Diversidade de tipos familiares faz instituições inovarem celebração da data para atender a nova realidade
Alexandre Gonçalves, de O Estado de S. Paulo
"A vida não é mais uma propaganda de margarina", afirma a empresária Verônica Stresser. De fato, sua casa difere muito do modelo familiar apresentado nos comerciais. Ela é solteira e vive com a irmã que ficou viúva quando o filho tinha uma semana de vida. Hoje, o garoto tem treze anos.
Há oito anos, Verônica realizou o sonho de ser mãe e adotou Giovanna. A garota estuda no Colégio Nova Escola, zona sul de São Paulo, que realizará, pelo segundo ano consecutivo, a Festa da Família. Será no próximo domingo para não coincidir com o Dia dos Pais.
Artur é amigo de Giovanna. Seus pais estão separados, mas mantêm um bom relacionamento. A mãe, Adriana Marim, já enviou um e-mail ao pai para lembrar a data da festa. No ano passado, o colégio ofereceu uma cesta de doces para quem trouxesse a maior família. Artur foi o vencedor: além dos avós, mãe e tios, contou também com a presença da nova família do pai. Ao todo, 11 pessoas compareceram à festa.
A Nova Escola também não comemora o Dia das Mães. Milena Yamaguchi matriculou os filhos gêmeos no colégio este ano e, no início, lamentou o novo costume. "A data é um sonho para toda mãe." Mesmo assim, alimenta expectativas para seu primeiro Dia da Família.
A diretora do Colégio, Maria Ester Ceccantini, afirma que a mudança tem um sentido pedagógico, pois mostra às crianças a "amplitude dos relacionamentos humanos". Ela se diverte com a frase que ouviu da bisavó de um aluno no fim da festa no ano passado: "Vocês estão na contramão, mas estão no bom caminho."
Para o dia de hoje não passar em branco, os alunos confeccionaram cartões para os pais. Giovanna resolveu dedicar o seu à "família". Quando lhe perguntam quem é sua família, ela responde com um sorriso: "Minha mãe, minha tia e meu irmão, oras." (Para ela, o filho da tia é também seu irmão.)
O Colégio Pentágono resolveu adotar a mesma estratégia. A festa ocorre em março ou abril para ninguém associar a outras datas. A advogada Maria Eulália Secilio é solteira e adotou duas crianças: João Vitor e Priscila. Há quatro anos, quando a escola ainda não criara a Festa da Família, Eulália fazia questão de aparecer na homenagem do Dia dos Pais. "Eu sentava na roda com mais quinze pais para participar das brincadeiras", recorda Eulália. "Era a única mulher."
As duas crianças também prepararam cartões para hoje. Priscila, com 7 anos, entregará a lembrança ao padrinho. Já João Vitor, com 9, resolveu dedicá-lo à Eulália. "Ela é mãe e pai", justificou o garoto.
No Colégio Santo Américo, o novo costume também chegou. Ana Cristina Nogueira, mãe de André, considera a festa oportuna. Ela argumenta que, como a maior parte dos filhos de pais separados mora com a mãe, não há tanto problema quando o pai não vai à comemoração do Dia das Mães. Já na festa do Dia dos Pais fica estranho se a mãe não aparece. "E, muitas vezes, ela não quer encontrar o ex-marido", aponta. Na Festa da Família, pais separados podem comparecer e há atividades para os dois em lugares distintos do colégio.
O ex-marido de Ana é uma exceção: ele estava presente na festa do Dia das Mães. E ela conta, bem-humorada, a reclamação de outra mãe: "Meu marido, mesmo casado comigo, não veio."
Rede pública
A Escola Municipal de Educação Infantil Oscar Pedroso Horta, na zona sul de São Paulo, resolveu substituir as comemorações do Dia dos Pais por um Mês da Família. As crianças utilizam desenhos e histórias para expressar sua visão da família. A escola fica em uma região pobre da capital. Há muitas crianças que não convivem com o pai.
"Os desenhos são muito eloqüentes", afirma a coordenadora pedagógica Ana Cristina Azevedo. Em alguns, o pai aparece normal e proporcional. Em outros, ele está diminuído em um canto. Às vezes, faltam traços: uma boca, os braços ou as pernas. "As crianças sofrem com a ausência da figura paterna", considera Ana. Ela acredita que as atividades do Mês da Família amenizam essa realidade, pois oferecem um espaço para as crianças exteriorizarem suas ansiedades.
Sara é filha do eletricista Antonio Soares e estuda na escola municipal. Quando Soares soube que não organizariam uma comemoração igual ao Dia das Mães para os pais, ficou muito sério. "Não acho certo", disse. Mas depois de ouvir os motivos do colégio, considerou a medida oportuna.
A Escola Paulistinha, ligada à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), não abandonou a festa do Dia dos Pais. Mas descobriu um jeito de levar em conta as novas configurações familiares. Na falta do pai, a criança pode levar o avô, o padrasto, o padrinho ou um amigo. E se, mesmo assim, não consegue ninguém para acompanhá-la, as professoras designam um "pai emprestado" para brincar com ela durante a festa. "A figura masculina é importante para a criança", afirma a diretora Léa Chuster Albertoni.
Mas a principal inovação foi aproveitar a data e reunir os pais para uma troca de "vivências familiares" sem a presença das crianças. No encontro, eles partilham seus medos, dúvidas e alegrias. Segundo Léa, a iniciativa já despertou muitos pais que viviam distantes dos filhos.
Oton Moura participou na sexta-feira das comemorações com seu filho Guilherme. Ele conta com emoção uma das "brincadeiras" organizadas pela escola: pai e filho deveriam desenhar um ao outro. Depois, os retratos foram unidos com cola no verso das folhas. "Entendi que sou como um espelho para o Guilherme", afirma Moura.
Dificuldades
No Colégio Monteiro Lobato, zona norte de São Paulo, a Festa da Família não teve o sucesso esperado. A comemoração ocorreu no dia 31 de maio, mas apenas 20% dos pais do ensino infantil compareceram. O diretor da escola, Walter de Assis, afirma que algumas famílias não desejam incorporar o novo costume.
A estudante de direito Janaína Spindola, por exemplo, prefere que a comemoração não ocorra. Divorciada, ela quer evitar qualquer ocasião em que possa encontrar seu ex-marido com a nova mulher. "E se ele não aparecer na festa, meu filho sentirá falta do pai do mesmo jeito", aponta Janaína.
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