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quinta-feira, 29 de maio de 2008

Apagão Carcerário ( JORNAL DA GLOBO)

Na terceira reportagem da série especial, você vai conhecer as marcas da corrupção dentro dos presídios brasileiros. O bandido que pagou para receber um celular e foi parar na solitária. Mulheres que usam o corpo para levar objetos aos maridos presos. E o carcereiro que cobra para deixar a droga entrar.

Clique aqui para ver as reportagens anteriores da série.

Quem tem dinheiro vive relativamente bem numa cadeia, obtém drogas, armas e celulares e, dependendo às vezes da quantia, até compra a liberdade. É o jeito como as coisas funcionam.

A terceira reportagem da nossa série especial Apagão carcerário trata do círculo vicioso da corrupção que alimenta o crime atrás das grades.

Sujeira, doença, violência, abandono... Entre os males que infestam a maior parte das prisões brasileiras, a corrupção é a que deixa suas marcas mais profundas. Dentro e fora das grades.

“Enquanto existir corrupção, vai continuar a existir violência nesse país", diz um preso.

Na versão oficial, a corrupção das famílias é sempre a primeira a ser citada. Uma acusação baseada em fatos. Para pagar dívidas dos maridos, mulheres de presos tentam contrabandear para dentro das cadeias, objetos que possam ter algum valor.

"Celular, chip e droga... Das vezes que nós estamos pegando, entra pelas mulheres das visitas. Enrolam dentro de um plástico, colocam na camisinha e introduzem no canal vaginal", diz Eden Moraes, diretor do Presídio Central.

A imagem tira qualquer dúvida. A radiografia é de uma mulher que se recusou a ser revistada. Ela usava o corpo para carregar um celular para o marido preso. Na linguagem da cadeia, essas mulheres são chamadas de mulas.

Resistir à corrupção no sistema é um exercício diário. Humberto é vigilante penitenciário em Formosa, Goiás. Ganha R$ 700,00 por mês. Quase todos os dias ele ouve dos presos propostas de suborno.

“Entrada de celular, para facilitar entrada de droga ou fuga ou alguma coisa nesse sentido. Eles oferecem dinheiro, R$ 100, R$ 150, lá no Cadeião já recebi até R$ 80 mil”, conta Humberto Stefan, vigilante penitenciário.

Não existe no Brasil uma estatística da corrupção no sistema carcerário, mas os processos na Justiça de todo o país denunciam a gravidade do problema.

“Nos últimos dois anos, três agentes penitenciários já foram presos em Formosa cometendo crimes, dentre eles o diretor da cadeia de Formosa que foi acusado de cometer crime de extorsão, então o sistema precisa ser depurado, reestruturado e totalmente reanalisado pelo Estado", diz Clauber Costa, juiz da Vara Criminal de Formosa de Goiás.

Quem se deixa corromper é exceção, afirma esse representante dos agentes penitenciários de São Paulo.

"Pela peculiaridade da nossa função, um funcionário corrupto dentro de mil, ele causa uma seqüela muito grande. Então esse acaba sendo um agravante. Isso torna a nossa situação mais dramática e faça com que tenha uma repercussão até maior", diz Gilberto Luiz Machado, diretor do Sindicato dos Agentes Penitenciários de São Paulo.

Um em mil não é a conta que faz outro agente penitenciário e que pediu para não ser idetificado. "Eu sabia que existia no meu grupo companheiros meus que estavam colocando esse tipo de coisas erradas no sistema".

Ele fez o mesmo e acabou condenado por corrupção. Começou aceitando favores e logo passou a vendê-los. "Geralmente entre R$300,00, R$400,00, R$500,00 por cada celular. Entorpecente lá é dobrado o preço", diz o funcionário.

Mas o que dava mais dinheiro, segundo ele, era o tráfico de influência. Quanto mais poder no sistema, maior o lucro.

