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terça-feira, 8 de julho de 2008

Brasil tem posição dúbia, diz assessor de Uribe

ELIANE CANTANHÊDE
Enviada especial da Folha de S. Paulo a Bogotá

Assessor e ideólogo do presidente Alvaro Uribe na Colômbia, apesar das origens de esquerda, o advogado José Obdulio Gaviria, 56, não desmente o certo mal-estar com a posição considerada dúbia do Brasil em relação às Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), que praticam seqüestro e mortes e são combatidas ferozmente pelo governo.

"Eles [do governo Lula] vêm de uma percepção das Farc como movimento de esquerda e estavam equivocados. O que as Farc fazem é terrorismo, não importa se é terrorismo de esquerda ou de direita ou do Lumpen", disse à Folha ontem.

Então, há uma certa condescendência com as Farc? Resposta: "Havia contatos no Foro de São Paulo. Espero que isso esteja totalmente rompido". O Foro foi criado em 1990 reunindo partidos e movimentos de esquerda latino-americanos, do PT às Farc.

A entrevista foi no gabinete de Obdulio Gaviria, um andar abaixo do gabinete presidencial na Casa Nariño, sede do governo colombiano. Ele deixou claro que tudo caminha para um terceiro mandato de Uribe e que estão começando novos tempos de paz nas relações da Colômbia com a Venezuela, para onde ele vai com o presidente na próxima sexta-feira.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

FOLHA - O resgate espetacular de Ingrid Betancourt fortalece o terceiro mandato?

JOSÉ OBDULIO GAVIRIA - Há setores políticos que estão articulando a mudança constitucional, não o governo.

FOLHA - E o coração de Uribe?

OBDULIO - Não é que ele promova ou tenha interesse. Há enorme pressão por parte de setores políticos e sociais, incitando-o para que apoie a mudança constitucional, mas ele não tomou uma posição a favor, como também não se pronunciou contra.

FOLHA - Qual a sua posição?

OBDULIO - A reeleição, em si mesma, é positiva, progressista. As grandes cidades do mundo e da América Latina que a adotaram para seus prefeitos têm desfrutado dos benefícios da estabilidade.

FOLHA - Mas, quando o presidente Chávez tentou os mandatos sucessivos, houve uma grita internacional contra. Por que uns podem e outros não?

OBDULIO - Isso é atraso político, falta de informação. O que importa é a democracia, a liberdade, a separação dos poderes, para que os líderes tenham os devidos limites e governem democraticamente. Os perigos são nulos. O curioso é que a oposição se opõe à permanência do presidente Uribe, mas não tem um candidato para enfrentá-lo, se ele concorrer.

FOLHA - E a reação externa? O Brasil, por exemplo, é contra o terceiro mandato de Uribe.

OBDULIO - Lula é contra por princípio, até era contra a primeira reeleição. Mas ele está aí, reeleito, porque já a haviam aprovado. Ele e seu partido não acreditavam no sistema, e é legítimo. Outros acreditamos, o que também é perfeitamente legítimo. Para nós, é uma questão de engenharia constitucional, não de princípios.

FOLHA - Se Uribe não disputar, quem terá seu apoio?

OBDULIO - Aqui se diz "patos na água". Que digam eles mesmos que são candidatos, façam suas campanhas, com mensagens subliminares, pela imprensa escrita, pela televisão, nos eventos de massa. É assim que se forja uma candidatura. Nomes há muitos.

FOLHA - Os uribistas bem colocados nas pesquisas são o ministro da Defesa, Juan Manuel Santos, e o ex-prefeito de Medellín Sergio Fajardo. Têm chances?

OBDULIO - Por ora, o único líder que a nação colombiana realmente reconhece é Uribe. Os demais são pequenos, de baixa expressão política, não passam de 2%, 3%, em caso de enfrentarem Uribe. É margem de erro, então é zero por cento.

FOLHA - Ingrid Betancourt tem 31% de intenções de voto sem Uribe na disputa e é o grande fato novo. Concorda?

OBDULIO - Nem tão novo, porque já está há seis anos na consciência dos colombianos. Mas precisa ter claro que o cenário internacional é bastante diferente e também definir se seu programa será uma continuidade do presidente Uribe ou de oposição. Isso determinará seu êxito ou seu fracasso.

FOLHA - Não preocupa a Colômbia o seu grau de isolamento do resto do continente?

