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sábado, 30 de agosto de 2008

PF acobertou dirigente do PT, dizem documentos


A Polícia Federal informou ao Supremo que não pôde grampear Romênio Pereira, secretário nacional do partido, porque não tinha seus números de telefone. Documentos obtidos por ÉPOCA desmentem essa explicação
Rodrigo Rangel e Murilo Ramos
Ed Ferreira
A Justiça autorizou grampo no telefone de Romênio Pereira, mas a PF disse não ter condições de fazê-lo

Acostumada a ganhar manchetes em suas operações anticorrupção, desta vez a Polícia Federal é colocada sob a suspeita de acobertar um alto dirigente do PT, o partido do governo.

Na quinta-feira passada, ÉPOCA revelou como Romênio Pereira, secretário nacional de assuntos institucionais do partido, caiu na malha da Operação João-de-Barro, que desarticulou um grupo investigado por desviar dinheiro das obras do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento.

A PF alegou "razões técnicas" para deixar de realizar grampos no ramal telefonico de Romênio na sede nacional do PT, embora tivesse autorização do ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal.

Novos documentos obtidos por ÉPOCA mostram que os policiais possuíam outros números de telefone do dirigente do PT, mas que nem sequer solicitaram autorização para grampeá-los. Conforme relatórios da própria investigação, a PF teve acesso aos números dos celulares de Romênio e mesmo ao telefone de sua residência, em Belo Horizonte.

Numa investigação sobre corrupção, tráfico de influência e troca de favores, os grampos nos telefones de Romênio poderiam ser de grande utilidade para esclarecer as conexões do esquema. Mas os números do petista foram simplesmente ignorados. Pior: em relatório encaminhado ao ministro Cezar Peluso, os delegados alegam que não podiam realizar outras interceptações porque não conheciam outros números dos dirigentes do PT. Os documentos, agora, provam que isso não é verdade.

Romênio fora flagrado em grampos feitos pela PF nos telefones do lobista mineiro João Carlos Carvalho, apontado pela própria polícia como um dos chefes do esquema. As conversas, freqüentes, eram heterodoxas e colocavam sob suspeita a relação de um alto dirigente do PT com o homem acusado de gerenciar um megaesquema de desvio de verbas públicas do PAC, o principal programa de obras do governo federal. Nas conversas, Romênio demonstrava defender interesses de João Carvalho em Brasília. Mas era preciso grampear também o petista para descobrir com quem ele falava, no governo, para atender os pedidos do lobista.


A operação João-de-Barro, deflagrada em junho, mobilizou uma imensa força policial, que realizou diversas prisões dezenas de cidades brasileiras. Gabinetes parlamentares, em Brasilia, foram alvo de operações de busca e apreensão. O lobista João Carvalho, o contato de Romênio, foi preso. O petista não foi incomodado – e seu envolvimento com Carvalho permaneceu em segredo até ser revelado por ÉPOCA, na semana passada.

Em relatório enviado ao ministro Peluso em 5 de maio, a PF primeiro explica por que não cumpriu a ordem de grampear o ramal de Romênio na sede do PT. Alega que não poderia fazer a interceptação sem ouvir "diálogos de outros integrantes da Executiva Nacional do Partido dos Trabalhadores, ato que não traria benefícios à investigação". É um cuidado louvável mas estranho, pois o risco de ouvir vozes não autorizadas é um problema insolúvel em todo grampo telefônico – e não há notícia de que a PF tenha desistido de outras interceptações por esta razão.

Mesmo assim, seria razoável questionar: sem condições de avançar naquele grampo autorizado, por que a Polícia Federal não pediu autorização para grampear os outros números de Romênio?

No mesmo documento os delegados afirmam: "não logramos encontrar aparelho de telefonia móvel que esteja sendo utilizado pelo investigado, o que torna esse meio de investigação, por ora, inviabilizado". Os documentos desmentem em cheio a afirmativa.

Em 25 de abril, dez dias antes de os delegados assinarem o relatório e encaminhá-lo ao ministro, o número de um dos celulares de Romênio chega a ser ditado, em alto e bom som, numa ligação da secretária de Romênio, Regina, para a secretária do lobista João Carvalho, Tamires. O grampo estava funcionando a pleno vapor nos telefones de Carvalho, e o diálogo foi capturado pela PF. Regina dá o número do celular de Romênio, com DDD de Brasília. A secretária até repete para não errar. O diálogo é transposto para o papel. Dez dias antes de a PF dizer ao ministro do Supremo que não conseguiu achar o celular do petista, ali estava, à disposição dos investigadores, o número de um dos celulares utilizados pelo dirigente petista.

