[Valid Atom 1.0]

domingo, 28 de novembro de 2010

Sem alternativa aos cortes salariais


Entrevistas
  • 2010-11-27

Margarida Proença, economista da Universidade do Minho, afirma que a redução dos salários dos funcionários públicos e das prestações sociais é o único remédio para combater, no imediato, a actual crise económica e financeira. A vice-reitora, em entrevista ao programa ‘Primeiro Plano’ da rádio ‘Antena Minho’, lamenta que os políticos tenham deixado de colocar limites ao funcionamento dos mercados e antevê ainda mais desemprego no distrito de Braga.

P - Escreveu num artigo de opinião no ‘Correio do Minho’, no final de 2009, que Portugal poderia ir para bancarrota, que o défice era muito alto e o desemprego também. Recordou um ‘slogan’ dos anos 70: ‘Pão, paz, saúde e educação’. Ainda se mantém válido esse objectivo?
R - Esta questão que me está a colocar é muito difícil. Quando fiz referência a esse slogan era para indicar que as questões fundamentais são aquelas que precisam de ser resolvidas. Têm mesmo de ser resolvidas. A economia é uma área muito complexa, tem a ver com escolhas, e muitas vezes esquecemo-nos disso. Todos os dias temos de fazer escolhas sobre o que vamos produzir, como vamos produzir, como é que vamos contratar, como vamos pagar, o que é que vamos comprar. A política também é uma escolha que se suporta sobre uma actividade económica. A economia portuguesa. Reage mais devagar quando é atingida pela crise e também demora mais tempo a sair dela.

P - Aquelas questões que são essenciais para o cidadão continuam por resolver? Uma greve geral como a desta semana é uma chamada de atenção, um sinal de protesto?
R - A greve, sendo um direito dos trabalhadores, não a devemos sequer questionar. Se vai resolver alguma coisa, eu acho que não vai. É uma manifestação de preocupação dos trabalhadores. Eu vou ter um corte salarial de 11 por cento a partir de 1 de Janeiro. Se me pergunta se estou satisfeita, não estou.

P - Mas concorda com essa decisão do Governo?
R - Acho que não há outro remédio. Temos a consciência clara de que não há outra solução.

P - Quando diz que a economia e a política têm a ver com escolhas, isso contraria a ideia que vai passando nestes tempos de que os mercados é que mandam. Cada cidadão por si tem algum poder de decisão?
R - O mercado é feito de pessoas, de organizações, de empresas. O mercado é uma figura que, de facto, não existe, o que existe é a confluência dos interesses de nós todos. Aquilo que complica muito a situação que nós vivemos a uma escala global. Podemos ficar convencidos de que o problema que se passa em Portugal é só nosso, que esta crise é provocada por decisões erradas dos políticos no passado recente ou menos recente, mas o problema é que isso não é verdade.

P - O chanceler alemã diz que o que está em jogo é o primado da política que não tem de estabelecer limites aos tais mercados. Isto é uma capitulação do poder político perante os tais mercados de que ninguém conhece o rosto?
R - Eu acho que um dos problemas que nos faz sair mais lentamente das crises é o nosso pessimismo. É preciso ter algum grau de optimismo face ao funcionamento do mercado. Quando estamos a subir a montanha, quanto tudo nos corre bem, acreditamos que o futuro é azul e tem flores. Na década de 90, os mercados financeiros foram crescendo à vontade, havia cada vez mais dinheiro a circular, dinheiro que não correspondia a nada. O mundo crescia, os países emergentes cresciam a uma taxa extraordinária e todos nós nos convencemos que tudo isto acontecia porque o mercado funcionava muito bem. Portanto, devíamos deixar o mercado funcionar livremente. Esse foi o erro político. Se nós imaginarmos que há um mercado em que todas as pessoas têm informação completa e verdadeira e que todos nós tomamos decisões perfeitamente racionais, não precisamos dos políticos. Só que esse mundo não existe. Os políticos deixaram de colocar limites ao funcionamento dos mercados, deixou de haver regulação. Nós imaginámos que o crescimento económico seria sempre cada vez maior. Hoje, confirma-se que sem regulação os mercados não funcionam bem. Nós todos, que somos os agentes do mercado, não tomamos sempre as decisões correctas.

