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Eles sitiaram a Casa do Índio, fizeram 30 funcionários reféns e ameaçam radicalizar.
Lideranças indígenas das várias nações acreanas e do Sul do Amazonas retomaram os protestos que provocaram a invasão da sede da Funasa – Fundação Nacional de Saúde no final do ano passado e, desta vez, investiram contra o Chefe do Distrito Sanitário Especial Indígena – DISEI – Purus, Raimundo Alves Costa, e o fizeram refém, juntamente com outros 30 funcionários da Casa do Índio – CASAI. O protesto, desencadeado na tarde desta quarta-feira, é uma continuidade de uma outra manifestação com os mesmos objetivos, desencadeada há cerca de 80 dias e que fez refém José Carlos Pereira Lira, diretor da FUNASA – Fundação Nacional de Saúde. Com rostos e corpos pintados “para a guerra”, como manda a tradição, eles sitiaram a Casa do Índio e, a exemplo do protesto anterior, prometem liberar os reféns “só quando nossas reivindicações forem atendidas”.
As reclamações são as mesmas de antes. Os índios alegam que parentes deles estão morrendo por falta de assistência médica, faltam remédios e médicos naquela casa de apoio, e que verbas estariam sendo desviadas, deixando sem assistência 174 índios – na maioria mulheres e crianças - que estão internados na Casa do Índio à espera de tratamento médico. Segundo as lideranças, em suas aldeias, estão faltando também canoas, motores de popa, combustíveis para transporte de pessoas doentes e assistência médica nas comunidades.
“Verba tem, mas ela não está sendo destinada a nós. Falta remédio e muitas outras coisas, mas o dinheiro só está servindo para pagar o caixão de volta de nossos parentes que estão morrendo à míngua de volta para as nossas aldeias”. – desabafa Francisco Siqueira, da etnia Apolina Arara, um dos líderes do movimento. “Queremos Saúde de qualidade. O que está acontecendo com a gente é uma humilhação”, completa.
Melhorias parciais, impasse total
O líder indígena, Francisco Siqueira diz que o protesto que fizeram na Funasa, no final de 2010, pouco ou quase nada apresentou de resultados positivos. Segundo ele, melhorou a comida, embora a alimentação fornecida na Casa do Índio não leve em conta os costumes e tradições indígenas (carne de gado e frango, por exemplo, não integram o cardápio deles), e que foram fornecidos colchões, mosquiteiros, cobertores, mas no atendimento médico, os problemas persistem. Na Casa do Índio, trabalham seis enfermeiros, 15 técnicos de enfermagem, apenas um médico especialista em Clínica Geral, além do pessoal de apoio.
Não existe dentista “uma obrigação não cumprida”, e que Raimundo Costa reconhece. Estes dados são confirmados por Adriel Lima Guimarães, presidente da Comissão em Prol da Saúde Indígena, que faz a intermediação entre índios e gestores públicos no processo de transferência da questão indígena da alçada da Funasa para a Secretaria Especial de Saúde Indígena SESAI, órgão ligado ao Ministério da Saúde e chefiado por Antônio Alves, representante ministerial que as lideranças indígenas exigiram que viesse ao Acre para intermediar o conflito.
Adriel é também membro do MIU – Movimento Indígena Unificado, que é integrado também por pessoas não índias. Aldenira Cunha, irmã da sindicalista Almerinda Cunha, ex-presidente do Sinteac – Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Acre, é uma delas e afirma que foi surpreendida pela deflagração do protesto no início da tarde de ontem, no momento em que os membros da comissão negociavam com representantes do Ministério Público Federal (MPF) uma intervenção na questão. “Fomos surpreendidos” revela Aldenira.
Funcionários da Casa do Índio não dão as costas a Raimundo Costa
O protesto na Casa do Índio foi o principal assunto discutido durante toda a quarta-feira com a secretária estadual de Saúde, Suely Melo, e a coordenação política do governo. O Ministério Público Federal (MPF) e até entidades de defesa dos direitos humanos foram chamadas para auxiliar nas negociações que pudessem por fim ao estado de sítio em vigor na única casa de passagem e apoio às comunidades indígenas existente em Rio Branco.
É para ela que convergem pessoas das diversas comunidades nativas espalhadas pelo território acreano em busca de atendimento médico. Indagado pela reportagem a razão que teria impedido as comunidades indígenas de participar de uma audiência com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, em visita oficial feita a Rio Branco na semana passada, Francisco Siqueira diz que eles enviaram ofício prévio solicitando a audiência, mas ela acabou não acontecendo. “O ministro nos driblou”, justifica. Zezinho Ninawa, outra liderança diz que se as reivindicações não forem atendidas eles irão radicalizar.
