A organização não governamental (ONG) Bola Pra Frente cobra de prefeituras uma taxa de intermediação do Programa Segundo Tempo, do Ministério do Esporte, comandado por Orlando Silva, filiado ao PC do B. Documentos obtidos pelo Estado revelam que a entidade, dirigida por membros do partido, exige de prefeitos do interior paulista uma comissão para levar o Segundo Tempo para as cidades.
O programa do ministério foi criado para oferecer a crianças e jovens carentes a prática esportiva após o turno escolar e também nas férias. O esquema da Bola Pra Frente é cobrar uma espécie de "taxa de sucesso" conforme cada criança cadastrada.
Só que a ONG já recebe recursos do governo federal justamente para implantar o programa. Atualmente, a entidade, que é dirigida pela ex-jogadora de basquete Karina Rodrigues, filiada ao PC do B e vereadora na cidade de Jaguariúna (SP), mantém um contrato de R$ 13 milhões com o Ministério do Esporte.
Para beneficiar 600 crianças na cidade de Cordeirópolis com o projeto do governo federal, a Bola Pra Frente cobrou da prefeitura uma taxa mensal de R$ 15 por aluno. Segundo os documentos, a prefeitura teve de pagar R$ 90 mil no ano passado para a ONG, em parcelas mensais, num prazo de 10 dias, após o "recebimento dos serviços".
O prefeito da cidade decidiu não pagar mais pela intermediação, não renovou o contrato, e pediu em novembro passado, por ofício, a parceria direta ao Ministério do Esporte para "viabilizar a continuação do Programa Segundo Tempo" sem a necessidade de "empresas para assessoria". Até a semana passada, o ministério não havia respondido à prefeitura de Cordeirópolis.
"Principal referência". Desde 2004, a ONG Bola Pra Frente conseguiu, sem licitação, o privilégio de aplicar o Segundo Tempo no interior paulista. É a campeã de recursos recebidos do projeto do Ministério do Esporte.
Recebeu R$ 28 milhões do governo até hoje, sendo R$ 13 milhões no contrato vigente até o fim deste ano. Com o dinheiro, deveria criar núcleos esportivos nas cidades e dar aulas às crianças. O contrato não fala em parcerias com prefeituras ou algo parecido. A responsabilidade pelo projeto é da entidade.
Em entrevista ao Estado, Karina Rodrigues admitiu que o prefeito que não paga não leva o programa do governo federal. "Eu não tenho como implantar o projeto na cidade dele", disse. Karina fundou a ONG e hoje atua como "coordenadora-geral". Recebe R$ 5 mil oficiais de salário da entidade. "A Bola pra Frente é a principal referência dentro do Segundo Tempo", disse o ministro Orlando Silva numa visita à cidade de Jaguariúna (SP).
O documento assinado entre a ONG e a prefeitura de Cordeirópolis evita mencionar a palavra Segundo Tempo, mas, questionada pelo Estado, Karina acabou admitindo que a parceria se refere ao projeto do governo federal. "Sim, era o Segundo Tempo", disse, em conversa gravada.
"A contratante pagará à contratada o valor global estimado de R$ 90.000,00", diz o documento da administração municipal de Cordeirópolis, assinado pelo prefeito Carlos Cézar Tamiazo (PPS) e pela presidente da ONG, Rosa Malvina da Silva. Uma tabela explica o "valor unitário" de R$ 15 por aluno.
A mesma prática ocorreu com a prefeitura de Ourinhos (SP), que teve de pagar R$ 110 mil para receber o Segundo Tempo. Outros prefeitos relataram que é comum esse pagamento. Para tanto, simulam tomadas de preço ou aprovam projeto de lei para garantir o convênio.
Ao todo, a ONG Bola Pra Frente, cujo nome recentemente foi alterado para "Bola Pra Frente Brasil", atende cerca de 18 mil crianças. O Ministério do Esporte informou que ainda não respondeu à prefeitura de Cordeirópolis porque há pendências burocráticas a serem cumpridas pelo município. "O ministério recebeu o ofício em 6 de dezembro de 2010. Esclarecemos que o encaminhamento de ofício não é suficiente para a formalização do programa Segundo Tempo."
PARA LEMBRAR
Partido turbina caixa em todo o País com ação
Reportagens publicadas ontem pelo Estado mostraram que o programa Segundo Tempo, do Ministério do Esporte, serve para gerar dividendos eleitorais e financeiros ao PC do B em todo o País.
A reportagem visitou o programa em São Paulo, Piauí, Santa Catarina, Brasília e Goiás e flagrou entidades de fachada recebendo recursos do projeto, núcleos esportivos fantasmas, outros abandonados ou em condições precárias com crianças expostas ao mato alto e todo tipo de detritos.
Em algumas unidades faltam uniforme e calçados para as crianças, os salários de funcionários estão atrasados e a merenda, vencida.