P - O que é os portugueses têm que os leva a reagir lentamente aos problemas? Lembramo-nos dos escritos de Eça de Queirós sobre Portugal e parece que o país não mudou?
R - Eu acho que Portugal muda. Se olharmos para aquilo que era Portugal nos anos 60... Lembro-me de demorar 11 horas de comboio de Castelo Branco a Lisboa. Portugal muda, mas tem mudado sempre devagar. O nível educacional de Portugal ainda é dos mais baixos da União Europeia, apesar do crescimento muito significativo do número de licenciados e de a investigação científica ter dado um salto notável nos últimos três, quatro anos. Mas nós partimos de muito atrás. Se nós temos um nível educacional baixo, a produtividade é baixa.

P - A tendência não é para mantermos esse nível educacional baixo?
R - Nós vivemos num mundo que é marcado cada vez mais pelo progresso tecnológico. Também em Portugal a estrutura produtiva tem mudado. As nossas exportações, hoje, já são de tecnologia média e alta. Já estamos com processos produtivos significativamente mais avançados do que há 10, 15 anos atrás, o que exige trabalhadores mais bem preparados.

P - As exportações são apontadas como um aspecto importante para equilibrar as nossas contas. Essa área das exportações tem peso suficiente para fazer esse equilíbrio, ou os sectores mais tradicionais como o têxtil e o calçado têm ainda muito peso?
R - Para equilibrar as contas não tem peso suficiente. Portugal precisa de importar. Portugal não tem matérias-primas, precisa de importar máquinas para o sector produtivos e produtos alimentares. Com o crescimento económico que houve em Portugal e com a globalização, queremos ter todas as coisas que os outros têm em todo o mundo. A importação de produtos de luxo e de outros menos necessários é muito significativa em Portugal. Tradicionalmente, a balança comercial portuguesa é deficitária. O que importamos é mais caro do que o que exportamos. As nossas exportações têm um valor acrescentado mais baixo do que as importações. Essa situação está a alterar-se ultimamente.

P - Afirmou recentemente que em 2011 haverá uma quebra significativa na nossa economia, que poderemos ter uma recessão. Isso quer dizer que o FMI é inevitável?
R - A recessão não é certa. Os sinais em Portugal são, apesar de tudo, positivos. O problema são os indicadores de confiança. Se o tecido empresarial não acredita, se as notícias são todas muito más, não se investe e não se consome. Tudo isto é areia que faz funcionar mal a máquina. Era bom que houvesse mensagens de maior optimismo na economia. Com as indicações publicadas há oito dias não podemos falar em recessão, agora o desemprego é mais lento a reagir. Acho que o desemprego ainda vai aumentar.

P - Fala da necessidade de mensagens positivas, mas o que recebemos todos os dias são mensagens que dizem que Portugal vem a seguir à Irlanda...
R - Isso é muito gerado aqui em Portugal.

P - Por responsabilidade da nossa classe política?
R - É responsabilidade de toda a classe política.

P - É o nosso pessimismo de que falava atrás?
R - Nós somos pessimistas. Nós gostamos muito de fazer grandes debates e só depois é que começamos a actuar.

P - Diz que o desemprego vai continuar a aumentar. Como é que se pode estancar uma situação dessas, se o país tem dificuldades em crescer, se as exportações não conseguem aliviar muito o peso do défice?
R - As exportações são a grande possibilidade das nossas empresas. O mercado português não tem dimensão para absorver a maior parte do que se produz em Portugal. Acho que não fazia mal haver alguma preocupação em comprar português. Dava algum sentido, passava uma mensagem de alguma confiança aos empresários e podia tender a diminuir as importações. Mas isto tem de ser muito controlado, porque vivemos num mercado aberto.

P - Estamos num distrito que é particularmente afectado pelo problema do desemprego. Não escaparemos ao agravamento do desemprego nos próximos tempos?
R - Neste momento, são as empresas mais tradicionais, com valor acrescentado mais baixo, que concorrem no preço, aquelas que são confrontadas pela concorrência da China e da Índia. Será em empresas desse tipo que o desemprego poderá aumentar.

P - Temos exemplos no distrito de Braga de empresas tecnológicas com crescimentos notáveis.
R - As exportações portuguesas que têm aumentado são exactamente as dos sectores com média e alta tecnologia incorporada.