“É um dever nosso como membros do movimento indígena, sair em defesa do nosso povo. O que ocorre é revoltante e a gente já não sabe mais a quem recorrer” – desabafa. Segundo Raimundo Costa, estão sendo buscadas soluções para pôr fim ao impasse. Ele se diz tranqüilo e afirma ter o apoio dos subordinados. “Eles estarão comigo enquanto perdurar o impasse”, acredita.
Números temerosos
A Casa do Índio foi inaugurada em julho de 1992 durante os governos do ex-presidente Fernando Collor de Mello e do então governador Romildo Magalhães. Às vezes confundida como sendo uma unidade de saúde pela própria comunidade indígena, a instituição foi criada, no entanto, para servir de casa de apoio ara que pessoas doentes que tivessem que se deslocar para Rio Branco em busca de tratamento, obtivessem abrigo e apoio governamental enquanto permanecessem na capital em tratamento médico.
Passados 18 anos, a instituição vive uma crise que a criação da Secretaria Especial dos Povos Indígenas, na gestão do ex-governador Jorge Viana (PT) parece não ter conseguido resolver. A pasta perdeu status nos governos posteriores e hoje é uma secretaria especial temática.
Adriel Guimarães disse à reportagem que o atual Hospital das Clínicas (HC) (antiga Fundhacre) tem um compromisso de realizar cerca de 400 cirurgias e sete mil atendimentos ambulatoriais destinados exclusivamente a pacientes indígenas. No entanto, ele garante que nestes últimos três meses um número insignificante de atendimentos ambulatoriais e apenas três cirurgias em pacientes indígenas foram realizados. Segundo ele, cerca de 15 pacientes a cada mês ficam aguardando serem operados. Para cumprir esta tarefa, segundo Guimarães, o HC recebe verbas por meio do programa IAE-PI – Incentivo de Atenção Especial aos Povos Indígenas.
Entre os meses de outubro do ano passado e março deste ano, o HC disporá de R$ 640 mil para esta finalidade. Em nível municipal a verba repassada pelo Ministério da Saúde às prefeituras é ainda maior: R$ 1,3 milhão destinados à aquisição de máquinas, equipamentos e demais insumos. A Funasa, por sua vez, trabalha com cerca de R$ 8 milhões para serem gastos com as comunidades indígenas do Alto Purus e Alto Juruá, além de R$ 200 mil para promover encontros trimestrais para debater metas e ações voltadas às questões indígenas. “Mas houve apenas uma tentativa de realização de um encontro no final do ano passado”, denuncia.
“A questão é política”, diz secretária
Apesar disso, Suley Melo pediu prazo para repactuar assistência médica a indígenas.
A secretária estadual de Saúde, Suely Melo, disse à reportagem que o governo precisa de um prazo para repactuar a Portaria 1.1001/2002, que definiu as responsabilidades do governo em relação à questão. “Houve alguns equívocos que precisam ser corrigidos”, explica. Suley Melo afirma não entender a razão pela qual pela manhã de ontem não haver protestos das lideranças quanto aos acontecimentos na Casa do Índio e à tarde a ocupação ter sido desencadeada. “Há interesses escusos por trás disso e objetivos políticos. Nós tratamos o problema como uma questão de gestão de governo”, opina. A secretária diz que o governo assumiu há apenas 20 dias e que pediu uma trégua até o final deste mês para apresentar soluções. “É preciso fazer um diagnóstico das cirurgias e atendimentos ambulatoriais reprimidos. Suely Melo disse ainda que equipes itinerantes de saúde estiveram na Casa do Índio na manhã desta quarta-feira levando aparelhos de eletrocardiograma, ultra-sonografia e instrumentos e materiais para exames de análises clínicas.
Os casos mais complexos foram encaminhados ao Hospital das Clínicas. No entanto, quando soube da intenção das lideranças indígenas que pretendiam sitiar a Casa dos Índios, ela chamou as equipes de volta. “Quero ser respeitada por estas comunidades assim como às respeito. O governo está fazendo a sua parte, mas esta atitude certamente tem por trás interesses políticos”, revela. Para embasar as suas suspeitas, segundo a secretária, as equipes itinerantes que estiveram na Casa do Índio receberam a denúncia de que uma senhora portadora de câncer em fase terminal estaria abandonada na instituição. A paciente, no entanto, não foi identificada.
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