Lucia Hippolito, colunista do UOL, fala sobre o fracasso das negociações em Genebra pela Rodada Doha
Doha: "Brasil apostou fichas no lugar errado", diz economista; "países em desenvolvimento não aprenderam a negociar"
Pascal Lamy, diretor-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio), confirmou nesta terça-feira que as negociações em Genebra da Rodada de Doha fracassaram. O resultado é que o Brasil sai da negociação como "um dos grandes perdedores de Doha", na avaliação de Simão Davi Silber, professor-doutor da FEA (Faculdade de Economia e Administração) da USP, especialista em comércio internacional.
Segundo Silber, "o Brasil apostou suas fichas no lugar errado". "Talvez o Brasil tenha apostado de uma maneira exagerada no sucesso da rodada. Foi algo meio inocente acreditar que um acordo fosse ser selado, tendo em vista que as posições estiveram bastante polarizadas desde o começo", afirmou o professor, em entrevista ao UOL.
Silber também criticou a postura de países emergentes, como a China e a Índia, que travaram a última rodada de negociações. "Os países em desenvolvimento não entenderam o que é uma negociação multilateral. Eles estão pedindo concessões de países subdesenvolvidos. E não tem sentido um país como a China, que é uma potência econômica, pedir essas salvaguardas."
Nesse aspecto, o especialista disse que "o Brasil também se mostrou mais maduro e, entre os emergentes, foi o mais flexível. Isso deu um sinal muito forte de que o país está preparado para negociar e fazer concessões". Por isso mesmo, Silber avalia que o país deve investir em acordos bilaterais.
O professor acredita que o "fracasso (das negociações) foi ruim para o mundo" e que agora "pode haver até um retrocesso", caso os países decidam não aceitar as regras de comércio internacional. "Eles podem alegar que estão aplicando salvaguardas para suas indústrias, essa válvula de escape está prevista na OMC." Ainda não há uma declaração da OMC sobre uma possível retomada das negociações da Rodada de Doha.
Com fracasso de Doha, Brasil sai em desvantagem comercial
Veja a reação no Brasil após o fracasso das negociações da OMC
SÃO PAULO (Reuters) - As negociações em Genebra para tentar salvar a Rodada de Doha e garantir um acordo global de comércio fracassaram, disseram diplomatas nesta terça-feira.
Veja a seguir comentários de representantes da indústria e do setor agropecuário brasileiro.
JOSÉ AUGUSTO DE CASTRO, VICE-PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DE COMÉRCIO EXTERIOR DO BRASIL
"O fracasso de Doha significa que o protecionismo venceu a abertura comercial, e o Brasil perde com isso. Ao contrário de outras economias, como o México e o Chile, nós não temos acordos comerciais bilaterais com outros países então, sem um acordo multilateral, ficamos isolados, e nossas exportações não têm o benefício da tarifa reduzida. O setor agrícola, é claro, é o maior perdedor pois mundialmente é ele que tem a maior carga de subsídio e protecionismo. Com os subsídios, a expansão da nossa produção fica limitada".
"Os acordos bilaterais têm que ser a saída para o Brasil agora. O problema é que um entendimento tem que ser aceito por todos os parceiros do Mercosul e o Brasil é uma economia muito maior do que os demais sócios, os interesses são diferentes."
ELISABETE SERÓDIO, CONSULTORA EM COMÉRCIO E NEGOCIAÇÕES COMERCIAIS
"Eu não acredito que não se chegue a um acordo (na rodada de Doha), seja lá qual for, quando for. Porque nas discussões bilaterais (fora da OMC) não há avanço em temas como subsídios à exportação, acesso a mercado e apoio doméstico que distorce o comércio. Por isso, esses acordos são muito mais políticos, eles geram pouco fluxo de comércio".
"A Índia estava pesando muito o lado dela e entendendo que teriam de abrir mais o mercado do que ganhar mercado. Eles teriam de reduzir práticas internas que são praticamente vitais para seus agricultores, que são muitos. Hoje ficou pior para a Índia abrir em agricultura do que para a Europa. A Índia não tem o que oferecer".
HAROLDO CUNHA, PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS PRODUTORES DE ALGODãO
"Acho que o Brasil adotou uma postura um pouco menos agressiva do que a Índia e a China, no sentido de que uma negociação razoável era melhor do que nada. Acho que isso mostra que o Brasil tinha um interesse em negociar".