RAIO X
Programa Segundo Tempo
Ano de criação: 2003
Quem comanda: Ministério do Esporte
Objetivo: oferecer prática esportiva para crianças e jovens carentes após o turno escolar e também nas férias
Recursos já recebidos: R$ 1,5 bilhão, até hoje
Orçamento para 2011: R$ 255 milhões
Crianças cadastradas, segundo o ministério: cerca de um milhãoFraudes no Ministério do Esporte dão lucro ao PCdoB
Cercado por fraudes, Segundo Tempo turbina caixa e políticos do PC do B
Estado de S. Paulo
Principal programa do Ministério do Esporte, comandado por Orlando Silva, o Segundo Tempo, além de gerar dividendos eleitorais, transformou-se num instrumento financeiro do Partido Comunista do Brasil (PC do B), legenda à qual é filiado o ministro. A reportagem do Estado foi conhecer os núcleos do Segundo Tempo no Distrito Federal, em Goiás, Piauí, São Paulo e Santa Catarina. A amostra, na capital e região do entorno, no Nordeste mais pobre ou no Sul e no Sudeste com melhores indicadores socioeconômicos, flagrou o mesmo quadro: entidades de fachada recebendo o dinheiro do projeto, núcleos esportivos fantasmas, abandonados ou em condições precárias.
As crianças ficam expostas ao mato alto e a detritos nos terrenos onde deveriam existir quadras esportivas. Alguns espaços são precariamente improvisados, faltam uniformes e calçados, os salários estão atrasados e a merenda é desviada ou entregue com prazo de validade vencido.
No site do ministério, o Segundo Tempo é descrito como um programa de "inclusão social" e "desenvolvimento integral do homem". Tem como prioridade atuar em áreas "de risco e vulnerabilidade social", criando núcleos esportivos para oferecer a crianças e jovens carentes a prática esportiva após o turno escolar e também nas férias. O Segundo Tempo está, majoritariamente, nas mãos de entidades dirigidas pelo partido e virou arma política e eleitoral. Só em 2010, ano eleitoral, os contratos com essas entidades somaram R$ 30 milhões.
Chuteiras novas à espera de um gramado
Duas ONGs de fachada, 32 núcleos esportivos fantasmas e 3,2 mil crianças enganadas. Esse é o saldo de dois convênios do programa Segundo Tempo no Distrito Federal. Metade do dinheiro foi liberada, as crianças preencheram fichas de inscrição, os projetos foram usados como propaganda eleitoral por políticos do PC do B, mas nunca saíram do papel.
Os núcleos esportivos deveriam funcionar em Ceilândia (cidade satélite do DF) e Novo Gama (cidade goiana). Um deles espera até hoje por um campo de futebol - por enquanto, só há mato e promessas. O vice-presidente do PC do B local, Apolinário Rebelo, usou o programa para fazer campanha e tentar se eleger deputado distrital depois de ter sido diretor de Esporte Universitário no Ministério do Esporte.
Fã do craque Robinho, o menino Rafael dos Santos Lima, 12 anos, ganhou no ano passado um par de chuteiras de R$ 60 comprado em prestações por sua mãe, a diarista Maria Ruth. O jovem queria usá-las no Segundo Tempo prometido no seu bairro, chamado América do Sul, na periferia do Novo Gama. Rafael não conseguiu até agora chutar uma bola no local. Ele está entre as crianças que preencheram as fichas de inscrição, mas não sabem o que é o Segundo Tempo.
Ministério defende seus critérios e culpa entidades
O Ministério do Esporte responsabilizou as entidades contratadas pelas falhas no Programa Segundo Tempo. Segundo o ministério, não há previsão de início das atividades dos convênios para a região do Distrito Federal mencionados na reportagem do Estado.
Em resposta ao jornal, argumentou que as ONGs de Ceilândia e Novo Gama - que já receberam metade dos recursos, mas não deram início ao programa - ainda não cumpriram algumas exigências. "Cabe à entidade parceira promover a estruturação do projeto", informou o ministério.
Em relação ao Instituto de Desenvolvimento da Criança e do Adolescente (Idec), do Novo Gama (GO), que recebeu já R$ 393 mil, o ministério afirmou que "a área técnica concluiu pela existência de pendências em ações essenciais". "No momento não há previsão para a ordem de início."
Já sobre o convênio com a Associação Ação Solidária e Inclusão Social, de Ceilândia (DF), informou que a entidade não iniciou "sequer o cadastramento dos recursos humanos e beneficiados".
ONG recebe R$ 4,2 mi e abandona núcleos
No Piauí, a logomarca do programa Segundo Tempo, do Ministério do Esporte, está estampada em muros de núcleos improvisados com tijolos e bambus. Alguns desses núcleos estão abandonados, cheios de detritos, mas têm algo em comum: apesar da precariedade, são controlados pela Federação das Associações dos Moradores do Piauí (Famepi), subordinada ao PC do B.
A entidade tem um contrato de R$ 4,2 milhões com o governo federal, sem licitação, para montar 126 núcleos e beneficiar 12 mil crianças. Seu presidente é Raimundo Mendes da Rocha, dirigente do PC do B no Piauí. Pelo menos nove integrantes da direção da federação fazem parte do comando regional do partido. Essas pessoas são designadas para coordenar o Segundo Tempo nos bairros cadastrados no Ministério do Esporte. E todas trabalharam em 2010 pela reeleição do deputado federal Osmar Júnior, presidente regional do PC do B, líder do partido na Câmara e aliado do ministro Orlando Silva.
