Orlando Margarido
Direto de Gramado
Em 1974, Walmor Chagas chocava Gramado e o Brasil dos militares com um nu frontal no filme Um Homem Célebre, que Miguel Faria Jr. adaptou do conto de Machado de Assis. Ficou o choque, a polêmica, mas a fita não levou o Kikito no Festival de Cinema de Gramado e ainda teve a cena tão provocadora retalhada pela censura. Ainda hoje, raramente exibido, é difícil encontrar uma cópia com a nudez de Walmor.
Homenageado da 36ª edição do festival, o ator relembra a passagem como prova de que sua geração foi sufocada no cinema, não só pela censura e pelas dificuldades econômicas, mas principalmente pelo poderio de Hollywood.
Ele se queixa do passado, mas não pelas razões de seus colegas e cineastas brasileiros atuais, que querem espaço para exibir seus filmes no circuito de cinema cada vez mais tomado pelas grandes produções americanas. Walmor lamenta que poderia ter feito muito mais cinema do que fez, especialmente depois de ter sentido a vocação e o chamado da telona com o primeiro papel, em São Paulo S/A (1965), de Luís Sérgio Person.
"A partir dali, acreditei que seria um ator só de cinema, viveria disso", lembra. "Mas não apareceram mais convites, e continuei morrendo de fome entre o teatro e a TV."
Na noite de terça-feira, quando for homenageado com o Troféu Oscarito, um prêmio especial de carreira concedido pelo festival, Walmor quer ser lembrado pelo papel marcante de sua carreira, o do jovem ambicioso que tenta prosperar na selva urbana de São Paulo.
"Foi um presente esse personagem que o Person me deu, nunca mais tive um momento tão forte como aquele". Ou quase. Ele fala também com o mesmo carinho de Valsa para Bruno Stein, o filme de Paulo Nascimento lançado este ano em que teve a chance de viver um raro papel para sua idade no cinema. Walmor está com 76 anos e vê com desconfiança iniciativas como esta homenagem. "É uma situação esquisita para o artista, pois é ser lembrado pelo que ele não fez no passado em vez de ser lembrado pelo que faz no presente."
De qualquer forma, diz que falará do orgulho de receber o troféu do festival que o premiou como melhor ator em Asa Branca junto com Luz Del Fuego, ambos de 1982. Mas o que ele quer lembrar mesmo é da importância de São Paulo S/A em sua carreira.
"Imagine o que era para um ingênuo ator ir ao Festival de Acapulco e receber a atenção de Luis Buñuel (cineasta espanhol), que me ensinou a tomar cerveja com sal na lata; acreditei mesmo naquele glamour todo."
Para ele, esse encontro foi até mais importante do que o prêmio para o filme de Person no tradicional Festival de Cinema de Pesaro, na Itália, outra razão para Walmor estar aqui agora. Poucos anos depois, o mesmo festival premiaria o cineasta brasileiro Julio Bressane e este encontraria o cineasta cubano Julio Garcia Espinosa, outro nome laureado da mostra. Pois Bressane e Espinosa recebem seus respectivos Kikitos especiais nas próximas quarta e sexta-feira.
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