Agora, ficamos sabendo pelo depoimento do ex-secretário de Controle Interno da Casa Civil José Aparecido Nunes Pires, à Polícia Federal, que foi ele o "vazador" da planilha eletrônica confeccionada naquele órgão de cúpula do Planalto, e que fez isso não apenas "por engano", mas também por interferência de forças sobrenaturais, uma vez que a planilha estava no seu computador, cuja senha só ele conhece, mas não foi ele que a anexou à mensagem enviada a André Fernandes.
Felizmente, foi suspensa ontem a deplorável pantomima dos depoimentos à CPI dos Cartões Corporativos do remetente e do destinatário de cópia do dossiê contendo uma seleta, escolhida a dedo, de gastos palacianos no governo Fernando Henrique. Só na próxima semana o desrespeitado público correrá o risco de ser submetido a uma nova sessão do festival de mentiras de segunda classe protagonizado anteontem pelo ex-secretário José Aparecido Nunes Pires.
A interrupção do teatro conduz aos seus bastidores. Ontem pela manhã a CPI deveria votar o pedido de acareação entre Aparecido e o assessor parlamentar André Fernandes, que trabalha para o senador Álvaro Dias, do PSDB. Embora ninguém apostasse que a maioria governista da comissão deixaria a acareação acontecer, esperava-se pelo menos a votação do requerimento, em homenagem às aparências. Mas nem sequer houve quórum para qualquer decisão. De todo modo, qual a serventia de um face a face entre os dois? "É inútil", comentou Fernandes. "Ele (Aparecido) tem um habeas-corpus" (concedido pelo STF, para que pudesse mentir ou calar no seu depoimento à CPI, sem o risco de receber voz de prisão). "Vai dizer pepino e eu vou dizer chuchu e vai ficar por isso."
Segundo o assessor parlamentar, num almoço entre eles depois do envio do dossiê, presentes dois outros comensais, Aparecido disse que partiu de Erenice Guerra, a secretária-executiva da Casa Civil e braço direito da ministra Dilma Rousseff, a ordem para o fabrico do dossiê. Disse ainda, conforme Fernandes, que Erenice determinou que dois funcionários de cada secretaria da Pasta participassem do que seria, eufemisticamente, a preparação de um "banco de dados" para uso da CPI (que àquela altura nem existia). Aparecido, como era de esperar, negou. Mas, no seu depoimento, distraído, ele deixou escapar que recebeu a planilha de um subordinado, "sem querer" a enviou a Fernandes - e sem mudar uma vírgula do seu conteúdo.
Com isso, o fato de Aparecido ter tido o cuidado de poupar de qualquer malfeito tanto Erenice quanto Dilma se tornou uma gritante irrelevância. "Vê-se claramente que se pinçaram dados", concluiu o deputado Carlos Sampaio, do PSDB, integrante da CPI. "Banco de dados pressupõe informações genéricas. Dossiê pressupõe informações pinçadas." Referem-se, nas suas palavras, a "gastos esdrúxulos". Complementou Fernandes: "Um banco de dados teria compras normais de arroz, feijão." Isso é o que conta - e não a enredada história das relações entre quem disparou e quem recebeu o e-mail com o arquivo da intimidação. E é isso que vai engrossar o patrimônio de felonias deste governo cujos condutores em priscas eras desfilavam perante o eleitorado como portadores de uma nova ética política e administrativa - para se revelarem, afinal, mensaleiros, aloprados, distraídos, "dossiêistas".
Daí não se segue necessariamente que os mandantes de mais essa armação terão de prestar contas de suas decisões. Nem por milagre essa manietada CPI irá ao fundo das coisas. Ela será encerrada em 8 de junho, e não passa pela cabeça de ninguém que os "governistas radicais" que a dominam acederão em lhe dar sobrevida. A única esperança da oposição - e, mais do que isso, da opinião pública desejosa de ver a verdade em pratos limpos - é o inquérito em curso na Polícia Federal.
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