"Analisando como algodão, a gente tem essa frustração no sentido de que imaginávamos que conseguiríamos algo efetivo nessa rodada. É um sentimento muito negativo porque pode levar a uma diminuição de área no Brasil (...) porque o algodão americano continua com muitos incentivos"
SORAYA ROSAR, CONSULTORA, CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA (CNI):
"Não é uma boa notícia, de jeito nenhum... É triste ter perdido todos esses anos de trabalho. Para um pais emergente, nao ter uma OMC forte, realmente é preocupante...O agronegócio brasileiro realmente é quem perde mais."
SÉRGIO MENDES, DIRETOR-GERAL, ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS EXPORTADORES DE CEREAIS (ANEC)
"O futuro do Brasil na parte de grãos é irrefutável. Não é um ou outro percalço de negociaÇão que tenhamos no caminho que vai impedir (esse futuro). O que pode acontecer é que com o fracasso de uma rodada dessa, que se esperava pelo menos diminuir o subsídio, pode atrasar um pouco esse crescimento abrupto que o Brasil está tendo. Mas de maneira nenhuma isso vai descontinuar o crescimento".
"O setor espera que as negociações possam prosseguir no futuro, porque diminuindo o subsídio o Brasil ganharia mercados extras... Mas o Brasil vai continuar o seu destino".
"O que temos de nos preocupar é ampliar a produção para atender essa demanda adicional, coisa que hoje não vejo o Brasil preparado em termos de infra-estrutura de transporte e mesmo em expansão de plantio".
CHRISTIAN LOHBAUER, DIRETOR-EXECUTIVO, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS PRODUTORES E EXPORTADORES DE FRANGO (ABEF)
"Da perspectiva do setor exportador de frango, é uma pena. A gente vinha trabalhando num ambiente de menos ambição para que pudesse garantir um pouco mais de acesso ao produto brasileiro na União Européia e sair desse universo de salvaguardas e cotas, trabalhamos também favorecendo a redução dos subsídios americanos e junto com o setor agrícola e industrial contra salvaguardas para países em desenvolvimento".
"O cenário do mercado mundial no que se refere principalmente ao mercado europeu continua difícil, pois vão manter como é hoje, com tarifas altíssimas, específicas, aplicando salvaguardas agrícolas reminiscentes da Rodada Uruguai (...) e certamente no ambiente de Doha conseguiríamos algumas toneladas sem estas tarifas. Num segundo momento permanecem todas as barreiras sanitárias".
"A notícia não é boa para ninguém, vai provocar um movimento de acordos bilaterais (...) Vamos passar por um ambiente de incerteza no ambiente multilateral".
MÁRIO MARCONINI, DIRETOR DE NEGOCIAÇÕES INTERNACIONAIS, FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (FIESP)
"Parece que há o interesse de alguns países de que a Rodada fracasse, notadamente Índia e Argentina. O Brasil nunca tinha negociado em Doha em bloco com o Mercosul, mas o fez desta vez para dar mais flexibilidade à Argentina, que continuou dizendo não a tudo. E a Índia quer salvaguardas mesmo já tendo proteção tarifária altíssima".
"Se o Brasil não tivesse aceitado o pacote na semana passada, o fracasso teria acontecido muito antes. O país tomou uma posição de conciliação e fez o necessário para manter negociações vivas. Mas os outros deixaram o Brasil de lado. A China nunca falou nada e, nos últimos momentos, resolveu ser contra tudo".
PEDRO CAMARGO NETO, PRESIDENTE, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA PRODUTORA E EXPORTADORA DE CARNE SUÍNA (ABIPECS)
"É uma pena. Acho que todos trabalhávamos para um acordo modesto, mas um acordo. O fracasso é ruim, mas também não é fim do mundo, tem que olhar para a frente. Essas regras multilaterais têm 50 anos, não vai ser um revés que vai colocar tudo em risco, nao é caos".
"Você não ganha os aumentos que iriam ocorrer agora, mas a vida continua. O que o Brasil cresceu de exportaDor agrícola nos últimos 15 anos não teve nada a ver com a Rodada do Uruguai, mas sim com o aumento de produtividade, reforma estrutural. Vai continuar nessa linha. Não é o que queríamos, mas não é golpe não".
GILSON XIMENES, PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE CAFÉ (CNC), LIGADO A PRODUTORES
"Não tem impacto para o setor de café. O café é um produto essencialmente financeiro, depende muito de bolsa, é um negócio completamente diferente. Não acredito que haveria redução de tarifa para o produto industrializado."
