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segunda-feira, 1 de setembro de 2008

SP já tem 1.069 obras embargadas, quase o total de prédios em construção


Vizinhos reclamam que Prefeitura só paralisa canteiros irregulares, depois da destruição de árvores e calçadas

Rodrigo Brancatelli


A figueira de 20 metros de altura não pôde se dar ao luxo de esperar por uma fiscalização da Prefeitura. Teve seus galhos sumariamente arrancados para a passagem de tratores e escavadeiras, ali na altura do número 320 da Rua Fradique Coutinho, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo. A incorporadora responsável pela construção de duas torres residenciais não só ignorou a árvore como também a legislação, já que nunca obteve um alvará de execução da obra. O resto dessa história é quase óbvio - após muitas reclamações de vizinhos, fiscais da Prefeitura apareceram para embargar as duas torres, quando a figueira já havia sido podada e o terreno destruído.

O exemplo parece previsível pelo simples fato de ser cada vez mais recorrente na capital. Segundo levantamento feito em 29 das 31 subprefeituras, São Paulo tem hoje 1.069 construções embargadas por irregularidades. Grande parte motivada por reclamações dos moradores vizinhos. Os embargos da Prefeitura andam de vento em popa - se em todo o ano de 2007 foram 421, uma média de 35 por mês, neste ano os fiscais já impediram a construção de 319 obras, média de 40 mensais. Os problemas mais comuns são início da obra sem autorização da Prefeitura, acréscimo da área sem permissão, execução de obra diferente da planta e mudança de finalidade do imóvel.

Parelheiros é o campeão do ranking, com 173 imóveis embargados atualmente. O motivo é que boa parte do distrito fica em área de proteção de manancial, o que torna as regras para a construção ainda mais rígidas. Vila Mariana aparece em segundo lugar, com 91, seguida por Capela do Socorro, com 68, Freguesia do Ó, com 58, e Campo Limpo, com 55. Para se ter uma idéia da dimensão do problema, a Empresa Brasileira de Estudos do Patrimônio (Embraesp) calcula que São Paulo tenha neste momento 1.291 prédios em construção - ou seja, quase o mesmo número de embargados.

Na visão de urbanistas, que já criticam o fato de a Prefeitura não ter aproveitado o aquecimento da construção civil para melhorar a infra-estrutura urbana, essa numeralha mostra que a cidade mal consegue disciplinar o boom imobiliário. Construtoras sem alvará iniciam as obras para tentar cumprir metas, passam por cima da legislação, cortam árvores, destroem calçadas - e a Prefeitura só vê o estrago depois que os moradores reclamam.

PAISAGEM URBANA

"As incorporadoras estão preocupadas com o seus lotes e nunca olham para o resto da cidade. Essa é a lógica do mercado, tentar trazer o máximo de lucro sem ver a demanda, a paisagem urbana", diz o arquiteto e urbanista Jorge Wilheim, secretário municipal de Planejamento na gestão Marta Suplicy (PT) e responsável pelos planos diretores de Curitiba, Osasco, Goiânia, Guarulhos e Campinas. "O fato de existir o boom imobiliário significa que há uma competição ferrenha. O mercado ficou muito capitalizado e agora precisa construir rapidamente para justificar o valor das ações. E isso, claro, não vai criar uma cidade linda."

Para Wilheim, a Prefeitura precisa criar mecanismos para fiscalizar melhor o setor. A cidade conta hoje com 657 fiscais para cuidar de toda a sorte de problemas, de comércio irregular a fachadas fora dos parâmetros da Lei Cidade Limpa. Nenhum deles, por exemplo, viu a poda irregular de árvores no Rua Fradique Coutinho para a construção das duas torres residenciais em Pinheiros. A construtora já até anuncia o lançamento do condomínio, com apartamentos de 52 e 62 metros quadrados, com uma ou duas vagas na garagem e "fácil acesso aos principais pontos da cidade", mesmo sem ter alvará de execução da obra.

Foi preciso que o fotógrafo Francisco André Buny Ferreira, vizinho à obra irregular, fizesse a partir de junho cinco pedidos de fiscalização - ele marcou os protolocos para provar a demora da Prefeitura: 7718250, 7740303, 7740293, 7740287, 7768246. Só dois meses depois os fiscais baixaram no local, embargaram a obra e distribuíram multas - R$ 5.695,90 pela falta de autorização e R$ 10 mil por corte irregular de árvores. O Estado procurou a construtora na semana passada, mas não obteve resposta.

TRÂNSITO

Ali em Pinheiros, há outros 17 imóveis embargados. "A Prefeitura é muito permissiva. Às vezes me sinto como se vivesse numa terra de ninguém", diz Ferreira. "Moro em Pinheiros há dez anos e de lá para cá vi uns 15 prédios novos sendo erguidos nas redondezas do meu apartamento. Não sei se todos são regulares, se fizeram estudos de impacto no trânsito."

Há outros tantos exemplos. No Jardim Paulista, na esquina da Praça das Guianas com a Rua Canadá, o dono de uma residência requisitou na Prefeitura uma autorização para fazer "uma pequena reforma" e acabou transformando o local em um conjunto de escritórios. Foi embargado. Já no centro de São Paulo, na Rua Almeida Torres, um outro edifício de três andares estava sendo construído sem planta aprovada, sem placa de engenheiro responsável, sem segurança alguma e ainda por cima ocupando 80% do passeio público. A obra só foi embargada depois de reclamação anônima de um vizinho, que chegou a ser ameaçado pelo responsável pela construção. Dias depois, foi abandonada e vendida a outro investidor, que promete regularizá-la. Ainda assim, o estrago já havia sido feito.

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