Um bando de alunos, funcionários da Universidade de São Paulo e - pasmem - professores, depredaram seis carros da polícia, depois que a PM surpreendeu três estudantes de Geografia fumando maconha. Em seguida, ocuparam o prédio da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências. Não encontrei ninguém que se manifestasse em favor do bando.
Num centro de reabilitação de dependentes, que acabo de visitar em São Paulo, jovens universitários comentaram: “E eles estudam de graça; a sociedade é que paga para eles fazerem curso superior e agem assim, quebrando o patrimônio público?” E me demonstraram que a maconha causa câncer na bolsa escrotal e no cérebro provoca alterações na sinapse parecidas com a esquizofrenia. Por isso a maconha é droga proibida por lei. Estudantes da Faculdade de Filosofia devem saber disso.
Quando aumentou o crime dentro do campus da USP, a reitoria pediu policiamento. O policiamento é para evitar transgressões a lei. Como fumar maconha. O bando da Filosofia quer a expulsão da PM. Que o campus se torne um território livre da lei. É um convite para que a área se torne um valhacouto, um santuário, dando ao campus universitário o mesmo status de morros cariocas dominados por traficantes. Estão despreparados, estudantes e professores. Ainda imaturos, não entendem que o campus de uma universidade é território do estado democrático. Sabe-se lá que bandeiras movem essa gente. Quando fui presidente do Centro Acadêmico da Faculdade dos Meios de Comunicação Social da PUC/RS, em 1969, no dia da posse instalei uma bandeira brasileira na parede e avisei: “Esta é a nossa única bandeira.” Promovi movimentos por mais ensino do Português para futuros jornalistas, adoção de mais disciplinas e contra aumento de mensalidades.
Na Universidade de Brasília, a recém eleita diretoria do Diretório Acadêmico anunciou algo semelhante. Distância de submissões partidárias e ideológicas e trabalho pelo ensino. Em quase 50 anos de história, o Diretório estava a serviço da esquerda. Assisti à visita de Henry Kissinger à UNB: cobriram de ovos o embaixador da Ordem de Malta, decano do corpo diplomático, com 82 anos. E ninguém foi preso.
Eram tempos do reitor José Carlos Azevedo, aos poucos reconhecido como mentor da época áurea da Universidade, com os jardins do campus bem-cuidados, a editora da UNB espalhando livros importantes, a biblioteca e os laboratórios funcionando - tempo que deixou saudades em profissionais que hoje se destacam em suas atividades. Mas a história só fala - que coincidência -, de quando a polícia invadiu o campus e fez prisões, numa greve de alunos e professores. Que lembrança vão deixar os filósofos da USP? De que querem instalar um santuário da droga?
Alexandre Garcia
Maconha e a comunidade acadêmica
Por Henrique S. Carneiro, no DAR – Desentorpecendo A Razão
A tentativa de prisão de três estudantes pela PM na FFLCH e a reação dos seus colegas em sua defesa é um episódio revelador das muitas contradições que existem em nossa sociedade.
Em primeiro lugar, fica patente o sentido absurdo do proibicionismo de certas drogas. O uso de cigarros ao ar livre em lugar retirado seja de tabaco, de cravo ou de maconha, não afeta ninguém exceto os seus usuários. É uma conduta tipificada na teoria do direito como isenta de qualquer princípio de lesividade. O bem estar público não estava sendo afetado. Ninguém estava sendo ameaçado em seus direitos nem havia nenhuma violência em curso. A própria legislação vigente por meio da lei 4330 já entende que o uso de drogas em si não deva ser penalizado.
O uso de maconha em parques, praias e locais abertos é prática disseminada entre milhões de usuários e sua injustificada repressão envolve uma compreensão de que o papel da polícia deva ser o da coerção em massa de práticas culturais recreacionais e de estilos de vida característicos da juventude e das camadas populares. Essa função torna a polícia um veículo de distúrbio da paz social e uma fonte de corrupção devido às extorsões comumente praticadas contra usuários de substâncias ilícitas.
Toda a violência adveio da intervenção da polícia que terminou inclusive usando armas químicas lacrimogêneas que, embora sejam chamadas de “não-letais”, são armas extremamente tóxicas e inclusive cancerígenas. PMs chegaram a ameaçar atirar bombas no interior do prédio da Ciências Sociais e há relatos de que ao menos um tiro foi disparado para o ar. Após a brutal invasão da tropa de choque em 2009, novamente gases tóxicos são espalhados pelos prédios da FFLCH e estudantes agredidos pela polícia que supostamente estaria lá para defendê-los.
A PM no Brasil é um entulho autoritário do período da ditadura militar, é uma polícia militarizada com foros privilegiados que se constitui na força policial mais violenta do mundo, com registro de torturas, assassinatos, até mesmo de juízes, como ocorrido recentemente no RJ, onde a formação das chamadas “milícias” mostra como ocorre um acelerado processo de deriva delinquencial de uma parte do aparelho policial.
O uso de drogas por jovens não pode ser tratado como um caso de polícia. Menos ainda num ambiente escolar, onde o diálogo e a busca de soluções negociadas e não violentas deve ser uma parte constituinte do projeto pedagógico.
O uso de maconha pela juventude há muitas décadas é parte tanto de uma atitude de rebeldia e desafio, elogiável característica da juventude que lhe confere boa parte de sua capacidade de indignar-se, como de uma busca de recursos alternativos aos remédios farmacêuticos para se lidar com a tensão e ansiedade da vida contemporânea ou para se potencializar a criatividade. Quando se sabe que personalidades científicas como Carl Sagan, Stephen Jay Gould, Oliver Sacks ou Sérgio Buarque de Hollanda usaram maconha não se objeta que tal uso tenha sido contraproducente para sua criatividade. Quando um empresário como Steve Jobs declara que sua experiência com LSD foi uma das coisas mais importantes de sua vida ou quando cientistas como Francis Crick reconhecem que a experiência com psicodélicos tem enorme potencial cognitivo, eles não são acusados de apologistas.
Em 1967, diversos intelectuais de todo o mundo, como Gilles Deleuze, François Chatelet, entre outros, assinaram manifesto publicado no Times de Londres, solicitando a despenalização da Cannabis. Passado quase meio século e essa reivindicação continua presente e, mais do que nunca, necessária.
É mais do que hora da comunidade acadêmica se manifestar novamente contra a proibição do uso da Cannabis, explicar para a opinião pública os argumentos contra a mortífera e imperialista guerra contra as drogas imposta ao mundo pelo governo dos EUA e defender o direito ao autocultivo de maconha e exigir que a questão social e cultural das drogas não continue sendo tratada como caso de polícia.
Se até um professor titular da faculdade, ex-presidente da República, se autocriticou de sua política de drogas e aderiu à campanha antiproibicionista, por que a maioria de nosso corpo docente não se manifesta na forma de um abaixo-assinado contra a continuidade da proibição e perseguição ao uso da maconha no país, propondo uma alteração da atual legislação?
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