colaboração para a Folha Online
O maestro John Neschling, demitido em janeiro da Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), exige na Justiça que a direção da orquestra lhe pague R$ 12,5 milhões.
A informação é da coluna desta segunda-feira de Mônica Bergamo, publicada na Folha de S.Paulo. A íntegra do texto está disponível para assinantes do jornal e do UOL.
O valor equivale a cem salários que ele recebia como regente (R$ 125 mil por mês). A defesa sustenta que ele foi desrespeitado como ser humano por ter sido demitido por e-mail, com ampla divulgação inclusive no site da orquestra.
O advogado Luís Carlos Moro diz que o contrato do maestro com a orquestra é nulo, já que a lei indica que o exercício da profissão de músico deve ser regido pela CLT. Isso daria ao maestro direito a férias, FGTS, 13º salário e aviso prévio.
Se a Justiça considerar o contrato válido, o advogado defende que ele receba R$ 1,5 milhão pela rescisão. A Osesp afirma que já pagou tudo que devia a Neschling.
Neschling diz que deixará Osesp
JOÃO BATISTA NATALI
da Folha de S.Paulo
IRINEU FRANCO PERPETUO
colaboração para a Folha de S.Paulo
John Neschling se diz "magoado" por não renovar seu contrato como diretor artístico da Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo). Afirma à Folha que tocará a programação até o final de 2010 e prosseguirá com as turnês ao exterior cujos custos foram um dos motivos de atrito com a Secretaria do Estado da Cultura.
Patricia Stavis/Folha Imagem |
John Neschling diz que está magoado com sua saída e que Serra nunca foi ver a Osesp |
Ele atribui sua queda a uma rede de intrigas, a seu ver atuante entre assessores do secretário João Sayad e do governador José Serra. Eis os principais trechos de sua entrevista.
Folha - Qual a relação entre sua saída e a consultoria feita por um enviado da Associação das Orquestras Sinfônicas Americanas?
John Neschling - Conheci o Henry Fogel em Nova York, na segunda passagem da Osesp pela cidade. Ele fez elogios rasgados à Osesp, da qual tinha todas as gravações. Quando a Osesp se filiou à associação, ele esteve no Brasil. Eu não soube de consultoria ou de auditoria nenhuma. Não foi essa, então, a razão para a minha saída.
Folha - Outra informação é a de que o Conselho da Fundação Osesp já havia decidido por seu afastamento, e que sua carta apenas confirmou um fato já consumado.
Neschling - Ao que eu saiba, essa é uma absoluta invenção do governo do Estado e da assessoria do secretário da Cultura. A decisão foi exclusivamente minha. Eu estava preocupado com as ingerências. As posições que o secretário defende, por estar mal-assessorado, são irrealistas.
Folha - Cite exemplos.
Neschling - Por exemplo, convocar um concurso para maestro. Demonstra o total desconhecimento de como se faz a sucessão numa grande orquestra. E também contradiz a idéia de contratarem alguém como o Daniel Barenboim [diretor da Staatskapelle, de Berlim], conforme boato que a assessoria dele espalhou para me atingir.
Folha - Esse boato o incomodou?
Neschling - Não, porque eu sabia o tempo todo que era uma loucura. É a mesma coisa que você dizer que tem que ser o Cláudio Abbado [diretor da Filarmônica de Berlim entre 1989 e 2002], depois o Simon Rattle [sucessor de Abbado]. É completamente fora de propósito achar que um desses nomes venha a São Paulo para fazer um trabalho concentrado que a Osesp ainda necessita. Ele não se dedicaria 11 meses por ano. Lançam a idéia de um concurso como se dele fossem participar o Barenboim, o Ricardo Mutti [ex-diretor do La Scala, e hoje na Sinfônica de Chicago] e o Júlio Medaglia.
Folha - Duas pessoas do Conselho da Fundação disseram à Folha que sua situação estava se deteriorando e que estava na hora de substituí-lo.
Neschling - Não duvido que o conselho tenha pensado na hipótese de uma alternativa. Desde o começo do governo Serra tenho sido objeto de ataques desestabilizadores. Tentaram neste ano nos tirar R$ 10 milhões, o que seria 20% de nosso orçamento. Mas não conseguiram, porque o conselho defendeu brilhantemente o orçamento. Mas creio que o conselho sofreu enormes pressões políticas. O governo precisaria me tratar a pão-de-ló, e não me apedrejar.
