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terça-feira, 1 de julho de 2008

Pensamento livre

Prestes a lançar um novo disco, pela primeira vez num formato virtual, Tom Zé aventura sua peculiar filosofia para falar de música e Internet, entre muitas outras coisas
Por Filipe Luna
Fotos Autumn Sonnichsen
Pioneiro em invenções sonoras surreais que parecem produtos de uma mambembe ficção científica, Tom Zé protagoniza a estréia de um novo formato de distribuição de discos criado pela sua gravadora, a Trama. O álbum virtual estréia com uma versão ao vivo do último trabalho do músico baiano, Danç-Êh-Sá. O álbum terá suas músicas, capa e extras disponibilizados gratuitamente no site www.albumvirtual.trama.com.br . A conta, como no download remunerado, outro projeto da gravadora, quem paga são os anunciantes do site. Tom Zé nos recebeu no seu apartamento para filosofar sobre sua aventura musical no cyberespaço. Acompanhe as respostas, interrompidas por peculiares, divertidos e instrutivos fluxos de pensamento do veterano tropicalista, abaixo.
Tem algo de diferente em lançar um álbum de forma virtual?
Não resta dúvida porque, para mim, é mesmo a inauguração de uma espécie de loja, né? Quando era criança trabalhei na loja de meu pai. Depois ele mudou de negócio e teve uma padaria, uma lanchonete e um bar. Foi uma alegria para mim quando ele voltou a ter loja. Porque, ao contrário da padaria e do bar, em que era tudo muito melado - com açúcar, líquido, álcool -, a loja era aquela coisa limpa. E agora estou numa loja ainda mais limpa, a Internet, né?
No começo o disco vai estar lá gratuitamente, certo?
Sim, mas eu ganho. Uma das idéias interessantes que a Trama apresenta é essa.
Você passou por todos os formatos na sua carreira...
Sim, mas a Internet era um lugar inimaginável. Quando era pequeno, uma lâmpada elétrica era um fato de um alumbramento tal que me lembro ainda hoje o dia que vi, na casa do farmacêutico de Irará, Seu Chaves, a lâmpada nua. Uma lâmpada só era um objeto tão totêmico que não tinha nada para vestir uma lâmpada. Fiquei olhando aqueles raios, a cor, o tipo de luz era completamente diferente, uma luz que não tinha fonte. Enfim, tudo da civilização foi um alumbramento e um encanto. Nos anos 1960, o único computador que tinha em São Paulo era do tamanho dessa sala, no Sesi. A pessoa para trabalhar botava um guarda-pó porque o bicho soltava algumas faíscas. Rapaz, são tantas coisas tão diferentes para quem veio da idade média como eu.
Como interferiu no seu trabalho sair de uma idade média, no sertão, para uma outra realidade moderníssima?
Uma das coisas mais difíceis é o problema ético. No meu mundo, a ética era o assunto mais conversado. Me lembro, por exemplo, do meu avô, que era fazendeiro, dono de almas e terras, Seu Pompílio Santana, e de um outro fazendeiro amigo dele, Emídio Pau D'arco - um homem enorme, muito gordo, o que naquele tempo era uma raridade, todo mundo era magrinho. Eles sentavam e só conversavam sobre ética. Veja bem, eles eram donos de almas e terras, como na Idade Média. Só que em Irará, o senhor feudal tinha um problema especifico do Nordeste, as almas eram contadas, a população era muito pequena. Qualquer problema que aparecesse tinha que ser resolvido com aquele equilíbrio entre a autoridade e a força. De uma maneira que fosse útil para todos. Porque não se podia perder ninguém - mandar embora ou matar. Era muito bonito ver todo o trabalho intelectual dessas criaturas contando os casos, os acontecimentos, como a coisa caminhou para se resolver.
E falta ética hoje?
A cada dia tem uma degradação moral mais acentuada em todas as camadas da sociedade. Fico preocupado quando o governo lança a moda do desrespeito moral com o dinheiro, o recurso dos outros. Tudo isso cai como se fosse uma bomba no meu coração. Vejo com aquele olho de infância, né? A moeda mais importante na minha infância era a própria a língua. A palavra falada tinha um valor imenso no Nordeste. Um fio de bigode vale mais que um contrato assinado porque ninguém escreve, é um povo analfabeto. E tem uma coisa engraçada, também sou analfabeto como nordestino, só que agora tenho a palavra para definir: sou analfatóteles.
O que significa isso?
Somos analfabetos de Aristóteles, de Euclides, de Descartes. Veja, outro grande acontecimento como a Internet foi a segunda revolução industrial. Na época do tropicalismo, ela já estava no horizonte como um navio que você já enxerga o mastro. As coisas mais importantes dessa revolução eram o processamento de dados, a linguagem do cartaz, a publicidade e a televisão. Nós éramos analfatóteles, ao contrário de todos os outros compositores do Brasil: Chico [Buarque], Edu [Lobo], até [Geraldo] Vandré, que era nordestino. Como o eixo central da educação deles era a palavra escrita, todos disseram "vade retro satanás" para a segunda revolução, porque pressentiam que isso ia desbancar a palavra escrita. Mas nós, analfatóteles, ficamos curiosos. "A cor do céu me compõe / O mar azul me dissolve / A equação me propõe / Computador me resolve". Veja que coisa intuitiva filha da mãe! Não sabia que isso era tão significante na hora que fiz. Ou então eu estava prevendo que ia ser lançado assim pela Trama [ risos].
Leia a íntegra da entrevista na edição de junho da CULT, já nas bancas

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