MINISTÉRIO DO ESPORTE - 32 NÚCLEOS ESPORTIVOS FANTASMAS NO DISTRITO FEDERAL
Duas ONGs de fachada, 32 núcleos esportivos fantasmas e 3,2 mil crianças enganadas. Esse é o saldo de dois convênios do programa Segundo Tempo no Distrito Federal. Metade do dinheiro foi liberada, as crianças preencheram fichas de inscrição, os projetos foram usados como propaganda eleitoral por políticos do PC do B, mas nunca saíram do papel.
Os núcleos esportivos deveriam funcionar em Ceilândia (cidade satélite do DF) e Novo Gama (cidade goiana). Um deles espera até hoje por um campo de futebol - por enquanto, só há mato e promessas. O vice-presidente do PC do B local, Apolinário Rebelo, usou o programa para fazer campanha e tentar se eleger deputado distrital depois de ter sido diretor de Esporte Universitário no Ministério do Esporte.
Fã do craque Robinho, o menino Rafael dos Santos Lima, 12 anos, ganhou no ano passado um par de chuteiras de R$ 60 comprado em prestações por sua mãe, a diarista Maria Ruth. O jovem queria usá-las no Segundo Tempo prometido no seu bairro, chamado América do Sul, na periferia do Novo Gama.
Rafael não conseguiu até agora chutar uma bola no local. Ele está entre as crianças que preencheram as fichas de inscrição, mas não sabem o que é o Segundo Tempo.
Em Ceilândia, a entidade contratada pelo governo pertence ao casal Ronaldo Firmino da Silva e Gláucia Nunes. Na campanha eleitoral, os dois deram um depoimento à revista oficial de Apolinário Rebelo a deputado distrital: "Assim é o Apolinário, um amigo para a gente sempre estar junto".
Durante a campanha, segundo o site de Rebelo, o casal abriu a própria casa para oferecer uma galinhada ao dirigente comunista, que acabou não se elegendo.
A dupla é dona da Associação Ação Solidária e Inclusão Social, que usa os fundos da casa de um motorista de caminhão.
No dia 31 de dezembro de 2009, a entidade fechou um convênio com o Ministério do Esporte para implantar o Segundo Tempo ao longo de 2010. De um contrato de R$ 353 mil, pelo menos R$ 176 mil foram liberados em maio, a quatro meses da eleição. Nenhum dos dez núcleos esportivos previstos foi instalado. O projeto fala em mil crianças beneficiadas até março deste ano.
Só placa.
Para garantir o convênio, a ONG usou endereços de quadras públicas que jamais receberam o programa do ministério. No endereço oficial da entidade, uma grande placa anuncia a sua existência e a implantação do Segundo Tempo. A placa foi colocada durante a campanha.
A comunidade de Ceilândia reclama da falsa propaganda. "O Ronaldo veio atrás de mim com esse negócio de Segundo Tempo. Eu até preenchi umas fichas para ele, antes da eleição, e fiquei aguardando. Só que ele não me deu retorno. Por enquanto, não está funcionando nada", conta Ari dos Santos, que dá aulas de futebol na região.
Vinte e dois núcleos do programa foram cadastrados na cidade de Novo Gama, no entorno do DF, pelo Instituto de Desenvolvimento da Criança e do Adolescente (Idec), uma ONG fantasma registrada na casa do seu presidente, Ranieri Gonçalves.
No último dia de 2009, a entidade assinou um convênio no valor de R$ 787 mil com o Ministério do Esporte para instalar, em 2010, os núcleos do Segundo Tempo e beneficiar 2,2 mil jovens. Pelo menos R$ 393 mil foram liberados pelo governo. Placas fazem propaganda do projeto pela cidade, mas o programa nunca existiu - e o contrato termina em 31 de março.
No bairro América do Sul, por exemplo, onde mora Rafael, o menino das chuteiras, os núcleos são registrados na casa de um colaborador da ONG. A prática esportiva deveria ocorrer na rua ao lado, onde um terreno vazio aguarda a chance de virar campo de futebol.
‘Não veio nada’.
Crianças do bairro cruzam aquela área em seu caminho para voltar da escola. "O Segundo Tempo não chegou. Era pra fazer um campo para futebol e vôlei, mas nada aconteceu. A verba foi liberada, mas não veio nada", lamenta Fanor Teixeira, que preside a associação de moradores do bairro.
Outros quatro núcleos estão registrados num clube abandonado mantido por um vereador. Material esportivo enviado pelo Ministério do Esporte encalhou no quintal da casa do presidente da ONG.
Em busca de votos dos eleitores do DF que moram na cidade, Apolinário Rebelo (que é irmão do deputado Aldo Rebelo) visitou o Novo Gama em agosto passado e festejou ter conseguido o Segundo Tempo para os moradores.
Em seu site oficial, Apolinário Rebelo afirma que obteve o projeto com o "amigo" Ranieri Gonçalves, presidente da ONG.
Sphere: Related Content
Nenhum comentário:
Postar um comentário