Folha - Aqui entra a renovação de seu contrato.
Neschling - Meu contrato acaba em outubro de 2010. Há uma cláusula pela qual dois anos antes do final ele pode ser renovado por mais um ano. Se fosse o caso, o contrato seria renovado agora até 2011. Com minha decisão da não-renovação, eu provavelmente farei a turnê à Europa, em novembro de 2010, e acabe a temporada daquele ano. Deixarei a orquestra nos píncaros da glória. Tocaremos em Berlim, em Viena, faremos uma sinfonia de Gustav Mahler em Salzburgo.
Folha - Mas haverá dinheiro para essas turnês? O secretário de Cultura diz que elas são muito caras.
Neschling - Não se pode ter uma visão provinciana e redutiva. Se gravamos música brasileira e ganhamos prêmios, é para que a Osesp seja conhecida. É como se dissessem que o futebol brasileiro não pode participar de Copa do Mundo e deve apenas jogar no Brasil. O presidente da gravadora Bis [sueca], Robert von Bahr, enviou uma carta perplexa ao Conselho da Fundação ao saber de minha saída. Ele sabe que sem turnês a orquestra não é conhecida, e se não for conhecida não venderá CDs. Qual é a grande orquestra mundial que não viaja?
Folha - Consta que o que azedou sua relação com o governo foi a gravação postada no YouTube [Neschling, sem saber que era gravado, em outubro do ano passado qualificou Serra de "menino minado"].
Neschling - Não acredito que o governador seja tão simplório para se deixar levar por uma bobagem dessas.
Folha - Serra chegou a ouvir a Osesp depois de eleito?
Neschling - Nunca. Eu o convidei diversas vezes. Nunca tive nenhum contato com o Serra depois da eleição.
Folha - Qual foi a discussão sobre o corte de verbas?
Neschling - Existe um orçamento dado pelo Estado, de R$ 43 milhões. Há com ele um contrato de gestão que prevê metas. Entre elas fazia parte a Academia [escola da orquestra para aperfeiçoamento de músicos já formados] e as turnês internacionais. O secretário é mal informado por seus assessores. Ele disse à Folha que em 2008 a Academia tinha oito alunos e custou R$ 1 milhão. Não é verdade. Neste ano, ela custa R$ 680 mil e atendeu a 21 alunos. É a salvação da Osesp. Na secretaria, o Projeto Guri custa R$ 60 milhões e não forma um só músico.
Folha - Mas é um projeto de inserção social.
Neschling - Mas não tem uma idéia de excelência. A Academia é um projeto de excelência.
Folha - Seu salário [R$ 100 mil mensais] foi o cavalo-de-batalha?
Neschling - Isso demonstraria a pequenez da assessoria do secretário. Quanto eles pagariam ao Barenboim? No mínimo oito vezes a mais para fazer quatro vezes menos.
Folha - Discutiram seu salário?
Neschling - Eu estou há 12 anos com o mesmo salário, sem ser reajustado. Quando o Parreira era treinador da seleção, ganhava R$ 164 mil por mês. Que discussão é essa? É simples dizer que há dez grandes maestros brasileiros. Mas cadê as dez Osesps? Onde é que estão dez vezes os 12 mil assinantes? E as dez Salas São Paulo?
Folha - Alguns argumentam que sua carta ao conselho vai gerar uma reação. E que a partir dessa reação o sr. pode ter o contrato renovado.
Neschling - Isso não procede. Não estou jogando, é para valer.
Folha - A Osesp viverá até o final de 2010 um período nebuloso?
Neschling - Claro que não. Serei o diretor da Osesp até o último dia. Eu garantirei sua qualidade. Não haverá período de transição. Se surgirem rumores ou fofocas, eles não dependerão de mim. Depois a orquestra estará nas mãos deles.
Folha - O sr. está magoado?
Neschling - Evidentemente que estou magoado, ferido, chateado. Mais que tudo, estou profundamente preocupado com o futuro da Osesp. Uma orquestra tem um ciclo de vida. No Brasil, a única orquestra que verdadeiramente funciona é a Osesp.
Folha - O projeto da Osesp pode então a seu ver entrar em colapso?
Neschling - Não é que eu ache. Eu temo por isso.
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