Por Nathalia Passarinho, do G1, em Seul. Comento em seguida:
A presidente eleita Dilma Rousseff criticou nesta quinta-feira (11), em Seul, a política monetária dos Estados Unidos. Segundo ela, a desvalorização do dólar frente às outras moedas é uma questão “grave” para todos os países. Questionada se a medida do Federal Reserve (Banco Central norte-americano) de adquirir US$ 600 bilhões em títulos seria uma “desvalorização disfarçada”, Dilma concordou. Ela afirmou que a decisão dos EUA de injetar dólares na economia gera um “protecionismo camuflado” por parte das outras nações “como forma de se proteger”.
A presidente eleita chegou na Coreia do Sul na quarta (10) para participar das reuniões do G20 ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Há uma questão que eu acho que é grave para o mundo inteiro, que é o problema da política do dólar fraco. Essa é uma questão que sempre causou problema. Faz com que o ajuste americano fique na conta das outras economias”, disse.
Queda do dólar
Dilma manifestou preocupação com a valorização do real e disse que será preciso adotar novas medidas para conter a queda do dólar. “Vamos ter que olhar cuidadosamente e tomar todas as medidas possíveis”.
Questionada sobre as decisões que pretende tomar para manter o equilíbrio cambial, disse: “Se eu tivesse medidas, eu não diria aqui.” Ela contou uma história sobre o ex-premiê britânico Winston Churchill, que governou a Inglaterra durante a Segunda Guerra mundial, para exemplificar que algumas medidas têm de ser tomadas sem publicidade. “Você sabe aquela história do Churchill. O repórter perguntou para ele: ‘vai fazer tal medida?’. Ele fala ‘não’. Aí ele vai, entra e faz a medida. E aí os repórteres: ‘mas o senhor disse que não ia tomar’. E ele falou: ‘tem certas medidas que a gente não confessa nem para nós mesmos’”, contou Dilma.
A presidente eleita defendeu ainda a proposta do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de modificar o sistema financeiro para que as reservas internacionais sejam compostas por múltiplas moedas. No entanto, ela afirmou que a diminuição do papel do dólar nas transações comerciais não é apenas uma “questão de vontade”. “Se fosse uma questão de vontade, já tinha sido feito. Pode ser uma questão de acordo, como foi em Breton Woods. Em Breton Woods, isso já foi colocado como sendo uma possibilidade, defendido até pela representação inglesa”, afirmou.
Trem-bala
Dilma contou que conversou na quarta com o ministro dos Transportes da Coreia, Jong-Hwan Chung, sobre a possível participação do país asiático na construção do trem-bala. “Ao chegar, eu falei com o ministro dos Transportes. Ele falou para mim que os coreanos têm todo o interesse em participar. Falou muito das obras que estão fazendo, da capacidade de construir portos, de rodovias. E sempre falando que querem participar no Brasil. São muito bem-vindos”, disse.
Comento
Fingir que as palavras não fazem sentido é quase sempre ruim, mas, às vezes, pode ser uma salvação. Leiam o que vai acima. Há alguma possibilidade de que o G-20 chegue a algum lugar na tal “guerra cambial”? Não! A China já avisou que sua política não vai mudar um milímetro. A atual fase do “mundo global” é a do “cada um no seu quadrado”, por mais contraditório que isso pareça. Será o Brasil o Diógenes de um certo idealismo global, segurando a lanterna “das regras” de convivência? Com o dólar no chão, as moedas locais tendem mesmo a se valorizar, como acontece com o Real. Só que temos um pólo de atração e tanto de capital especulativo, que agrava o problema: os juros altos — os mais altos do “globo globalizado”. Por que estão nas alturas? Os diagnósticos variam. Mas estão. E isso, obviamente, não é bom.
Dilma, seguindo as pegadas de Lula, deu um cutucão nos americanos. Inútil! Não será o Brasil a forçar um recuo dos EUA daquela que se mostra, tudo bem pensado, a sua única possível saída — até porque não há um só economista que eu tenha lido, daqui ou de lá, que assegure que o plano americano vai dar certo. O Brasil dá uma cotovelada nos EUA, mas preserva a China, protegida por sua “muralha de fogo”. O G-20 encerrará a rodada como começou. Alguns países têm de dar satisfação aos eleitores, como os EUA; outros, aos consumidores, como a China; outros ainda a suas respectivas plutocracias. Ninguém se mostra disposto a arredar pé de suas posições.
O trecho da fala que Dilma atribui a Churchill sugere algo de grande. Em entrevista, Lula afirmou que, como está, a coisa não pode ficar. Que “coisa”? É o que se vai ver nos próximos dias, talvez meses. A equação que vem sustentando a estabilidade da “economia do consumo” exibe evidentes sinais de instabilidade. Não há especialista que conheça a resposta.
Por que afirmei que, às vezes, é bom não dar muita bola às palavras? Disse Dilma: “Tem certas coisas que a gente não confessa nem pra nós mesmos”. O óbvio é imaginar o efeito que essas “coisas” teriam ou terão quando “confessadas” para todo mundo. Preferível silenciar a dizer isso. Se a fala é séria, das duas, uma: a) ou “a coisa” existe e pode criar um baita tumulto; b) ou não existe nada além de perplexidade. Se o mercado leva em consideração esse “mistério”, já começa a botar um preço na incerteza.
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