Enquanto maior parte dos homens desaparecidos é de adultos, maioria das mulheres é adolescente; cadastro nacional não saiu do papel
O pôster na janela do sobradinho no Jardim das Belezas, em Carapicuíba, resume uma vida cercada de sonhos e projetos. Aos 23 anos, Ana Paula Moreno Germano saiu para trabalhar em 3 de outubro de 2009 e nunca mais voltou. Sua família a espera com o quarto ainda montado e os presentes de aniversário que não puderam ser entregues.
Ana Paula consta da lista de 13.089 pessoas que desapareceram no Estado de São Paulo entre 1.º de janeiro de 2008 e 9 de fevereiro deste ano, conforme dados da Polícia Civil. Ou 11 pessoas - mulheres, homens, crianças ou idosos - por dia.
Os homens respondem pela maior parte desse contingente: 8.544 - 1,4 mil com histórico de doença psiquiátrica, mental ou alcoolismo. Do total, 71% tinham mais de 18 anos e outros 17%, entre 13 e 18. Segundo o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), eles somem mais do que as mulheres por um conjunto de fatores: quebram vínculo familiar mais facilmente, envolvem-se mais com crime, usam mais álcool e droga.
As mulheres desaparecidas somam 4.545. Metade entrou nessa condição ainda na adolescência, diferentemente dos homens, que somem mais na fase adulta. Outras 1,6 mil (35%) já tinham mais de 18 anos. De acordo com o DHPP, as garotas normalmente fogem antes da maioridade para escapar da opressão em casa ou viver com namorado. Casos de vítimas recrutadas para exploração sexual são esporádicos.
Também estão na lista de desaparecidos 320 meninos e meninas com até 7 anos e 657 na faixa dos 8 aos 12. Às vezes, são vítimas dos próprios parentes. É comum, segundo o DHPP, serem raptados por pais divorciados.
Nesses três anos, parentes e amigos comunicaram às delegacias paulistas o sumiço de 63.150 pessoas - 19.445 na capital. Dessas queixas, 50.061 foram esclarecidas. Boa parte das pessoas reapareceu espontaneamente. Outras vítimas, entretanto, são encontradas mortas, a exemplo da advogada Mércia Nakashima, que desapareceu em maio de 2010 e foi achada sem vida no mês seguinte em uma represa. Mais 117 desaparecidos foram achados mortos no ano passado (1% das 12.099 ocorrências esclarecidas em 2010). Além de homicídio, há vítimas de acidentes de trânsito, afogamento e suicídio.
O DHPP atribui a dificuldade nas investigações a fatores como extensão do território brasileiro, falta de informações de familiares (que às vezes desconhecem a rotina do parente), inexistência de um sistema unificado de identidade no País e descumprimento pelos hospitais de lei que os obriga a informar à Delegacia de Desaparecidos quando um paciente em estado grave chega desacompanhado.
Paralelamente ao trabalho da polícia, profissionais liberais e entidades lutam para ajudar as famílias. Em fevereiro de 2003 entrou no ar o site Desapareceu, criado pelo webdesigner Stylianos Mandis Junior, para ajudar a divulgar fotos de desaparecidos. "Vi que alguns sites cobravam e resolvi ajudar. Temos uma lista com 27 mil cadastrados." Na ONG Caminho de Volta, ligada à Faculdade de Medicina da USP, profissionais dão apoio psicológico a parentes e também há um banco de dados.
Projeto parado. Em fevereiro do ano passado, o governo federal lançou o Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas. Seria uma ferramenta importante, que funcionaria online, com dados de desaparecidos de São Paulo e outros Estados. Mas, segundo Ivanise Esperidão, presidente da ONG Mães da Sé, apesar da utilidade, o sistema ainda não entrou em operação. "Fico muito triste. Sou mãe e criei expectativas muito grandes de identificar minha filha e outras pessoas."
A filha de Ivanise sumiu aos 13 anos, em 1996. Procurado, o Ministério da Justiça, responsável por "questões operacionais do cadastro", não respondeu.Sphere: Related Content
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