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domingo, 7 de agosto de 2011

O ministro fala da relação da presidente com Lula, das mudanças no governo pós-Palocci e de corrupção


Gilberto Carvalho: "A Dilma não é lulodependente"


revistaepoca


Luiz Maklouf Carvalho

”Vinde a mim vós todos que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei.” Cristão de boa cepa – já quis até ser padre –, o ministro Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência, continua com o hábito de escolher, matinalmente, o versículo do dia. O da quarta-feira, 27 de julho, era este Mateus 11, 28-30. Oprimido ele não está, mas o cansaço não dá para esconder. “Isso aqui não para”, disse logo depois de voltar de mais uma reunião “com a Dilma”. É como ele a trata, alternando com o “presidenta” quando acha mais adequado. “Eu chamo mais ela de Dilma que chamava o Lula de Lula. O Lula gostava muito que a gente o chamasse de presidente.” Aos 60 anos, o ex-seminarista, ex-sindicalista e ex-dirigente do PT quer ser ex-ministro no fim deste mandato, “se a presidenta quiser que eu fique até lá”.


ENTREVISTA - GILBERTO CARVALHO

Igo estrela/ÉPOCA QUEM É
Secretário-geral da Presidência da República e ex-chefe de gabinete do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva


O QUE FEZ
Quadro histórico do PT, já foi dirigente do partido, sindicalista e seminarista. Atuou também na prefeitura de Santo André, no ABC paulista

ÉPOCA – Qual é a formulação que o senhor prefere: “o ministro Gilberto é um homem do ex-presidente Lula” ou “um homem da presidente Dilma”?
Gilberto Carvalho –
O Gilberto é um homem da dona Geracy, minha mãe. Não sou homem do Lula nem da Dilma. Tenho de fato uma intimidade com o Lula, que me honra muito. É um dado da minha vida e agradeço a Deus por ele. Mas não faço disso uma herança, e isso não me faz nem um pouco mais importante. E muito menos faz me sentir com qualquer outro tipo de poder no governo. A relação da Dilma comigo não passa por isso. Passa pela confiança e pelo desempenho que eu tenha ou deixe de ter.

ÉPOCA – De 0 a 100, quanto o senhor aposta que eles vão rachar?
Carvalho –
Zero. Mas zero total.

ÉPOCA – No curto, médio e longo prazo?
Carvalho –
Zero total.

ÉPOCA – Não é só uma questão de tempo?
Carvalho –
Não, não vai ter.

ÉPOCA – Não costuma ser assim no mundo da política.
Carvalho –
Vamos marcar um encontro para daqui a cinco anos. E vamos apostar um bom uísque. A relação dos dois é muito impressionante, muito emocionante. A Dilma tem uma noção muito clara da dimensão do Lula, do que ele significa para o país, do salto que significou para nosso povo. E também tem noção muito clara do papel que ela cumpre, de complementação, de continuidade e de aprofundamento das coisas. Não tem essa história de submissão. O Lula queria que ela mantivesse o Henrique Meirelles (no Banco Central), ela não manteve. Não é assim também não. Não é que fecha tudo direitinho. Da parte dele, tem um enorme cuidado em não ficar interferindo.

ÉPOCA – Como é que o senhor sabe?
Carvalho –
Sei porque falo com ele muitas vezes ao telefone. Acompanho isso muito de perto. Ela entende que o Lula não foi só um governante, mas o sujeito que fez o povo ficar de pé, que elevou a autoestima. E ela trabalha a partir disso: só existe Dilma porque houve o Lula.

ÉPOCA – A presidente Dilma é plenamente capaz de dizer não para Lula em qualquer pedido que ele faça?
Carvalho –
Totalmente. Eu já vi nãos da parte dela.

ÉPOCA – Pode contar?
Carvalho –
Não.

ÉPOCA – Era grave?
Carvalho –
Não, não era grave. Por exemplo: indicação de pessoas. Citei um caso, o do Meirelles, mas tem outros em que ela diz: “Olha, acho que não é o caso”. Tranquilamente. Tenho o privilégio de ter testemunhado várias conversas entre eles. A última, no final, quase chorei de ver aqueles dois seres de pé, um abraçando o outro, na porta do escritório do Alvorada, durante a crise do Palocci (Antonio Palocci, ex-chefe da Casa Civil). E ela fez uma declaração linda para ele: quanto ele era importante na orientação para ela.

ÉPOCA – Como é que funciona a relação dos dois? Eles se falam todos os dias?
Carvalho –
Não é todo dia. É quinzenal. Em São Paulo ou aqui em Brasília, eles acabam se encontrando. É uma combinação que eles têm, que não precisa ser seguida tão rigorosamente. E se falam muito por telefone. Vira e mexe ele liga.

