[Valid Atom 1.0]

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

#mensalão : "Zé Dirceu fazia elogios rasgadíssimos à revista Veja", recorda Roberto Romano




Guilherme Sardas | 29/11/2011 18:15
Antonio Perri - Ascom/Unicamp
Roberto Romano

Às vésperas de a presidente Dilma Rousseff concluir seu primeiro ano de mandato, algumas de suas facetas já podem ser consideradas bem menos nebulosas do que no início de sua escalada ao Palácio do Planalto.

Além de ter sinalizado diferenças importantes de estilo e opinião na comparação com Lula, também sua postura diante de assuntos diretamente relacionados à imprensa têm ajudado a demarcar seu estilo próprio de governar.

A "faxina ministerial", motivada por denúncias de jornais e revistas, o "engavetamento" do projeto de regulação de mídia, sua disponibilidade em atender os jornalistas são alguns deles - e que são tratados em reportagem desta edição de dezembro de IMPRENSA.

Na entrevista abaixo, o professor de Ética e Filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Roberto Romano,
analisa o comportamento da presidente em relação a estes e outros temas, define-a como uma "intelectual orgânica" e acredita que o o tão polêmico projeto de regulação da mídia "nasceu do cérebro e do ninho de Zé Dirceu".

IMPRENSA - Como o Sr. enxerga as diferenças de estilo de Dilma, comparando com Lula?
ROBERTO ROMANO -
O que me parece é que ela tem uma visão diferente da política e do mundo que Lula, pelo fato dela não pertencer ao PT desde o início e também de estar acostumada aos debates mais ideológicos e estruturais. É uma pessoa que, digamos, teria plenas condições de executar o papel de um intelectual orgânico, se nós fôssemos pegar a definição do Antonio Gramsci: ela é uma cabeça pensante. Não estou dizendo que o Lula não é. Mas, estou dizendo que o estilo de debate e tratamento da questão, no caso dela, tende mais à objetividade e à formalidade. Ela tem condições de fazer abstrações daquilo que é mais pessoal, daquilo que é mais figadal, para aquilo que é mais do plano do cérebro.

Como essas diferenças têm refletido na relação de Dilma com a imprensa?
Em primeiro lugar, Dilma não levou adiante a campanha que Lula moveu durante oito anos contra a imprensa. Quando foram denunciados os atos irregulares de pessoas ligadas a ele e ao PT, ele tinha a responsabilidade de mandar investigar imediatamente e manter o decoro em relação à imprensa. Ele não fez. Muitas vezes, tomou como ofensa pessoal uma denúncia que nada tinha a ver imediatamente em relação a ele e apadrinhou uma série de erros e atentados à ética pública. Perdeu uma bela oportunidade de desenvolver um trabalho mais amplo entre poder e imprensa, porque, nessas regularidades, você tem problemas que são de ordem estrutural da administração pública brasileira, e que não foram introduzidos por ele, nem pelo PT.

Em que aspecto Dilma "perde" para Lula? Qual é a qualidade de Lula que ela não tem?
É essa dificuldade que ela sente de exercitar a retórica. Veja, o Lula é um retor nato, não precisou estudar Cícero para ser capaz de mobilizar a retórica como poucos líderes políticos do Brasil fizeram. Já a Dilma tem essa coisa que é mais difícil de ser engolida pela opinião pública e até mesmo pela imprensa, que fica um pouco chateada, porque ela usa estatísticas, organogramas, análises, enfim, o discurso dela é muito mais tedioso do que propriamente de brilho político.

Qual é o nível de comprometimento de Dilma com a liberdade de imprensa? 
Veja, eu não sou fã de carteirinha dela. Eu nem votei nela, todo mundo sabe disso [risos]. Mas, nesse ponto, acho que ela tem mostrado bastante fidelidade com aquilo que defendeu durante os anos 60 e 70: a defesa da democracia, da liberdade de imprensa, dos direitos humanos, de uma política externa independente, mas não tão apegada aos negócios, assim como foi a gestão do Itamaraty sob o comando do Lula e do Celso Amorim. Em relação à política externa, não houve um deslocamento de eixos, mas, no caso do Irã, daquela Sakineh [iraniana condenada à morte por apedrejamento, em 2006, por ter mantido "relações ilícitas" com dois homens após a morte do marido], Dilma mostrou claramente que não estava mais disposta a abraçar o Ahmadinejad [presidente do Irã] sem nenhuma crítica. Então, ela tem tido esse padrão que eu diria que é o padrão oficial e tradicional da esquerda sul-americana das décadas de 60 e 70, essa coerência com seu pathos de juventude, com sua formação.

Até que ponto Lula foi prejudicial para a discussão da liberdade de imprensa no Brasil?
Ele prejudicou esta discussão com o personalismo da sua atuação. Ele é um líder personalista desde a época que era comandante das greves do ABC, inclusive ele ajudou a suscitar e espalhar dentro do movimento operário esta ideia de que qualquer crítica a ele era uma tentativa de ameaçá-lo e tirá-lo do jogo político. Tudo que cheirava à longa distância algo que pudesse prejudicá-lo, e não ao seu governo, à sociedade, ao Estado, ele usava toda sua retórica, não raro injusta e não raro grosseira. Pois ninguém pode esquecer, salvo aqueles jornalistas que no meu entender não são lá muito dignos desse título, as grosserias que ele cometeu em comícios, como dizer: "Eu emprenhei a minha galega, porque pernambucano macho não deixa por menos". Isso não é coisa de estadista, não é coisa de esquerda, isso é coisa de uma pessoa que é egolátrica e egocêntrica. Agora, isso é um defeito que muitos poderosos têm e que não toldou o brilho de muitas medidas que ele tomou. Nesse caso, da transparência, que é um dos problemas mais sérios de um país que saiu de duas ditaduras violentas e censórias no século XX, ele perdeu uma oportunidade histórica de agir como um estadista.