OBDULIO - Não, porque isso é falso. A Colômbia está no Mercosul, na CAN [Comunidade Andina de Nações], no Puebla Panamá [plano de desenvolvimento da região], desenvolve tratados de livre comércio com o Canadá, com os EUA, com a Centro América, com o Chile. Que isolamento é esse? O que nós temos é uma política sem condicionantes ideológicos. Temos boas relações com todos os países das Américas, com a exceção do Equador.

FOLHA - A Colômbia não ficou isolada no embate com o Equador na OEA [Organização dos Estados Americanos]?

OBDULIO - No tema terrorismo, sim. Tiveram temor de represálias da banda terrorista e se abstiveram de fazer o que fizeram União Européia e EUA, recusando-se a declarar um ato terrorista como tal. Para nós, ato terrorista é ato terrorista.

FOLHA - Qual o risco de as Farc realizarem um grande ataque para mostrarem força?

OBDULIO - Isso é parte da supervalorização das Farc, que não são mais um perigo real para a sociedade colombiana. O que há são umas quatro guerrilhas pequenas, dispersas. Essa gente está na selva, é muito atrasada e sanguinária. Seu principal interesse hoje é o tráfico.

FOLHA - Como estão as relações com a Venezuela?

OBDULIO - Estão muito boas e têm de estar. Nós temos uma fronteira de mais de 2.200 km, e é fronteira viva, com muitos habitantes que necessitam de muita cooperação entre os dois países. A verdade é que a luta contra o terrorismo nos fez perder muito tempo, nos fez desviar dos nossos verdadeiros problemas. Então, se retoma com todo o entusiasmo a agenda bilateral.

FOLHA - O pragmatismo é porque 17% das exportações da Colômbia vão para a Venezuela?

OBDULIO - Sim, mas isso não anula que os conflitos foram em boa parte por desentendimentos, por esquecer o que é realmente prioritário, que são os benefícios que ambas populações obtêm de uma boa relação. Isso é o que importa e é a política da Colômbia e me parece que também a de Chávez hoje.

FOLHA - E quanto ao Equador?

OBDULIO - O presidente [Rafael] Corrêa teve um desgosto terrível com a Colômbia e com seu governo e não se cansa de expressar isso. Esperamos que passe. Como diz Uribe, a sorte dos povos colombiano e equatoriano não pode se decidida por impulsos personalistas.

FOLHA - Se a América do Sul faz uma guinada para a esquerda, como Uribe é de direita e tem mais de 80% de aprovação?

OBDULIO - Incursionando pelas ciências sociais, Carla Bruni [mulher do presidente da França, Nicolas Sarkozy], disse que quem vira sectário de esquerda ou de direita só usa metade do cérebro. Recomendo aos analistas que pensem nisso. Na América Latina, o governo com melhores resultados sociais se chama Alvaro Uribe. Em redução da pobreza, em infra-estrutura para os setores populares, em massificação da saúde e da educação, estamos acima de todos os outros. Uribe é um capitalista com sentido social, um estadista.

FOLHA - Quando e por que o sr. mudou de lado e virou estrategista de um governo de direita?

OBDULIO - Eu era do Movimento Firmes [originalmente de esquerda] e, precisamente porque não aceito classificações, trabalho desde 1985 com Uribe, que se habilitou para colocar em marcha um programa progressista e enfrentar a violência.

FOLHA - Há uma percepção na Colômbia de que o governo Lula é dúbio ao tratar das Farc?

OBDULIO - Eles vêm de uma percepção das Farc como movimento de esquerda, como militantes de esquerda latino-americana, e estavam equivocados. O que as Farc fazem são terrorismo, não importa se é terrorismo de esquerda ou de direita.

FOLHA - Então, há uma certa condescendência do governo brasileiro com as Farc?

OBDULIO - Havia contatos no Foro de São Paulo. Espero que isso esteja totalmente rompido e que o governo brasileiro tenha o mesmo desprezo que toda a humanidade tem pelas Farc.

FOLHA - A Colômbia está fadada a ser eternamente dependente dos EUA?

OBDULIO - Não somos dependentes dos EUA. Em alguns assuntos, inclusive, os EUA é que são dependentes da Colômbia. Se não empreendêssemos a luta que temos contra o narcotráfico, os EUA estariam invadidos pelas drogas. Nós nos surpreendemos muito que outros países não compreendam o problema e não ajudem como poderiam ajudar, já que se trata de um assunto comum da humanidade.

FOLHA - Por que Colômbia rejeita a criação do Conselho Sul Americano de Defesa, proposta sobretudo pelo Brasil?

OBDULIO - Ele não se encaixa na nossa estratégia atual, na qual prevalecem a ONU e a OEA.

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