Alvo de vários planos para matá-lo, Fidel Castro tem o costume de enxergar agentes infiltrados da CIA, o serviço americano de inteligência, em cada canto de Cuba. Só não imaginava que uma estava "debaixo de seu nariz", como diz a ÉPOCA Juanita Castro, de 76 anos, a quinta dos sete filhos da família Castro. Na semana passada, ela revelou ter colaborado com a CIA entre 1961 e 1964, "convidada" pela embaixatriz do Brasil em Havana, Virgínia Leitão da Cunha. Descontente com os rumos da revolução comandada pelos irmãos Fidel e Raúl, Juanita tornou-se a agente Donna e passou a cumprir missões como levar bilhetes e dinheiro, escondidos dentro de latas de conserva, a membros da CIA em Cuba.
Conhecido por apenas seis pessoas (incluindo Juanita) durante mais de três décadas, o segredo foi contado à amiga dela e jornalista mexicana María Antonieta Collins em meados dos anos 90. No entanto, só veio a público agora, com o livro Fidel e Raúl, meus irmãos - A história secreta (Editora Santillana EUA, sem previsão de lançamento no Brasil). Juanita garante que não teve acesso a nenhum segredo importante - seu trabalho consistia em ajudar dissidentes financiados pela CIA. Nesta entrevista, ela afirma que não participou de nenhum plano para matar os irmãos. E diz não se arrepender de nada. "Cumpri meu dever de cubana."
ENTREVISTA - JUANITA CASTRO |
QUEM É Nascida em Birán, Cuba, Juana de la Caridad (Juanita) Castro Ruz tem 76 anos. Solteira, não tem filhos O QUE FEZ Simpatizante da revolução liderada pelos irmãos Fidel e Raúl no início, passou a opositora e se exilou em Miami, onde vive até hoje O QUE PUBLICOU Fidel e Raúl, meus irmãos - A história secreta (editora Santillana, EUA), em parceria com María Antonieta Collins (foto abaixo). Não há previsão de lançamento no Brasil |
Juanita Castro - Em junho de 1961, minha amiga Virgínia Leitão da Cunha (mulher de Vasco Leitão da Cunha, então embaixador brasileiro em Havana) me convidou a viajar para o México para conversar com um agente da CIA de codinome Enrique. Falei a meus irmãos que iria visitar nossa irmã Enma, e então soube o que os americanos queriam que eu fizesse. Foi um choque, sim, mas era uma forma importante de ajudar os cubanos descontentes com a ditadura imposta por meu irmão Fidel. Eu trazia mensagens em latas de conserva e recebia comunicados secretos por rádio. Combinei assim: no dia em que havia mensagens, a senha era a valsa "Fascinação". Quando não havia, tocavam a abertura de "Madame Butterfly". Fiz tudo sem nunca ter pedido nada aos Estados Unidos. Nunca recebi dinheiro por isso. Só exigi uma condição: que não me envolvessem em algo que pudesse ameaçar a vida de Fidel e Raúl (atual presidente de Cuba).
Juanita - Não sei se era pela juventude, pela falta de experiência. Simplesmente não me segurava para fazer as coisas que achava certas por medo ou coisa assim. Fazia com a maior naturalidade possível.
Juanita - É difícil falar sobre isso. Seria especular demais. Os líderes da revolução não aceitavam ser contrariados, jamais. Dentro da família, então, mais ainda. Tínhamos que calar a boca e sofrer. Realmente, meu caráter não permitia isso. Não aceitava o que estava acontecendo. Corria riscos, mas fazia. Tinha que fazer.
Juanita - Sim. Com Raúl, foi em 1964, quando ele me disse que era melhor eu sair do país. Com Fidel, não falo desde 6 de agosto de 1963, quando mamãe morreu de ataque cardíaco fulminante, em minha casa. Ele chegou com todo o seu Estado-Maior e veio com um ar de interrogatório sobre o que tinha acontecido. Achei isso fora de lugar e começamos a discutir. Depois, pedi a ele que ajudasse a trazer do México nossa irmã Enma, para o funeral. Fidel respondeu: "De maneira nenhuma. Isso seria um privilégio". Foi uma coisa muito demagógica. Se um colega da revolução precisasse dele para ir a Cuba, ele faria de tudo. Aí eu lhe disse: "Olha, não tenho mais nada para falar com você". E nunca mais nos falamos.
Juanita - Cumpri meu dever de cubana. Queria que o país fosse livre, democrático. Da mesma forma que lutei contra Batista, combati a ditadura da revolução. Seria imoral não fazer nada. Fidel perdeu o rumo da revolução. Seus ideais foram distorcidos. Sempre disse que nós, cubanos, fomos traídos duas vezes. Primeiro por Fidel, que seguiu um caminho equivocado. E, depois, pelos Estados Unidos, que não ajudavam em nada nosso povo. Sei que são duas situações diferentes, mas no fim dava no mesmo para a população.
Juanita - Sinceramente, nunca pensei nisso. Quanto à doença de Fidel, é possível que Lula saiba mais do que eu. Pelo menos ele o viu recentemente.
Juanita - Pessoalmente gosto muito do presidente Lula. Creio que ele chegou aonde ninguém esperava que chegasse e está fazendo um grande serviço para o Brasil. Do ponto de vista político, e aí falo de Cuba, acredito que a maioria dos países da América Latina que nos havia dado as costas voltou a se interessar por Havana por questões estritamente comerciais. Nessa situação parece estar o Brasil.
Juanita - Nada ocorre antes da hora certa. Não houve uma razão objetiva. Simplesmente cheguei para María Antonieta em janeiro deste ano e lhe disse que havia decidido contar ali, nem um minuto a mais nem a menos. Eu devia esse livro a meu país.