Dilma e o governo Dilma são mais éticos que Lula e seu governo?
Eu não diria isso. Os problemas estruturais da ordem pública brasileira são tão graves, atingem os três poderes, como a falta de transparência, a falta de respeito pelo dinheiro público, pela cidadania, envolve demagogia, coronelismo, nepotismo... Veja, a quantidade de dinheiro subtraída pelo juiz Lalau é a metade do Mensalão - uma quadrilha de um juiz! Quer dizer, é muito difícil você resumir isso no poder Executivo, e dentro dele fazer essa medida. O que eu acho é que no caso dela, ela tem sido eficaz a tempo certo no sentido de afastar os ministros que no governo Lula ficariam mais um mês, dois meses ou seis meses no cargo.

O que o Sr. acha daqueles que dizem que Dilma só tem demitido os ministros para preservar seu capital político? Qual é o nível de compromisso ético da presidente?
Para preservar o capital político e a República - esse é um ponto que eu acho fundamental. Sempre que vejo essas pesquisas de formação de uma consciência autoritária no Brasil, de uma consciência fascista em setores da classe média, eu tremo nas bases. Essas coisas mostram o menoscabo do eleitor médio e da cidadania média com a democracia. E leva também a reforçar essa prática de governos personalistas, populistas e autoritários e a diminuir a confiança nas instituições: este é um ponto que me preocupa. No caso da demissão do [ministro do Esporte] Orlando Silva, por exemplo, Dilma foi perfeita. Disse que não condenaria sem provas, que não condenaria a priori, ou seja, é a atitude e a fala própria de um chefe de Estado. Mas, se ele ficasse no governo, aí seria gravíssimo.

Todas as demissões dos ministros foram motivadas pela grande imprensa. Isso não mostra uma falha das instituições responsáveis por fiscalizar o poder público?
Claro, eu diria que isso é lamentável. Perdoe-me o lugar comum mais batido na minha época de estudante, mas é triste o país que precisa de herói. As instituições brasileiras não estão dignas de serem comparadas com esse trabalho da imprensa.

O projeto de regulação da mídia nascido no governo Lula foi "engavetado" por Dilma no início de seu mandato. A seu ver, quem trabalha nos bastidores pelo projeto? Lula ainda tem influência? Como o Sr. enxergou a atitude de Dilma?
Nesse episódio, o peso maior está nessa militância autoritária do PT e no Franklin Martins, e menos no Lula. Pelo o que eu acompanhei, isso nasceu no cérebro e no ninho do Zé Dirceu. Para mim, isso está muito evidente. Em seminários, antigamente, eu anotava tudo o que as pessoas falam. Em certa ocasião, na época do impeachment do Collor, fizemos um seminário no [IFCH - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da Unicamp], com a presença do Zé Dirceu. Eu anotei elogios rasgadíssimos do senhor José Dirceu à revista Veja. Quer dizer, a partir do momento que não serviu mais, que ele chegou à chefia da Casa Civil e passou a ter problemas, aí ele começou a campanha contra a imprensa e contra o Ministério Público. Quando ele foi cassado, aí a coisa piorou. Mas, as iniciativas propostas por ele não prosperaram, porque ficou muito evidente o tom ressentido e autoritário do projeto. O Franklin Martins deu uma forma lógica mais palatável, apesar de todo ressentimento que ainda está presente lá. Nesse caso, o Lula está mais para aquele que queria sancionar uma coisa que não estava bem no seu horizonte, do que propriamente sancionar. No caso da Dilma, por enquanto, você não tem nenhum dado que a leve a ter uma atitude contrária à imprensa e ao ministério público. Eu não tenderia a focalizar a responsabilidade no Lula, eu colocaria mais nesse tipo de militância, que é um pouco avessa ao contraditório.

Então o Sr. vê a influência do Zé Dirceu por trás desse projeto de forma muito clara...
O seu grupo é uma força hegemônica dentro do PT, inclusive com muita força dentro do governo e dentro da sociedade. Não desconsidero a capacidade de liderança, a inteligência do Zé Dirceu para os assuntos públicos. Eu não estou negando isso não. Eu o conheço desde 1967, é uma pessoa brilhante, não é um energúmeno qualquer. Mas, veja, são modos de se reagir aos embates da vida pública e aos problemas da vida pública.

O Sr. acha que a imprensa comete muitos abusos?
De fato, existem abusos na imprensa. De ordem econômica, ordem jurídica e social. Duas pequenas palavras elucidam o que estou pensando: Escola Base. O caso do Ibsen Pinheiro também. É preciso ter muita prudência. Em primeiro lugar, temos que rediscutir a Lei de Imprensa. Você tem problemas que precisam ser definidos por um estatuto da imprensa, que defina bastante claramente as responsabilidades da imprensa diante do público e a responsabilidade da imprensa em relação às pessoas públicas também. Aí você não fica nessas quizumbas todas de calúnia, injúria, difamação, processo para lá, processo para cá, e num cipoal de leis e regras que no final prejudicam mais ainda a imprensa do que determinam suas responsabilidades. Basta você abrir os jornais hoje, e ver como eles usam a expressão "suposto", é a técnica para escapar do processo de calúnia e difamação. Esse suposto está me irritando cada vez mais...


http://portalimprensa.uol.com.br



LAST







Sphere: Related Content
26/10/2008 free counters

Nenhum comentário: