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sábado, 14 de janeiro de 2012

Roberto Pompeu de Toledo: Reposicionamento da aeronave



Publicado em VEJA desta semana que termina, artigo de Roberto Pompeu de Toledo, para os amigos do Blog


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Reposicionamento da aeronave
“Está escrito no papelucho que o embarque será a tal hora, no portão tal. O trouxa do passageiro acredita e, depois de vencer infindos corredores, chega ao portão indicado. De repente…”

Roberto Pompeu de Toledo
O reposicionamento da aeronave promete ser o hit deste verão. Bem, em matéria de martírio em aeroportos, como se sabe, há muito mais. Comecemos pelo começo, deixando o reposicionamento da aeronave para o fim. O começo é o desafio de chegar aos aeroportos. Nas cidades do país, com a única exceção de Porto Alegre, não há metrôs ou trens para facilitar a empreitada. A única alternativa são estradas congestionadas, e para enfrentá-las é preciso sair de casa com grande antecedência. Em matéria de congestionamento somos escolados, mas pensa o leitor que já viu tudo? Sempre haverá algum jeito de piorar.
No primeiro dia do ano, quem se dirigia ao aeroporto internacional de São Paulo, em Guarulhos, foi premiado com um bloqueio na Via Dutra provocado por dezenas de ônibus estacionados no acostamento e em uma das pistas. Muita gente largava o carro e tentava chegar a pé ao aeroporto. Alguns conseguiram, outros perderam o voo. Os ônibus ali se encontravam para servir aos fiéis que participavam da inauguração de um megatemplo evangélico. Para quem extrai algum prazer do tumulto, eis uma grande ideia: permitir a construção de um megatemplo bem na beira da rodovia. Especialmente, como era o caso, se o templo está situado no exato ponto de junção entre a rodovia principal (a Via Dutra) e a secundária que conduz ao aeroporto. As condições são ideais para um afunilamento de níveis recorde.
O megatemplo, de iniciativa do empreendimento comercial-religioso que atende pelo nome avassalador de Igreja Mundial do Poder de Deus, tem capacidade para 150 000 pessoas. Naquele dia, compareceram 450 000, em três turnos. Como não foi previsto estacionamento suficiente para os ônibus, eles se acomodaram em plena pista. Prefeitura de Guarulhos, Polícia Rodoviária, Infraero – ninguém se deu conta de que um templo daquelas proporções, naquele lugar, poderia causar esse tipo de problema. E atenção, passageiros, que o templo veio para ficar. Vai ter mais, no futuro.

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N inauguração do megatemplo, no primeiro dia do ano, ônibus procuram lugar para estacionar - vale até ser na faixa da Dutra (Foto: Agência Estado)

Vencida a etapa da chegada ao aeroporto, difícil mesmo sem megatemplos no caminho, atrasos e cancelamentos de voo podem estar à espreita, nunca se sabe. Ou uma greve. Em qualquer dos casos, reinará a falta absoluta de informação. As companhias aéreas, já há algum tempo, chegaram à conclusão de que a melhor política é esconder a cara. O passageiro, no ambiente desolado de um aeroporto, é por excelência um órfão sem padrinho nem albergue que o acolha. Mas vá lá – digamos que foram vencidos todos os obstáculos, inclusive a angustiosa fila do check-in, e enfim se chegou ao portão de embarque. É aqui que fará sua entrada o “reposicionamento da aeronave”.
Ele está um pouco por toda parte, mas se manifesta de forma mais aguda no Aeroporto de Congonhas. Está escrito no papelucho que o embarque será a tal hora, no portão tal. O trouxa do passageiro acredita e, depois de vencer infindos corredores e aglomerações, chega ao portão indicado. Confere na telinha: sim, este é seu voo, este o destino, esta a hora do embarque. Está tudo certo. Hora de relaxar. Abrir o jornal, acionar o laptop. Relaxar? Você acreditou? A alturas tantas, ao lançar um olhar distraído para o portão, percebe, com ligeiro alarme, que seu voo sumiu da telinha. Aí vem o aviso, pelo alto-falante: “Devido ao reposicionamento da aeronave, o embarque do voo tal, com destino tal, se dará pelo portão…” – um outro, diferente do originalmente programado e, quando as invisíveis potestades dos aeroportos capricham, no extremo oposto do setor de embarque. Dobra-se o jornal, guarda-se o laptop e sai-se pelos corredores afora, olho nas indicações, respiração em suspenso. O passageiro já não é apenas um órfão. É um órfão largado ao mar, condenado a equilibrar-se numa jangada para chegar à praia.
Pode ocorrer pior. São muitos os avisos pelo alto-falante, nem todos perfeitamente audíveis. Acresce que o passageiro está relaxado, certo de que a parada foi ganha. Nem se preocupa em consultar a telinha. De repente, olha para os lados e percebe que o ambiente se esvaziou. Onde foi parar o pessoal de meu voo? Sai pelos corredores – não, não há ninguém para prestar informação. Segue a esmo, e pode ser que encontre por acaso o novo portão de embarque, pode ser que encontre no meio do caminho alguém que escutou o aviso, pode ser que numa tela encontre a orientação de que necessita, mas pode ser que não. Este não é mais apenas o órfão lançado ao mar. A jangada naufragou, e são escassas as possibilidades de chegar à praia. Perdeu, no jogo (que para alguém deve ser divertido, senão não existiria) de reposicionar (tira, põe, deixa ficar) as aeronaves.
congonhas-check-in
Aeroporto de Congonhas, e um jogo que deve ser divertido para alguém








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