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domingo, 19 de junho de 2011

Ociosidade ainda é crime, mas artigo é um dos que não servem para nada


18/06 às 18h57 Alessandra Duarte (duarte@oglobo.com.br)Chico Otavio (chico@oglobo.com.br)

RIO - Por erros de origem, algumas leis já nascem mortas. Outras, outrora importantes, vão perdendo o propósito com a evolução dos costumes sociais e deixam de ser aplicadas, mesmo sem sair de cena. Um dos casos clássicos é a Lei das Contravenções Penais, de 1941, que está em vigor, mas mantém artigos que hoje chegam a arrancar risadas daqueles que deveriam aplicá-los.

Pretexto da polícia, no passado, para levar à prisão suspeitos de crimes de difícil comprovação, o artigo 59 prevê prisão simples, de 15 dias a quatro meses, para os que se entregarem "habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover à própria subsistência mediante ocupação ilícita".

- Como não havia prisão preventiva, a polícia usava esse artigo para preencher a lacuna. Era uma coisa absurda punir por ociosidade num país com problema de desemprego - recorda-se o desembargador Manoel Alberto Rebelo dos Santos, presidente do Tribunal de Justiça do Rio.

Jogo do bicho é símbolo das contravenções impunes

A Lei das Contravenções é também hospedeira de uma espécie de símbolo das leis que não saem do papel. No capítulo das contravenções referentes à fé pública, o Artigo 58 é taxativo: dá prisão de quatro meses a um ano, "e multa de dois a vinte contos de réis", a exploração do jogo do bicho. No entanto, como a própria Polícia Federal filmou no Rio, ano passado, há pontos de bicho funcionando livremente nos arredores de delegacias e batalhões da PM.

Criada há 70 anos para punir os crimes de menor potencial, a lei prescreve a reclusão, por um ano no mínimo, em "colônia agrícola", dos condenador por vadiagem ou por mendicância. Além de ser totalmente incabível para um país que humanizou as políticas para a população de rua, dificilmente um juiz acharia hoje uma colônia agrícola para abrigar condenados.

Sócio de um tradicional escritório de Direito Penal e presidente do Instituto dos Advogados do Brasil (IAB), o criminalista Fernando Fragoso não se lembra de ter defendido, em toda a carreira, algum cliente processado pela Lei das Contravenções Penais. Enquanto sorri, ele vai circulando com uma caneta os artigos que acha inaplicáveis.

Penas pelo descumprimento de providências para sanar "o estado ruinoso de uma construção", pela prática de acrobacias aéreas fora da zona permitida por lei e pela embriaguez, "de modo que cause escândalo ou ponha em perigo a segurança própria ou alheia", estão entre os casos apontados por Fragoso.

Para o criminalista, a legislação teria muito mais eficácia se aplicasse sanções administrativas, e não penais, para crimes de menor potencial. Fragoso disse que, mesmo no campo dos crimes mais graves, previstos no Código Penal e outras leis específicas, o juiz fica constrangido em punir com penas muito altas:

- O juiz se assusta quando vê as penas aumentarem a cada ano. Daqui a pouco, vão aprovar a prisão perpétua. Então, ele prefere decidir baseado na sua interpretação sobre as leis - explicou.

Outros dispositivos deixam de ser aplicados porque, com o passar dos anos, a sociedade passou a tolerar situações que antes davam cadeia. O desembargador Manoel Alberto, presidente do TJ egresso de uma Câmara Criminal, diz que, hoje, é raro condenar por bigamia ou sedução, ambos artigos do Código Penal.

Outro exemplo é o artigo 234 do mesmo código, que considera crime "fazer, importar, exportar, adquirir ou ter sob a sua guarda, para fim de comércio, distribuição ou de exposição pública, escrito, desenho, pintura, estampa ou qualquer objeto obsceno.








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