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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

#RIO Militância digital


ARTIGO PUBLICADO NO ESTADÃO DESTA QUINTA-FEIRA

Dora Kramer

O presidente Luiz Inácio da Silva convida quem quiser para suas entrevistas individuais ou coletivas. Do mesmo modo, vê, ouve ou lê o que é dito quem quer.

Portanto, o encontro que reuniu alguns autores de blogs para entrevistar o presidente da República não se pode dizer que tenha pecado pelo excesso de governismo. Inclusive porque ninguém é obrigado a ter senso crítico em relação a pessoas, objetos ou situações que lhe sabem bem ao paladar, à visão, ao tato e ao olfato.

O Palácio do Planalto e Lula resolveram retribuir os serviços prestados por um grupo de “blogueiros progressistas” (o pressuposto é que os demais sejam reacionários), ativistas da campanha de Dilma Rousseff e não seria de esperar outra atitude que não a da benevolência.

De todo modo, chamou atenção o entusiasmo. Na saudação ao “primeiro presidente do Brasil a receber representantes da blogosfera” ─ como se não fosse ele o primeiro a conviver com a modalidade ─, no silêncio reverencial diante de respostas quilométricas e/ou incongruentes, nas gargalhadas cúmplices, na docilidade nas repetidas referências à “imprensa golpista” ou “velha mídia”.

Nas entrevistas tradicionais, em que não há seleção ideológica, não se vê, por exemplo, o entrevistado precisar corrigir o entrevistador que estranha o fato de as indicações ao Supremo Tribunal Federal não terem deixado a Corte com “a cara do governo Lula”.

“Graças a Deus o Supremo não ficou com a cara do governo”, respondeu o presidente a um rapaz que se identificou como representantes de um “blog jurídico”, ensinando-lhe, em seguida, algo sobre a independência dos poderes inerente à República.

Fora isso, os autodenominados “blogueiros progressistas” passaram batidos por repetidas afirmações de Lula de que não fazia ideia das realizações de seu governo em diversas áreas: comunicações, legislação trabalhista e direitos humanos.

O presidente, depois de oito anos de governo, disse que só teria a real noção de suas realizações depois que “desencarnasse” da Presidência. Pôde dizer sem ser contestado que o ex-diretor da ABIN, Paulo Lacerda, deixou o governo e a PF porque “estava na hora de sair”. A ninguém ocorreu lembrar-lhe que Paulo Lacerda foi mandado para Portugal em meio ao escândalo dos grampos telefônicos ilegais, por sugestão do ministro da Defesa, Nelson Jobim.

Quando afirmou que a sociedade ao controle social da mídia, defendendo iniciativas como a Ancinav e o Conselho Nacional de Jornalismo, não precisou explicar a razão de seu governo ter recuado de todas elas. Inclusive retirando propostas semelhantes do Plano Nacional de Direito Humanos 3.

Dissertou sobre enormes resistências à reforma política sem que lhe perguntassem quais são elas. Não foi questionado sobre a razão de ter aprofundado velhas práticas contra as quais agora promete lutar ao “desencarnar” da Presidência.

Esteve à vontade para ressaltar sua altivez em reuniões internacionais (permanecer sentado, enquanto os outros chefes de Estado se levantavam para receber George W. Bush), e relatar a amargura por ligações feitas entre o desastre da TAM e a crise aérea de 2006/2007.

Tão à vontade que, ao repetir que a agressão de petistas ao então candidato José Serra foi uma “farsa” ─ na abertura havia provocado muitos risos ao “ameaçar” os blogueiros com “bolinhas de papel” ─ deu-se ao desfrute do machismo consentido. Na ocasião, contou, resolveu responder no lugar de Dilma, comparando ao adversário ao goleiro chileno Rojas, “porque ela é mulher e não entende nada de futebol”.

Cada um fala com quem quer, mas respeito, inclusive aos fatos, é bom e todo mundo gosta.




LAST

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