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domingo, 1 de novembro de 2009

Irlandês, católico, estrela de desporto viril e homossexual



por ANTÓNIO PEDRO PEREIRA01 Novembro 2009

Irlandês, católico, estrela de desporto viril e homossexual

Donal Óg Cusack abriu livro da sua vida: "Sou 'gay'." Acto generoso numa actividade fechada (desporto, no caso 'hurling') e num país em que as práticas católicas ainda são das mais conservadoras

Bem pode a Irlanda alardear que são tempos de modernidade, como fez uma colunista do Irish Times; mas a questão é bem mais profunda e polémica, como se viu pela reacção antagónica do próprio pai de Dónal Óg Cusack, a estrela do viril hurling que, há dias, na sua biografia, anunciou uma bomba atómica num país severamente católico: é homossexual.

Dónal Óg é guarda-redes de uma das principais equipas do hurling irlandês (o Cloyne, no irredutível condado de Cork). É um desporto duro, que se joga de stick na mão, com severo contacto físico e que vem dos primórdios do país (mais uma influência celta). Toda uma tradição num país católico que não se abre muito à modernidade no que toca à religião. Imagine-se o choque que uma destas notícias provoca. "É um grande passo em frente para a sociedade irlandesa", escreveu um colunista do IrishCentral.com. "Mas a família não o está a tornar mais fácil", contextualizou Kenneth Haynes.

A mãe, Bonnie Cusack, tem aquele instinto muito próprio das progenitoras. "Não via raparigas por perto e tinha aquele instinto maternal desde os seus 16 anos", comentou registando que já o sabia antes de em 2005 Dónal Óg o ter comunicado à família (pondo fim aos rumores que se levantavam ainda numa esfera mais íntima). O problema é o pai: "Nós apoiámo-lo, mas o pai tem sentido coisas muito contraditórias." Ou seja, em aceitar, ou seja, até a família se divide um pouco.

A meio do mês que acabou ontem, nasceu "um novo herói dos direitos cívicos" (já lho chamaram). O gatilho foi a autobiografia Come What May (qualquer coisa como "Sou o que sou" ou "Tornei-me no que sou"), editada pela Penguin Ireland. "Quando tinha 13 ou 14 anos senti que era ligeiramente diferente", escreveu Dónal Óg Cusack, um dos desportistas mais estimados da Irlanda. "Tentei sair com mulheres, mas era dos homens que eu recebia mais."

Um homem do hurling, desporto rude de homens duros. "O meu pai diz que é um homem do mundo, que trabalhou dez anos em Londres. Mas tem 63 anos e, bem, pensou que se tivesse um filho assim ele se vestiria de forma diferente", disse Dónal. "Eles todos têm maxilares quadrados. Tu não tens. Tu estás no hurling. Sabes de que precisamos para lidar com isto? Tu precisas de ser reparado."

Por tudo isto, o hurling irlandês jamais será o mesmo. Isso é certo. Já não é só um desporto tradicional em que os mitos se fazem no relvado, de geração em geração: há uns anos, Ger Cunningham, o seu ídolo e anterior guarda-redes do Cloyne, tinha-lhe deixado um cartão no balneário, a marcar a passagem do testemunho: "Para o número 1 [número tradicional do guarda-redes também no hurling]. Mantém os olhos na bola."

Entre a coragem da afirmação e o medo da diferença, Dónal, de 32 anos, terá de manter os olhos na bola, dentro dos relvados. Ou na mudança, fora deles: "É uma figura dinâmica e podia ser fundamental como dirigente para o hurling de Cork na federação", defendeu o mítico ex-treinador Billy Morgan, que orientou Dónal Óg até 2007.

E se Dónal se encontrou, o hurling jamais será o mesmo.

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