Não há um único livro em Braille nas bibliotecas públicas do Algarve e a maioria delas não tem conteúdos adaptados a cegos, nem sequer em suporte digital.
“A grande maioria das bibliotecas não tem suportes adaptados e o mais grave é que isso é obrigatório por lei”, enuncia Ricardo Martins, 36 anos, invisual desde os 12, que estende as críticas ao sector privado, pois as livrarias, por muito sofisticadas que sejam, “não têm nada, nem em Braille nem em suporte digital”.
O alerta surge pela voz de dois invisuais com quem o Observatório do Algarve falou, hoje que se comemora o Dia Mundial do Braille.
Por “suporte digital” entende-se os áudio-livros (livros com suporte em CD), mas também a possibilidade de leitura através de uma linha Braille, que vai sendo formada à medida que software especial lê um texto no ecrã do computador.
A estes dispositivos junta-se um outro, existente nos PC’s de muitos cegos, que é um dispositivo de vocalização de textos, à medida que um scanner os vai lendo, mecanismo esse efectivamente existente em algumas bibliotecas públicas algarvias, como Faro, Olhão e Albufeira.
O caso da biblioteca de Albufeira, de resto, parece ser único no que respeita aos direitos de leitura da população invisual, de acordo com o jovem Diogo Costa, 19 anos, que desde Março de 2006 se dedica à feitura de um jornal trimestral totalmente em Braille, com o apoio daquela biblioteca, de resto o único periódico naquela linguagem existente a sul do Tejo.
“Aqui em Albufeira já se deu um pequeno passo, temos quatro revistas em Braille e um dispositivo de leitura adaptado a invisuais”, sublinha o jovem, actualmente em compasso de espera na carreira académica, aguardando a entrada na universidade, onde frequentará o curso de matemática. Ainda assim, ressalva, não há livros em Braille em Albufeira.
“Os Maias” em 11 volumes A4
De resto, o jornal do jovem Diogo sofre de um mal comum a todos os suportes em Braille e que ajuda a explicar a sua raridade nos locais públicos de leitura: as 16 páginas normais de escrita a negro do periódico “transformam-se” em 75 páginas depois de convertidas para a linguagem inventada pelo francês nascido faz hoje precisamente 99 anos.
“Só para dar um exemplo, quando li o clássico os Maias, do Eça de Queirós, até me assustei: são 11 volumes em formato A4, com 130 páginas cada um”, recorda Ricardo Martins, residente em Faro, que contudo assevera que os suportes digitais e as novas tecnologias “nunca matarão o Braille”.
Na opinião do músico, ex-jornalista de rádio, a linguagem baseada em pontos em relevo inventada no século XIX nunca vai desaparecer com as novas tecnologias: “Pelo contrário, as novas tecnologias podem reforçar o papel do Braille”, garante, enfatizando o papel da linha de Braille junto de um computador.
“O Braille tem que ser cada vez mais fomentado e é importante que não haja iliteracia nem analfabetismo entre os cegos”, sustenta, observando que um cego (já nascido com a deficiência) que se limita ao áudio-livro ou ao software de reconhecimento de ecrã “continua a ser analfabeto”.
As novas tecnologias permitem a um invisual ter no disco rígido de um computador alguns milhares de obras – Ricardo tem mais de 9 mil – e transportá-las de um lado para o outro numa pen ou DVD, para depois serem vocalizadas através de um sintetizador de voz. Mas isso não chega, porque não “alfabetiza” a pessoa, reforça o músico.
Felizmente, a universalidade do ensino básico permite que praticamente todos os cegos tomem contacto com o alfabeto Braille, ainda nos anos mais precoces da aprendizagem, embora – lamenta Ricardo Martins – não haja qualquer curso técnico de Braille a nível nacional e a maioria das vezes os técnicos de ensino especial tenham que aprender o Braille em acções de formação pontuais”.
Cerca de mil cegos no Algarve
Não desprezando a importância do Braille em formato papel, actualmente os manuais do ensino oficial são transcritos para suporte digital e depois vocalizados ou lidos com recurso à linha Braille dos PC’s dos utilizadores.
“Em matemática isso é mais difícil e eu próprio não tenho livros para estudar, eu que quero tirar um curso de matemática”, ressalva Diogo Costa.
Todos os trimestres, Diogo “perde” 20 horas do seu tempo só para imprimir os 75 exemplares do seu jornal “Ver Sem Olhar”, que distribui depois a nível nacional, graças à ajuda da Câmara de Albufeira.
A maioria desses exemplares vende-se na região Norte, onde a inter-ajuda e os próprios grupos de discussão na Internet estão muito mais avançados que no sul do País, garante o jovem de Albufeira, que calcula em mais de mil os cegos invisuais existentes no Algarve.
Só em Albufeira ele conhece 12, mas – pelos sinais que lhe vão chegando - garante serem cerca de 30
Nenhum comentário:
Postar um comentário