ÉPOCA – Olhando a médio prazo, não vai haver um momento em que a presidente Dilma vai se perguntar qual é a necessidade dessa relação?
Carvalho –
Ela não tem necessidade. Ela não é uma lulodependente. De jeito nenhum. Ela tem prazer. É livre, ela curte. Ela dá muita risada com ele. É muito divertida a relação deles. Brincam muito.

ÉPOCA – Na hipótese de acontecer esse racha que o senhor já disse que não vai acontecer, de que lado vai ficar?
Carvalho –
Vou ficar do lado de quem eu achar que tem razão, que está fazendo o melhor para o país. Não nasci trabalhando com o Lula nem com ela. Briguei muito com o Lula quando achava que ele estava errado. Se tiver discordância de questões, vou brigar com ela também.

ÉPOCA – O senhor ia para cima de Lula?
Carvalho –
Um dia que o Lula me encheu muito o saco, um dia de trabalho duro, eu falei para ele: “Ô, veio, eu sou teu amigo, mas não nasci aqui. Eu posso trabalhar em outra área de governo. Porrada o dia inteiro não dá. Você bota outro cara aqui que te agrada mais”. Ele dizia: “Ô, Gilbertinho, você é bem besta mesmo, né? Não vê que eu tenho que ter alguém perto de mim em quem eu confie e possa dar porrada? Senão, vou dar porrada em quem? Vai trabalhar e não enche o saco”.

ÉPOCA – O senhor se sente com liberdade para criticar a presidente?
Carvalho –
Não tenha dúvida. Houve uma ocasião em que achei que ela tinha tratado um ministro de maneira um pouco dura numa reunião. Depois falei: “Ô, Dilma, você podia ter maneirado um pouco”.

ÉPOCA – Quem foi o ministro?
Carvalho –
Não vou dizer. Mas ela disse: “Você tem razão, Gilbertinho, é que às vezes a gente perde a paciência”. Tenho essa liberdade com ela. Claro que não faço isso na frente das pessoas.

ÉPOCA – Ser ministro é melhor que ser chefe de gabinete?
Carvalho –
Ser chefe de gabinete era mais confortável para o meu perfil. Embora fosse muita pancada, muita tensão, eu estava mais protegido, mais nos bastidores. Quando a Dilma me convidou para a Secretaria-Geral, foi um processo bem rico, porque o Lula nunca pediu.

ÉPOCA – É o que todo mundo acha.
Carvalho –
Mas nunca pediu. Quem acha isso não sabe da relação que eu tinha com a Dilma, que se fortaleceu quando ela veio para a Casa Civil e eu tive de estar colado a ela. Nós dois nos apoiamos para ela dar conta da Casa Civil, que era uma tarefa fundamental. Nunca me esqueço que logo depois ela descobriu que eu gostava da Adélia Prado (escritora mineira) e me deu um livro com a prosa reunida da Adélia. A partir dali nasceu uma amizade com muito carinho. No dia em que ela me deu posse, bateu no meu ombro e disse: “Gilbertinho, eu vou precisar muito do seu ombro”. Já se vão sete meses. Naturalmente ou prematuramente, a gente já sofreu muito.

ÉPOCA – Começando com o caso Palocci?
Carvalho –
Sempre fui muito ligado ao Palocci. Tinha noção, sem exagerar, de quanto seria ruim se ele saísse do governo. E tinha convicção de que as acusações não eram coisas ligadas ao governo. Com base nisso, saí em defesa do Palocci.

ÉPOCA – Qual foi o erro do Palocci?
Carvalho –
Nenhum erro enquanto agente do governo. Isso é que nos permitiu fazer a defesa. Vejo hoje que o que o Palocci fez, de maneira inadequada, foi acumular esses recursos da maneira como ele fez, ainda, diga-se com clareza, que tenham sido declarados. O erro não foi de juízo ético. Foi um erro político, de saber que uma pessoa que está no governo, ao amealhar uma riqueza como essa, vai se expor, porque vai suscitar um monte de dúvidas sobre as razões pelas quais aqueles que pagaram a consultoria dele o fizeram num montante tão alto.

"A saída do Palocci e a vinda da Gleisi e da Ideli deram uma renovada no ar.
Não pelo Palocci, mas porque o desenho (das atribuições) ficou mais claro"

ÉPOCA – O senhor se assustou com o tamanho da riqueza?
Carvalho –
Não me assustou, mas é evidente que surpreendeu.

