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terça-feira, 26 de agosto de 2008

Entenda o conflito na Raposa/Serra do Sol





Em Roraima, a questão da reserva Raposa/Serra do Sol está na boca do povo
Carolina Juliano
Enviada Especial do UOL
Em Pacaraima (Roraima)

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O Brasil tomou conhecimento há muito pouco tempo de que existe um conflito de terras que envolve indígenas nativos da região e não-índios que ocupam irregularmente as suas terras, homologadas como reserva indígena pelo governo federal, em 2005.

O problema da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol, no entanto, já se arrasta por décadas e quando resolvemos ir ver de perto o que realmente acontece naquelas terras no extremo norte do Estado de Roraima não é difícil entender por que o país sabe delas há tão pouco tempo. Aquele pedaço de Brasil não parece Brasil para quem vem do Sudeste e se hoje desperta interesse na mídia é porque virou uma questão nacional, que envolve decisão do Executivo e contestação do Judiciário.



Tive sorte ao pegar no telefone em Boa Vista, capital de Roraima, e tentar contatar Dionito José de Souza, o líder indígena que está mais por dentro da situação da homologação da Raposa/Serra do Sol. "Estou indo agora para aquela região, vou para a reserva." Depois de uma pequena insistência da minha parte, ele concordou em me levar de carona. Só pediu que eu contribuísse com alguma quantia para pagar o combustível porque para me deixar depois em Pacaraima teriam que desviar o caminho e percorrer mais 60 km. Aceitei sem pensar.

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Esse pedaço de Brasil que aos olhos do Sudeste não parece Brasil é, pensando melhor, um pedaço que melhor retrata o que o Brasil é de fato, ou deveria ser. As cinco etnias de índios que habitam a reserva Raposa/Serra do Sol não estão só confinados na porção de 1,7 milhão de hectares homologada por decreto do presidente Lula. Eles estão espalhados pelo Estado, a cara do povo de Roraima é curtida de sol, tem olhos puxados e cabelos negros.

E, ao contrário do que ocorre no resto do país, a questão da Raposa/Serra do Sol e a proximidade da quarta-feira, quando o Supremo Tribunal Federal vai julgar ações que contestam a homologação das terras da reserva, são assuntos sabidos e discutidos em Roraima tal como o capítulo da novela das oito (que aqui entra no ar mesmo às 20h, por causa do fuso horário).

"Quarta-feira é o dia 'D'. O Supremo decide lá em Brasília e aí quero ver como é que o homem vai se virar por aqui". "A coisa tá feia, né?". "Será que desta fez vai ter quebra-pau?". Na última parada, em Manaus, antes de chegar a Boa Vista, em Roraima, três ou quatro empresários aproveitam a parada para esticar as pernas caminhando pelo boeing da Gol. O assunto da rodinha é como o empresário e líder dos arrozeiros, Paulo César Quartiero, vai reagir caso o Supremo Tribunal Federal julgue improcedente as ações que contestam a homologação da Terra Indígena da Raposa/Serra do Sol.

"A senhora veio de São Paulo? É a primeira vez em Boa Vista?", pergunta o taxista que as 2h da madrugada aguarda para transportar passageiros que chegam à capital de Roraima "no vôo da noite". "E veio por causa da Raposa, não é?"



No Hotel Itamaraty, um único funcionário está de plantão à espera do hóspede que vem do sul "no vôo da noite". "Por favor, sei que é tarde, mas preciso que preencha a ficha". Profissão: jornalista. "A senhora vai fazer algum trabalho aqui? Estou perguntando porque li aí a sua profissão e pensei que deve ter vindo por causa da Raposa, né não?"

No Estado de Roraima a questão das terras da Raposa/Serra do Sol está mesmo na boca do povo. De Boa Vista até a cidade de Pacaraima são 2h30 de viagem pela BR-174. Em um quiosque de palha próximo ao quilômetro 100, o atendente também fala no assunto. "Tem muita gente passando por aqui, gente que não costuma passar. É por causa da Raposa."

"É a senhora que veio de São Paulo? Tenho aqui a sua reserva", diz Fausto, atendende do pequeno Hotel Pacaraima, situado ao lado da rodoviária e a menos de um quilômetro da fronteira com a Venezuela. "Veio por causa da Raposa, né?" Quando questiono como é que todo mundo está tão a par do que se passa ali, ele responde sem pensar que é uma questão importante. "Da outra vez teve muito barulho, muita violência. Com arrozeiro ou sem arrozeiro, é uma questão que envolve todos nós."

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