- Medida Provisória indecorosa para tornar viável o inviável: o trem-bala;
- compra de 49% das ações de um banco quebrado;
- plano para controlar os meios de comunicação — que “eles” chamam mídia;
- vexame continuado no Enem, barafunda a que se submetem milhões de secundaristas;
- penca de irregularidades, apontadas pelo TCU, em obras tocadas pelo governo federal;
- tentativa de voltar a enfiar a mão no bolso dos contribuintes para supostamente financiar a saúde, aumentando a carga tributária…
Para que serve, afinal de contas, a oposição se não for para vigiar o governo; para obrigá-lo a se explicar; para lembrar aos adversários e à população os fundamentos da lei, de que sempre se esquecem aqueles que se inebriam com o poder — no Brasil e em qualquer país do mundo —; para apresentar alternativas àquelas tidas como corretas pelos donos de turno do poder? Essas ações legitimam as oposições no mundo inteiro, e é assim que atuam. E ambas, maioria e minoria, legitimam o regime democrático. Tal fundamento pode estar em risco no país.
A oposição no Congresso está bastante desmilingüida, embora, na eleição presidencial, tenha recebido 44 milhões de votos, fazendo o governo de 10 estados, onde estão 52% da população e bem mais da metade do PIB do país. Com alguma articulação, poderia estar se preparando para ocupar o céu; em vez disso, corre o risco de mergulhar de vez nos infernos. O PSDB, apesar da movimentação inicial de Aécio Neves, está em compasso de espera. Sozinho, não vai fazer verão. Quem vive o auge do rebuliço é o DEM, o partido que, com efeito, mais sofreu perdas na era Lula. Já está noticiada em todo canto a movimentação do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, que estaria de malas prontas para se mudar para o PMDB. Outros o seguiriam. Há quem defenda nada menos do que a fusão dos dois partidos — ou, para ser mais exato, a deglutição do DEM pelo PMDB.
Circunstâncias
Há nisso tudo muito de circunstância. Kassab, e não só ele, está batendo de frente com parte da direção do DEM, especialmente com o presidente da legenda, deputado Rodrigo Maia (RJ). Ontem, no Twitter, o deputado Ronaldo Caiado (GO) saiu atirando: “Se o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, quer mudar de mala e cuia para o PMDB, que vá. DEM não vai pedir o mandato de fisiológico”. Isso dá conta da temperatura interna. E é evidente que não se fala assim com um aliado quando se quer entendimento.
Kassab tem motivos pessoais para se mexer? Tem, sim! Ele encerra seu mandato em 2012. Serra eleito, dava-se como certo que poderia ser nomeado para algum ministério. Sem essa possibilidade, ficaria dois anos sem mandato, já que não pode concorrer à reeleição. Considera-se praticamente impossível que o PSDB abra mão de ter um candidato à Prefeitura de São Paulo; vale dizer: ele teria dificuldades para fazer seu sucessor. Em 2014, se Geraldo Alckmin não tentar vôo maior — muita água ainda passará debaixo da ponte até lá —, será candidato à própria sucessão. O PMDB seria uma alternativa para Kassab tentar o Palácio dos Bandeirantes.
Há outras questões relevantes. Em muitos estados, a relação dos democratas com o PMDB é muito mais fácil do que com o PSDB. O corte local dos partidos nem sempre reproduz o nacional. Quanto a esse particular, uma eventual fusão com o “partidão” seria menos difícil do que parece à primeira vista. Então qual é o problema? Bem, o problema é que as lideranças democratas, vejam vocês, passariam da oposição para a base de apoio ao governo Dilma.
Há muitos PMDBs, mas…
É bem verdade que há muitos PMDBs. Os de Pernambuco, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, por exemplo, pendem mais para a oposição. O de São Paulo, sob a liderança de Orestes Quércia, também. Mas Michel Temer, o vice eleito, passou a ter agora grande vulto na legenda. O eventual ingresso de Kassab no PMDB paulista faria dele, sem dúvida, um governista. Realizada essa operação, Lula poderia se dar por satisfeito: teria conseguido, conforme o prometido, “extirpar” o DEM da política — ou reduzido a legenda à extrema irrelevância.
Essa eventual fusão — e a gente custa a crer que possa acontecer, mas o debate está na rua — seria desastrosa para as oposições, para a democracia e para o país. Já posso até antever os “colunistas progressistas” a saudar o esmagamento do “partido reacionário” e outras bobagens. PSDB e PPS ficariam, então, isolados na oposição organizada ao governo Lula, certamente buscando falar aquela “linguagem propositiva” para não ser acusado de radicalismo ou qualquer bobagem do gênero.
Por que é ruim para a democracia? Porque a alternância de poder tem de ser uma possibilidade presente nos regimes democráticos, ainda que a população decida pela continuidade. Por que é ruim para o país? Porque cai, obviamente, a vigilância sobre os atos do Executivo. Quando mais raquítica for a oposição, menor a possibilidade de que o malfeito seja denunciado e corrigido. Se o debate sobre a eventual fusão entre DEM e PSDB já não me agradava muito porque acredito que é importante haver um partido robusto de centro-direita (curiosamente, esse é o perfil do eleitorado brasileiro), este outro, sobre a eventual fusão com o PMDB, é melancólico.
Não! Eu não acho que lideranças democratas, oposicionistas até ontem, tornaram-se governistas hoje. Não houve nem mesmo tempo para Dilma Rousseff seduzir os adversários, embora ela vá tentar, é claro! Além das dificuldades que o partido vislumbra, certamente está em curso uma gestão desastrosa da crise interna.
O melhor
O melhor para a democracia, para o país e para a oposição é que esse movimento seja parte de um confronto interno que resulte na permanência de Kassab no partido, numa função compatível com sua importância na legenda. Eu duvido que ele possa levar a sério a possibilidade de ser, por exemplo, o candidato “do Planalto” ao governo de São Paulo em 2014. O PT não repetirá nunca mais o “evento Minas”.
Digamos que essa deglutição se efetivasse. A “máquina” avançaria em seguida para o PSDB. No melhor do pior dos mundos, seriam todos sócios do poder, hipótese em que, estão, poderiam dizer em coro: “Já que estamos todos juntos, só nos resta lutar contra o povo”. Aliás, aquela lista de problemas que abre este texto não deixa ser isto: uma luta contra o povo — sem que haja ânimo para a denúncia.
E só para encerrar com um exercício de futurologia: já ouvi certa mandracaria, segundo a qual o fortalecimento do PMDB enfraquece o PT, abre uma crise entre os sócios e vai minando o partido para 2014. Ora… Então é preciso combinar primeiro com os russos. A tese ignora a força do petismo no aparelho de estado, no aparelho sindical e nas estatais. E ignora ainda o fato de que sempre haverá “a voz” que une a tropa e a convoca para a guerra.
Que o DEM se reestruture para honrar os votos de oposição que recebeu. Com raras exceções, as urnas punem severamente os trânsfugas. O partido precisa é se rearranjar, não se autodestruir.
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