P - Mas essas são empresas com menor expressão em termos de volume de mão-de-obra.
R - Exactamente.

P - O que quer dizer que o crescimento absoluto do desemprego continuará a acontecer.
R - Nós estamos a alterar a nossa estrutura produtiva. Parte do desemprego é quase estrutural: temos muitas pessoas com níveis educacionais baixos, que perderam o emprego e que vão ter alguma dificuldade em recuperá-lo.

P - Considera que a nossa legislação laboral é demasiado rígida?
R - Alguns autores dizem que sim, ou-tros dizem que ela é rígida, mas que é flexível na forma como é aplicada. É capaz de ser assim. Quanto mais mobilidade as pessoas tiverem, mais fácil é a saída de uma situação de desemprego. Em Portugal, porque temos um nível muito elevado de habitação própria, temos um nível muito baixo de mobilidade.

P - A mentalidade empresarial no distrito de Braga não ainda um pouco a dos anos 60 e 70?
R - Fala-se de Braga como um potencial ‘Silicon Valley’ à escala portuguesa. Houve aqui uma capacidade muito grande de criar empresas tecnologicamente avançadas. Acho que isso é inegável e que a Universidade do Minho teve um papel importante porque formou os potenciais trabalhadores e os potenciais novos empresários. O que acontece em Braga e no resto do país é que o empresário médio, com 50 ou 60 de idade, não fez formação. É um empresário muito esforçado, mas que tem um nível educacional baixo, que não alterou muito as suas estruturas produtivas.

P - E que pratica baixos salários.
R - Obviamente. Se ele tem uma produção de valor acrescentado baixo, não tem escolha. Produz um produto que é potencialmente produzido por qualquer empresa em qualquer parte do mundo.

P - Também tem apontado a burocracia e o nosso sistema de Justiça como entraves ao surgimento de empresas mais inovadoras...
R - Absolutamente. Imagine que eu faço um contrato com uma empresa sua para a compra de uma máquina e não pago porque sei que se você for para tribunal só daqui a meia dúzia de anos é que tenho o problema resolvido. Quanto mais lentamente funcionar a Justiça, maior é o interesse potencial para o não cumprimento. Está comprovado que os atrasos no funcionamento do sistema judicial estão directamente relacionados com dificuldades no funcionamento da actividade económica e induz menos crescimento económico. A reforma da Justiça é aquela grande reforma que faz grande falta.

P - Concorda com as medidas tomadas pelo Governo no que respeita ao corte nas prestações sociais?
R - Tudo isto é inevitável. Nós não tínhamos um sistema de segurança social eficaz. O sistema começou a ser montado verdadeiramente em finais da década de 70. Depois de recebermos fundos da União Europeia e de termos um crescimento económico significativo, cresceu muito a despesa. Nós temos um sistema de reformas que era extremamente simpático na Função Pública. A par disso, todo o sistema de educação e saúde é gratuito. Segundo as últimas estatísticas, a esperança média de vida aumentou 2,44 anos desde 2000. No sector público, neste período de tempo, aumentou o número de funcionários porque os sistemas de educação e saúde explodiram. Nada disto é grátis.

P - Escreveu recentemente que as prestações sociais e os salários dos funcionários públicos representam 90 por cento da despesa primária do Estado. É uma percentagem incomportável?
R - É incomportável porque a estrutura não tem tendência a diminuir. Nós protestamos, mas os cuidados de saúde que recebemos são muito bons, são prestados com qualidade. Hoje temos uma saúde que é muito cara e a tendência é para se tornar cada vez mais cara.

P - Até que nível é admissível reduzir os gastos do chamado Estado Social?
R - Nós falamos de contribuintes, os ingleses falam de ‘tax payers’. Eu acho que a educação é um bem público, que a saúde é demasiadamente importante para estar apenas no sector privado. As pessoas não podem voltar ao tempo de vender o ouro para ir ao médico. Temos também de ter condições para assegurar que as pessoas saiam da pobreza. E, na minha opinião, só se sai da pobreza com educação. O Estado tem de assegurar a saúde, a educação e a parte social. Mas vamos pensar assim: É possível continuar a dar tudo a tanta gente? Não é.