ÉPOCA – O senhor tem sido citado como um ministro que representa um governo, o do presidente Lula, que não foi tão rigoroso com a corrupção.
Carvalho –
Fico meio impressionado de ver como há uma insistência em tentar plantar a Dilma como uma pessoa absolutamente ligada à ética, e o Lula como um sujeito que conviveu com a tal da corrupção. Fico revoltado. Eu vi o combate duro que se fez. Pegue as ações da Polícia Federal (PF) nos oito anos do Fernando Henrique e nos oito anos do Lula. A PF combateu os crimes de colarinho como nunca antes. A CGU (Controladoria-Geral da União) mal existia com Fernando Henrique. Não aceito essa história de que nós inventamos a corrupção.

ÉPOCA – O que mudou no dia a dia do governo com a saída de Palocci?
Carvalho –
A saída do Palocci e a vinda da Gleisi (Gleisi Hoffmann, chefe da Casa Civil) e da Ideli (Ideli Salvatti, ministra das Relações Institucionais) deram uma renovada no ar. Não pelo Palocci, mas porque o desenho ficou mais claro: relações institucionais com Ideli; Gleisi na coordenação. Essa menina é um talento. Ela aprende rapidamente, tem tino, convicção, autoridade.

ÉPOCA – O ambiente melhorou, então?
Carvalho –
Ficou um ambiente muito leve. E, a partir daí, a Dilma passou a me puxar mais. É uma ironia que justo neste momento os caras tentem plantar uma história de que eu represento, aqui dentro, o restante da corrupção do Lula, que é o que alguns editoriais tentam colocar, como se fosse oposto a Dilma. Esse é exatamente o momento em que estou mais próximo da Dilma, que a gente está discutindo mais, que ela me chama mais para decisões importantes, quer que eu consulte pessoas. Enfim... Estou adorando ser secretário-geral.

ÉPOCA – O senhor está com a presidente todos os dias? Como funciona?
Carvalho –
Todo dia, em geral mais de uma vez por dia. De manhã tem um briefing, onde participam a Helena Chagas (ministra da Comunicação Social), eu, a Gleisi, a Ideli e o Giles (Giles Azevedo, Gabinete Pessoal). É um briefing que atualiza as coisas da imprensa, entre outras coisas. A partir daí a gente tira algumas decisões e encaminhamentos que ela nos pede para fazer ao longo do dia. A volta ao gabinete naquele mesmo dia depende um pouco dos temas. É muito comum eu ir ao gabinete em algum outro momento do dia. Agora mesmo cheguei do Alvorada. Ela estava indo para o Peru e quis discutir algumas coisas com a gente.

ÉPOCA – Por exemplo?
Carvalho –
Transportes. Ela está preocupada com a montagem da nova equipe do ministério. Pediu tarefas. Ela usa muito a Gleisi, eu e a Ideli para essas coisas, para fazer consultas, para indicar, testar.

ÉPOCA – Até onde vai a determinação da presidente nessa limpeza da corrupção?
Carvalho –
Não vejo limite, não. Não vejo nenhuma tendência de recuo da Dilma nessa história. Não vejo contemplação. Não vai ter trégua para nenhum tipo de malfeito, que é a palavra que ela usa para se referir à corrupção. Ela usou na posse e tem usado sempre com a gente.

ÉPOCA – Como ela agiu, internamente, no caso dos Transportes?
Carvalho –
Tem uma coisa importante no episódio dos Transportes. Ela não demitiu o Alfredo (Alfredo Nascimento, ex-ministro dos Transportes). Ela botou a gente para informar, circunstanciar as informações, chamou o Alfredo, deu um crédito de confiança e pediu que a gente começasse a conversar com as pessoas. Nós começamos. Passaram-se dois dias. Os assessores do Alfredo, que vinham falar com a gente, diziam: “O Alfredo não segura, o Alfredo não fica”. E ela foi surpreendida, com uma matéria on-line, dizendo que o Alfredo ia pedir demissão. Em 20 minutos chega um portador com uma carta para ela. O Alfredo não veio pedir demissão, não avisou que ia pedir demissão. Ele precipitou a demissão dele, certamente porque fez a análise que competia a ele fazer. Então, a presidenta não fez nenhum ato precipitado, assoberbado. Acho que esse estilo vai continuar.

ÉPOCA – O senhor acha que ela pode radicalizar?
Carvalho –
Não vou usar a palavra radicalizar, para não dar a impressão que ela tem prazer em fazer isso. Pelo contrário, ela fica muito abatida perante esses fatos. Mas ela não vai contemporizar. E não vai permitir que o governo seja enlameado ou de alguma forma influenciado por esse tipo de situação.

