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domingo, 18 de setembro de 2011

Eça de Queiroz e a política brasileira




Publicação: 18 de Setembro de 2011 às 00:00

A cidade de Natal recebeu no último dia 29 de julho um presente literário do mais elevado quilate. Foi o lançamento ocorrido na Livraria Siciliano do Shopping Midway do livro "Fernando Pessoa - uma quase autobiografia", de autoria do escritor e advogado José Paulo Cavalcanti Filho, publicado pela Editora Record. A leveza do estilo, aliada a um substancioso conteúdo, cumpriu a função social do livro: tornar a sua leitura agradável ao leitor.

Em determinado instante da palestra que antecedeu ao evento, o escritor, numa feliz digressão, reportou-se a Eça de Queiroz, outro grande vulto da literatura lusitana, chegando a mencionar constituir um dos seus prazeres o de ter lido os seus vinte e nove livros, possuindo-os todos em 1ª edição.

Eça sempre foi uma das minhas paixões literárias, embora somente tenha lido dezenove de seus livros. Há pouco tempo li "Cartas da Inglaterra e Crônicas de Londres", mas o que verdadeiramente me impressionou foi uma leitura, também recente, de "O Conde d'Abranhos". Trata-se este de um retrato da política portuguesa no século XIX, tão marcado por ingratidões endurecidas e lealdades frouxas.

A personagem central é Alípio Severo Abranhos, oriundo da petite noblesse, mas que, graças à ajuda duma tia abastada e, naturalmente, de um bom casamento, pôde formar-se bacharel em Coimbra e seguir a carreira política, elegendo-se para o parlamento.

Certo dia, retornando de férias, passadas em quinta distante de Lisboa, Alípio, já deputado, recebe a notícia que, no dia anterior, determinado general, apoiado por três regimentos, tomou o poder, no episódio conhecido como a Revolta de 20 de junho. Indignado com a crise institucional em sua pátria, promete a si vigorosa resistência. Se houvesse guerra civil, bater-se-ia em prol da legalidade, tal como num duelo. Se não sobreviesse guerra civil, combateria a ditadura militar na tribuna, se a assembleia estivesse em funcionamento, ou na imprensa, se esta fosse livre, ou, caso contrário, na rua, na Casa Havanesa, no Grêmio, no Magalhães do Chiado. O lugar não seria relevante, pois pouco importa o púlpito para quem prega a verdade.

Esse arroubo de defesa incontida dos ideais democráticos logo cessou. Ao depois de trovejar sublime contra a violação da Constituição, durante reunião com os amigos próximos, ocasião em que chamou o novo governo de "a tirania da soldadesca", uma visita chega a sua casa. Amável, era um primo do general golpista que, como emissário, portava um convite para que Alípio viesse a ocupar o Ministério da Justiça. Tão logo o visitante deixou sua residência, e comunicada a mensagem, o semblante dos amigos e familiares mudou inteiramente, não mais se falando de quebra da ordem, mas sim, num coro uníssono, de governo que consultava aos interesses da nação, sem contar o desejo da tia de sua esposa de obter finalmente uma pensão para subsidiar com dignidade os seus últimos dias.

Essa mudança rápida de convicções, tão ao sabor dos interesses pessoais, lembra-me - e muito - o cenário público aqui vivenciado desde a redemocratização do país. Os mais entusiasmados pensam que, tal como num passe de mágica, a solução é a aprovação de mais uma emenda constitucional, a septuagésima quarta desde a vigência da Constituição de 1988, com a instituição, entre nós, de novos institutos, como o voto distrital, a sistemática de listas fechadas, o voto facultativo, o financiamento público de campanhas etc.

Tenho minhas dúvidas. Não é o apuro técnico e de redação dum instituto jurídico que vai transformar uma nação, mas sim a sua correspondência à realidade de um povo. Tudo depende da maturidade constitucional deste.

Volto ao mestre do realismo português quando, no livro de crônicas "Os brasileiros", afirma, a pretexto de comentar possível instituição da república em Portugal, que não é o modelo que muda a moral dos homens.










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