Tuca, prefeito de Angra
Sem essa de que a chuva foi a principal razão dos deslizamentos de terras que mataram 50 pessoas em Angra dos Reis.
Socorro-me do governador Sérgio Cabral. Ele disse que aquela foi uma tragédia anunciada.
Por que? Cabral não explicou direito. Mencionou que "não se pode brincar com o solo". E que "não se pode ter construção perto de montanha e de espalho d´água". Em Angra tem de sobra.
Sinto-me tentado a seguir o exemplo de um antigo e sagaz repórter do Diário de Pernambuco.
Nos anos 60 houve um incêndio no Recife que os bombeiros não conseguiram debelar. Apagou-se sozinho.
O repórter tentou, sem sucesso, entrevistar o chefe dos bombeiros. De volta ao jornal, escreveu:
- O chefe dos bombeiros não quis dizer nada. Mas pelo seu semblante dava para notar que ele estava irritado com a pouca água dos hidrantes, com a falta de escadas para atingir grandes alturas...", e por aí foi.
O que Cabral quis dizer quando chamou de "anunciada" a tragédia de Angra?
"Anunciada" virou um cacoete de linguagem desde que o colombiano Gabriel García Márquez publicou "Crônica de uma Morte Anunciada", uma novela.
Por "anunciada", deve-se entender "previsível".
Como sempre chove forte nesta época no Rio, e como o volume da chuva não bateu nenhum recorde, imagino dado ao semblante exibido na ocasião por Cabral que ele quis livrar a chuva da condição de única culpada pelo que aconteceu.
(Vejam que caminho com excesso de cuidado pela vereda que o repórter do Diário de Pernambuco inaugurou.)
A tragédia de Angra só pode ser classificada de "previsível" ou de "anunciada" se levarmos em conta a combinação mortal de chuva forte com habitações plantadas em locais inseguros.
Não lhes parece uma conclusão óbvia? Estamos, pois, de acordo?
Nesse caso cabem várias perguntas.
A prefeitura de Angra nunca avaliou que estava pronto o cenário para uma tragédia?
Nunca alertou a respeito o governo do Estado?
Por sua vez nenhum órgão do governo estadual se tocou para o que estava por vir?
Tuca Jordão (PMDB), atual prefeito de Angra, não pode fingir que não sabia. É sobrinho do prefeito anterior que governou Angra durante oito anos. Trabalhou com ele. Preparou-se para sucedê-lo.
Transcrevo do site da prefeitura um resumo do seu currículo:
* Tuca Jordão é engenheiro civil. Nascido e criado em Angra, começou sua vida pública em 2002 como engenheiro de projetos. Logo depois assumiu a subsecretaria de Obras e Serviços Públicos, quando reestruturou todas as regiões administrativas e criou as subprefeituras, levando cidadania para quem mora longe do Centro.
* Em 2005, Tuca assumiu a Secretaria de Habitação e realizou o sonho da casa própria de milhares de pessoas, com destaque para o primeiro condomínio vertical da cidade. Ele também implantou o maior projeto de regularização fundiária da história de Angra, que garante o direito à terra e à moradia de milhares de famílias.
* Em 2007, Tuca participou da fusão das secretarias de Habitação e Serviços Públicos - que incorporou ainda as quatro subprefeituras -, mostrando toda sua experiência técnica e administrativa. Mas o desafio maior veio em 2008 quando Tuca acumulou a responsabilidade pela Secretaria de Obras, dando maior agilidade aos projetos e realizações no Município.
É impossível acreditar que um homem com tal experiência desconhecesse o perigo que rondava seus governados.
Aqui não se discute se Tuca é um político honesto ou venal, sensível à cobrança de propinas para facilitar construções irregulares.
Sequer precisa ser venal. Um mês depois de eleito, os vereadores de Angra reajustaram seu salário em 39%. E Tuca passou a ganhar R$ 23 mil - quase o dobro do que ganhava o prefeito de São Paulo.
É fato que Tuca está sendo processado - mas por outro motivo. Beneficiou-se, segundo a acusação, do transporte gratuito de barco entre Provetá (Ilha Grande) e Angra dos Reis oferecido pelo tio-prefeito à população. Em troca, moradores de Provetá e de Angra votaram nele.
Descarte-se a hipótese de Tuca e Cabral serem desafetos. E de que isso tenha dificultado o entendimento entre os dois. Não são. Pertencem ao mesmo partido - o PMDB. Dão-se muito bem.
Em junho último, Cabral baixou um decreto que afrouxou as regras para construções em áreas de preservação ambiental de Angra dos Reis e de suas ilhas.
Os ambientalistas de Angra e do Estado subiram nas tamancas. Tuca não subiu.
Dedução óbvia: o prefeito avaliza o decreto de Cabral que está sendo contestado na Justiça.
Digo aos apressadinhos que a recente tragédia de Angra nada teve a ver com o decreto.
Futuras tragédias, se o decreto não for revogado, essas, sim, poderão carregar a indelével impressão digital de Cabral.
A tragédia que ainda se chora é uma obra coletiva dos governos passados em todos os níveis, mas também dos atuais.
Se Cabral anunciou que há 3 mil construções irregulares em Angra, e também que para desapropriá-las o "Orçamento não é problema", por que não agiu antes de modo a evitar a consumação de uma "tragédia anunciada"?
Só agora descobriu as construções irregulares?
Só agora descobriu que o "Orçamento não é problema?"
Sulamérica Trânsito
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