"Os diretores. O que é que eles fazem? Fulano vai em tal cela e pega R$300,00 que fulano, que é o preso, o apenado, está sabendo do que se trata. Aconteceu isso comigo, de eu ir pegar determinado dinheiro, valor, lá dentro do presídio, retornar, sabendo de toda a transação e eu próprio sair com o diretor e a gente farrear, bebida, cerveja, só farra, farra", revela.

Muda o presídio, a história se repete. Outro agente que também teme ser identificado denuncia o favorecimento a presos que podem pagar.

“O cara que tem dinheiro, ele fica na enfermaria, ou ele fica na triagem, ele não fica no meio de presos comuns. Quem tem poder dentro de unidade prisional é o diretor”, diz o agente.

O agente honesto muitas vezes se cala. Denunciar é correr riscos. “O agente penitenciário tem medo de morrer. O que ele quer ali? Bicho, eu quero sair do plantão amanhã vivo", conta.

Entre os presos, ameaça e extorsão fazem parte da rotina. Quem não tem dinheiro paga a dívida como pode.

“Se ele não tem nada, e aí pra poder sobreviver, a mulher quando vem fazer um encontro íntimo com ele, entra na cela, vai transar é com o outro cara para ele poder sobreviver. Isso aí todo mundo sabe, mas porque que o cara , esse chefão da cela não é punido? Bicho, ele favorece a quem manda na cadeia. Quando não é o diretor, é alguém subordinado da confiança dele”, diz o preso.

Na prática, é o diretor quem dita as regras. É ele quem define o limite entre o certo e o errado dentro do presídio. É a opinião de um promotor de Justiça.

"Cada um faz o que bem entende. No sistema prisional, cada diretor de uma penitenciária é um prefeito de uma cidade e conduz aquilo do jeito que ele acha que deve ser", diz Gilmar Bortolotto, promotor de Justiça – RS.

E cita como exemplo a penitenciária de alta segurança de Charqueadas, no Rio Grande do Sul. Não há superlotação. Celas e presos são revistados diariamente. Não faltam agentes ou equipamentos. Nada disso ameniza o desconforto do presídio.

Mesmo numa penitenciária de alta segurança com câmeras vigiando os presos o tempo todo, é difícil controlar totalmente. Eles usam fios de nylon e garrafas de plástico para passar drogas, celulares e até armas de uma cela para outra.

Os presos batizaram as garrafas de “tias” e elas se movimentam sem que os guardas tomem qualquer atitude e ninguém vê o que o preso faz atrás das cortinas improvisadas com lençóis.

"Isso é pra dar um pouco de privacidade ao indivíduo preso. É interessante fazer esse tipo de concessão para que tenhamos uma disciplina mais rigorosa dentro do estabelecimento." Roberto Weber, diretor do departamento de segurança e execuções penais – RS.

Um simples celular dentro de um presídio pode transformar uma prisão num centro de comando do crime. No submundo da cadeia, a corrupção nem sempre tem rosto.

Está escondida no sistema. Calada pelo medo, protegida pelo silêncio. O que se faz atrás das grades quase nunca aparece, mas seus efeitos são sentidos lá fora.

O Jornal da Globo encontrou um detento, no Maranhão, cumprindo pena na solitária. Preso por assalto, ele recebeu o castigo porque foi flagrado, na cela, falando ao celular.

JG: Você estava com celular há quanto tempo na cela?
Preso: Duas semanas.
JG: Você ligava pra quem?
Preso:Só para a minha família, só.
JG:É fácil conseguir celular dentro da cadeia?
Preso:Não é tão difícil. Não.
JG: Você conseguiu de que forma?
Preso:Com dinheiro.
JG: Você pagou?
Preso: Paguei.
JG: Pra quem?
Preso: Paguei pro pessoal, pro agentes, os próprios agentes colocam.
JG: Quanto custa, quanto você paga pra ter um celular dentro da cadeia?
Preso: Eu paguei R$100,00 pelo aparelho e mais R$100,00 para o agente colocar.
JG: Agente penitenciário?
Preso: É, dessa unidade.

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