ÉPOCA – Qual era sua expectativa para o desempenho da presidente Dilma? E até que ponto ela surpreendeu o senhor?
Carvalho –
Com o tamanho que o Lula tinha alcançado, havia um temor no começo de como é que a gente ia tocar isso aqui. Além disso, tinha a questão do estilo dela, mais cortante, mais duro, menos político. Mas devagar a gente vai se dando conta, primeiro, que não é verdade que ela é só gestora. Ela tem uma visão política muito forte, muito clara. É uma pessoa com uma inteligência acima da média e uma intuição política muito interessante. Tem um padrão de exigência forte, com o qual também a gente aprende a conviver. Essa coisa de dizer que a Dilma grita. O Lula gritava muito. Comigo, por exemplo, ele gritava muito mais do que ela grita. Era um tipo de relação. O Lula dava murro na mesa, falava palavrão.

ÉPOCA – A presidente grita com o senhor?
Carvalho –
Nunca gritou comigo. O Lula já gritou.

ÉPOCA – Qual é o máximo que ela sai do sério com o senhor?
Carvalho –
Não houve nenhum episódio. Ela mantém o Gilbertinho, tem muito bom humor, faz muita brincadeira sobre o Lula.

"O Lula gritava muito. Comigo, ele gritava muito mais do que ela grita.
Era outro tipo de relação. O Lula dava murro na mesa, falava palavrão"

ÉPOCA – Por exemplo?
Carvalho –
No dia que saiu no jornal que eu era um cara do Lula aqui, ela me abraçou e disse: “Gilbertinho, se você é do Lula, eu sou de quem?”. Ela se delicia muito com as coisas que ele apronta.

ÉPOCA – Qual é a importância de seu ministério no dia a dia do governo?
Carvalho –
Está na contradição, latente, e muitas vezes exposta, entre aquilo que os movimentos sociais querem e aquilo que o governo consegue realizar.

ÉPOCA – Que comparação o senhor faz entre o Lula e a presidente Dilma nestes sete meses de governo?
Carvalho –
O Lula é um animal político, que transpira na pele a percepção e a interpretação da política de uma maneira magistral. A Dilma tem visão política, mas com o centro do foco na ação, mais voltado para a gestão. No tratamento, o Lula tem uma espontaneidade e uma sedução extraordinária. A Dilma é uma pessoa simpática, mas comedida. A Dilma não é uma pessoa que te seduz de cara. Você tem de conhecê-la para ir descobrindo a grandeza que ela tem dentro dela. O Lula adorava viajar. Para ele, o contato com o Brasil era fundamental. Uma das coisas que mais ele insiste com ela é isso: ela tem de andar, tem de andar, tem de andar. E a Dilma é mais gabinete. Ela adora ficar no gabinete trabalhando, chamando, usa muito o telefone para convocar as pessoas, corrigir.

ÉPOCA – Até quando vai seu fôlego para permanecer no governo?
Carvalho –
Meu horizonte é o final deste governo, se assim a presidenta quiser. Porque isso aqui é perigoso. Isso aqui cria cacoetes, cria rituais com os quais você acaba se iludindo. Essa coisa de chamar de ministro, que eu acho um saco, diga-se de passagem. Procuro quebrar esses rituais, ainda que em certos momentos você tenha de cumpri-los. E também tem o risco de a gente começar a olhar a realidade através desses vidros e dos códigos que têm aqui dentro. Então não é bom ficar muito tempo. É bom trocar.

ÉPOCA – O que as pessoas podem esperar do governo e da presidente Dilma?
Carvalho –
Primeiro, um cuidado imenso em manter o modelo de desenvolvimento com distribuição de renda. Ela vai ficar em cima disso de um jeito maluco.

ÉPOCA – Volta e meia a corrupção atrapalha tudo. Como a presidente reage quando surgem as denúncias?
Carvalho –
A esperança dela é que esses fatos possam exemplar – que é como ela fala, usando uma expressão da mãe dela. “Vou exemplar você porque você vai aprender.” Então ela acha que essa ação vai contaminar a Esplanada para o bem. Ela é implacável nesse aspecto. O recado o tempo todo é deixado bem claro. Ela mal ouviu falar de um outro ministério, que eu não vou falar qual é, mandou chamar o ministro e disse para ele: “Ó, veio, tem um rumor aí na praça. O que acontecer vai cair em cima de você. Então você se cuide”. O aviso está dado. É nessa linha.






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