(Reportagem de Camila Moreira, Aluísio Alves, Roberto Samora, Inaê Riveras e Gustavo Nicolleta; edição de Marcelo Teixeira)
Entenda o que é a Rodada Doha
A Rodada Doha recebeu esse nome pois foi nessa cidade, capital do Qatar, onde as grandes potências comerciais começaram a discutir o futuro do comércio no mundo, com o objetivo de chegar à livre negociação, sem barreiras.
A Rodada Doha foi lançada há sete anos, mas está paralisada devido a divergências sobre o nível de abertura em setores de interesse de países ricos e pobres.
Os países em desenvolvimento querem maior abertura no setor agrícola das nações desenvolvidas, incluindo a redução ou o fim de subsídios. O bloco dos países desenvolvidos pressiona por maior abertura nos setores de indústria e serviços.
Entenda o que está em jogo nas negociações
Há quanto tempo as negociações da Rodada Doha vêm sendo realizadas?
A Rodada Doha da OMC foi lançada em novembro de 2001, na capital do Qatar, com o objetivo de obter maior liberalização do comércio mundial.
Quase sete anos depois, os países envolvidos nas discussões ainda não conseguiram chegar a um acordo.
Até agora, as discussões têm girado principalmente em torno do tamanho dos cortes nos subsídios à agricultura por parte dos países desenvolvidos e no quanto o comércio de serviços pode ser liberalizado.
Por que as negociações foram paralisadas?
Um dos pontos mais polêmicos é o quanto os países ricos aceitam remover suas barreiras a exportações agrícolas dos países pobres.
Também há divergências sobre o quanto as nações em desenvolvimento aceitam abrir seus mercados para bens manufaturados e serviços.
Os países em desenvolvimento criticam o que consideram políticas protecionistas, principalmente por parte dos Estados Unidos e da União Européia.
Eles querem provas concretas de que os países desenvolvidos estão dispostos a abrir seus mercados com cortes expressivos em suas tarifas de importação e nos subsídios à agricultura.
O principal problema é que o livre comércio em agricultura tem se mostrado bem mais difícil de ser negociado do que em bens manufaturados.
Em que ponto está a negociação?
Há alguns sinais de progresso. A União Européia disse estar preparada para reduzir suas tarifas agrícolas em 60%, o que significa um avanço em relação a propostas anteriores.
No entanto, os Estados Unidos afirmam que só irão reduzir seus subsídios agrícolas se os países emergentes abrirem seus mercados, cortando tarifas industriais.
Qualquer proposta de acordo que tem de receber o aval de todos os 152 membros da OMC antes de ser aprovada.
Os envolvidos nas negociações queriam fechar um acordo antes que o novo presidente americano assuma o poder, em 2009.
O novo presidente dos Estados Unidos pode querer fazer mudanças na política comercial do país, e qualquer acordo sem a participação da maior economia do mundo seria bastante enfraquecido - ou mesmo inútil, segundo analistas.
Os atuais problemas na economia mundial afetam as negociações?
A saúde da economia global se deteriorou desde a última reunião para discutir a Rodada Doha, com desaceleração no crescimento nos países desenvolvidos e aumentos do custo de vida.
A alta mundial dos preços dos alimentos, que dobraram desde o ano passado, teve efeito maior sobre os países mais pobres, onde uma proporção maior da renda familiar é gasta em comida.
Segundo analistas, isso levou a um aumento do protecionismo nos países exportadores de alimentos.
Os defensores de um acordo afirmam que o protecionismo iria ajudar a reduzir a pobreza e a criar empregos nos países em desenvolvimento, enquanto os países ricos podem se beneficiar se conseguirem exportar mais bens e serviços.
Calcula-se que um acordo possa injetar US$ 100 bilhões por ano na economia mundial.
Quais seriam as conseqüências de um fracasso nas negociações?
O fracasso nas negociações pode significar o fim da Rodada Doha, já que as eleições americanas devem dominar a agenda política mundial a partir de agora.
Isso enfraqueceria a realização de acordos multilaterais, já que os países negociariam acordos comerciais individuais entre si, o que colocaria os países menores em desvantagem.
Os maiores países em desenvolvimento, como Brasil e Índia, também perdem com o fracasso nas negociações, porque precisam de mercados abertos para suas crescentes exportações.
No entanto, algumas organizações não-governamentais (ONGs) afirmam que é melhor que não haja nenhum acordo do que um acordo que seja desfavorável aos países mais pobres.
Para a OMC, o fracasso em obter um acordo depois de sete anos de negociações significaria o maior revés de sua história.
quarta-feira, 30 de julho de 2008
Rodada Doha fracassou
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