artístico, deu início à recuperação de um acervo da música brasileira de valor inestimável, que havia sido deixado no esquecimento. Primeiro, ele criou uma orquestra cuja qualidade é reconhecida internacionalmente. Quando a Osesp, no ano passado, fez uma turnê pela Europa, ela conquistou triunfos amplamente merecidos, com músicos tocando com um nível técnico e musical de primeiro grandeza: nenhuma orquestra brasileira alcançou esta qualidade no passado. O que tem sido admirado fora do Brasil, é como Neschling renunciou à sua carreira internacional para construir a orquestra, para ser um verdadeiro diretor artístico à moda antiga, se ocupando de tudo, como um George Szell ou mais recentemente um Simon Rattle. O britânico Rattle permaneceu na pequena cidade de Birmingham para trabalhar com sua orquestra, recusando convites do exterior, para executar um trabalho de profundidade com sua orquestra. Agora, o mundo musical passou a olhar para São Paulo, para a Osesp e Neschling, que encarnaram esta grande tradição. O resultado? O canal cultural franco-alemão Arte transmitiu o concerto de Ano Novo da Osesp e o da Filarmônica de Viena! Será que no Brasil se dão conta do que isso significa? Eu não tenho certeza. Dirigindo Camargo Guarneri, Francisco Mignone, naturalmente Heitor Villa-Lobos, mas também Aberto Nepomuceno, Luciano Gallet, Henrique Oswald, Cláudio Santoro e muitos outros, publicando suas partituras, criando uma biblioteca, gravando discos distribuídos internacionalmente e que ganharam críticas e sucesso inesperado, John Neschling acompanhou o grande renascimento político, econômico e cultural do Brasil, que finalmente encontrou um lugar merecido no concerto das nações. Ele abriu a orquestra para regentes e solistas de grande categoria de todos os países. Não há atualmente no Brasil maestro que desenvolva um projeto artístico dessa envergadura, praticamente único na qualidade de sua programação no mundo de hoje. Aliás, também não há muitos deles fora do Brasil... E isso que eu digo é muito fácil de comprovar. A internet permite o acesso à programação de todas as grandes orquestras. A de São Paulo é admirada em todo o mundo. Não há orquestra inglesa, francesa ou alemã, por exemplo, cuja programação é tão inventiva e, ao mesmo tempo, tão respeitosa quanto ao patrimônio musical nacional, do que a da Osesp. Claro, eu não conheço as razões pelas quais Neschling foi demitido. Eu sou francês. Mas conheço a inconsequência dos funcionários eleitos e dos políticos quando da tomada de decisões no domínio da cultura. Eles raramente compreendem as implicações culturais. Com uma assinatura, podem destruir anos de trabalho, assim como podem criar condições para que esse trabalho comece e se desenvolva. Dessa vez, eles o destruíram. Em vinte anos, em cinqüenta anos, o nome de John Neschling será reconhecido como o de um músico que fez um trabalho excepcional no Brasil, o mais notável desde Villa-Lobos. E há noventa chances em cem de que o nome da pessoa que o demitiu seja esquecido. P.S. O anúncio de Yan-Pascal Tortelier como regente interino é uma coisa boa. Ironicamente, ele também nunca foi reconhecido em seu país. Esse excelente músico regeu muito pouco na França, e aqui também nunca teve uma posição de regente. A maior parte de sua carreira ele fez na Grã-Bretanha, mais visionária do que a política cultural francesa. É um excelente regente, de talento inegável. Mas a Osesp deveria seguir com o trabalho feito com seu acervo nacional no qual se engajou o maestro John Neschling: é uma necessidade histórica. E isto exige um conhecimento profundo da história musical do Brasil e do trabalho de compositores desse país desde o século XIX. É fundamental que seja constituída uma comissão científica para dar continuidade a esse trabalho. Outra ironia do destino: Yan-Pascal Tortelier foi o spalla da Orquestra Nacional do Capitole de Toulouse, regida por Michel Plasson, que, em Toulouse, fez o mesmo tipo de trabalho que Neschling realizou em São Paulo: fazer renascer as obras esquecidas do passado.
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