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A Polícia Federal diz que não tinha nenhum celular de Romênio para efetuar a escuta autorizada pelo Supremo. Em transcrição de ligação grampeada no escritório do lobista João Carvalho

É possível imaginar que o problema tivesse sido causado por uma dificuldade comum nas operações de grampo – o diálogo até foi gravado, mas poderia ter demorado tanto para ser transcrito que a informação só chegou aos policiais interesssados quando já era tarde demais. Mas os documentos também desmentem essa hipótese: antes mesmo de encaminhar o pedido para que o ministro Peluso autorizasse a escuta nunca realizada no ramal do PT, a Polícia Federal já tinha conhecimento de outros números usados por Romênio Pereira em suas conversas suspeitas.




Um deles é o telefone da casa de Romênio, em Belo Horizonte – que, aliás, está registrado em nome do próprio petista. Como os telefones de Carvalho estavam grampeados pela PF, os números de quem falava com ele eram identificados pelo sistema de escuta. E foi assim que, em 27 de julho de 2007, o telefone residencial de Romênio ficou registrado na base de dados da investigação.

O relatório da PF ao ministro do Supremo vai se tornando mais controverso à medida que vão aparecendo mais transcrições de conversas da dupla. Nos diálogos de Romênio com Carvalho, gravados pelo grampo no telefone do lobista, o petista utiliza mais dois números de telefone celular, ambos de Brasília.

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Nos documentos da própria PF, há pelo menos mais três números de telefone de Romênio Pereira

Ou seja: quando mandou o documento para o ministro do Supremo afirmando não ter conseguido identificar os outros números do petista, só nos seus próprios arquivos, a PF já tinha o telefone da casa de Romênio e pelo menos mais três números de celulares usados por ele.

Na PF, nenhum dos responsáveis pela investigação quis dar declarações sobre o assunto, sob o argumento de que a investigação corre em segredo de justiça. A direção da instituição, por sua assessoria de imprensa, nega que tenha sofrido pressão política para proteger o dirigente do partido do governo. Procurada por ÉPOCA, afirmou que os celulares não estavam em nome de Romênio e que, por isso, os encarregados do caso decidiram não grampeá-lo.

A explicação, por si, já soa estranha. É como dar chance ao investigado – não apenas Romênio, mas qualquer um, incluindo narcotraficantes, sonegadores e contrabandistas – de driblar o grampo com a simples estratégia de falar apenas em telefones registrados em nome de terceiros.

A PF afirma, ainda, que Romênio não era parte do grupo investigado, e que só foi identificado "no final da investigação".

É outra explicação que os documentos obtidos por ÉPOCA desmentem. Em junho de 2007, um ano antes de a operação ser deflagrada, o nome de Romênio já aparecia em relatórios produzidos pela PF, devidamente identificado como dirigente do PT. Ali os policiais já suspeitavam da relação entre os dois. "JC [o lobista] recorre a Romênio para ser apresentado em órgãos públicos e eventualmente solicitar influência em nomeações para cargos", escreve a PF num relatório de julho.

Romênio Pereira, mineiro de Patos de Minas, é um petista de longa data. Já ocupou diferentes cargos na hierarquia partidária. Seu último posto, o de secretário nacional de assuntos institucionais, dava-lhe a atribuição de organizar o partido nos municípios e de fazer a ponte com prefeitos petistas de todo o país. Irmão do deputado federal Geraldo Magela (PT-DF),Romênio integra, dentro do tabuleiro interno PT, uma tendência próxima à do ministro da Justiça, Tarso Genro, e do presidente da Câmara de Deputados, Arlindo Chinaglia. A atribuição e o cargo lhe garantem trânsito certo nas altas repartições do governo em Brasília. Sua agenda indica reuniões com ministros e integrantes do segundo escalão da Esplanada dos Ministérios. E foi justamente essa facilidade de acesso que o pôs sob suspeita na Operação João-de-Barro.

No começo, ao ouvir o lobista João Carvalho, a PF deparou com conversas entre ele e Romênio. Depois, os policiais foram percebendo que essas conversas eram freqüentes – e viram que a relação entre os dois parecia ser mais que uma amizade. De junho a novembro de 2007, os dois se encontraram pelo menos sete vezes. Nos contatos por telefone com Carvalho, Romênio se mostra precavido. Evita entrar em detalhes, mas demonstra atender as solicitações do lobista para abrir portas no governo. Segundo a PF, João Carvalho é um dos cabeças de uma quadrilha envolvida com desvio de verbas do PAC destinadas a 119 prefeituras de sete estados. No rol de investigados há empresários, prefeitos e deputados federais. Somados, os repasses a esses municípios chegam a R$ 700 milhões. Semana passada, após a notícia de que está sob investigação, Romênio pediu afastamento da direção do PT por 60 dias. Procurado por ÉPOCA nesta quarta-feira (27), o petista não retornou as ligações. João Carvalho não foi localizado.

Ouça diálogos do petista com o lobista

"Tá andando bem o negócio dele, né?"
Romênio Pereira diz ter boas notícias para lobista

"Eu ia falar pra gente fazer uma farra amanhã"
Petista combina de encontrar lobista em Belo Horizonte: detalhes, só pessoalmente

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