P - Há algum tempo subscreveu um manifesto a favor das obras públicas como saída para a actual crise. Continua a manter essa posição quando parecem ser agora poucos os que defendem o TGV e o novo aeroporto de Lisboa?
R - A função do Estado, para além de fornecer os serviços públicos, é também investir em infraestruturas que mais ninguém vai fazer. Eu acho que o TGV é muito importante. Nós estamos num mundo global, Portugal é um país periférico. Se toda a Europa tiver comboio de alta velocidade e se nós não o tivermos, ficaremos ainda mais periféricos. E a periferia paga-se muito, muito, muito cara.

P - Concorda com uma ligação entre Porto e Lisboa?
R - Não. Entendo como importantes todas as ligações para o exterior.

P - Incluindo Porto-Vigo?
R - Exactamente. Porto-Vigo e Lisboa-Madrid.

P - E o argumento dos que dizem que o financiamento do TGV vai ‘secar’ o financiamento das pequenas e médias empresas...
R - Do ponto de vista económico, tem sido comprovado que o excesso de investimento público reduz o investimento privado. No que diz respeito ao TGV, grande parte desse investimento ia ser feito com fundos comunitários muito condicionados a essa utilização e que não podem ser transferidos. Eu creio que Portugal poderá vir a ter problemas com a devolução de fundos comunitários.

P - Qual é o resultado da aplicação do dinheiro que recebemos de Bruxelas nestes anos?
R - Infra-estruturas. Hoje temos um rácio de estradas e auto-estradas verdadeiramente impressionante. A educação mudou lentamente alguma coisa.

P - Quer dizer que investimos muito em infraestruturas e menos na qualificação. Fomos comparados, negativamente, com a Irlanda que está agora na situação que está.
R - Tem toda a razão, mas em Portugal, apesar de todas as críticas que fazemos ao sector bancário, este é mais conservador do que o sector bancário irlandês. O problema da Irlanda é o sector bancário.

P - A Universidade do Minho não irá escapar às medidas de austeridade anunciadas para o próximo ano. Quais serão as consequências dessas medidas para a vida da Universidade?
R - A Universidade do Minho pertence ao sector público e, por isso, iremos sofrer os cortes salariais que estão orçamentados. A Universidade vai também ter de pagar uma comparticipação maior para a ADSE: 2,5 por cento, o que é significativo. O orçamento que a Universidade vai receber este ano é menor que o do ano passado. Vamos ter de ser mais eficientes na utilização dessas verbas, sendo certo que isso não pode pôr em causa a qualidade daquilo que é oferecido.

P - A preocupação das pessoas que trabalham na Universidade do Minho é saber o seu futuro. Vai haver uma diminuição dos quadros de pessoal?
R - Não está em cima da mesa essa hipótese. O Orçamento de Estado só foi aprovado agora e as últimas discussões que estão a ser feitas podem produzir algumas alterações. Uma das coisas a que estamos a assistir é que as coisas mudam muito rapidamente todos os dias. Neste momento, a informação que temos é que não haverá possibilidade de abertura de novos concursos para trabalhadores não docentes, mas não há risco nenhum de despedimentos. A mesma coisa para os docentes. A questão é de massa salarial.

P - A Universidade do Minho tem, a partir deste ano lectivo, um conjunto de novos cursos. Está a leccionar esses cursos com o mesmo número de docentes e funcionários?
R - É preciso ser mais eficiente. A eficiência significa apenas que as mesmas pessoas vão ter de ser cada vez mais produtivas. Vamos conseguir manter todas as pessoas que temos a trabalhar.

P - Para o investimento em infraestruturas, as coisas estão mais complicadas?
R - Este ano já se conseguiram fazer algumas melhorias efectivas no que diz respeito a infraestruturas. Vamos agora concorrer a programas comunitários para termos outras fontes de financiamento para projectos infraestruturais. Em cima da mesa está uma hipótese que a Universidade do Minho está a discutir, que é a passagem a Fundação.

P - A Fundação permitirá outras possibilidades de financiamento?
R - Exactamente.

P - O chamado ‘contrato de confiança’ assinado com o Governo e que prevê uma verba à margem do orçamento da Universidade do Minho está a ser cumprido?
R - A Universidade do Minho recebeu em 2010 quase mais nove milhões de euros por essa via. Foi bom e foi importante.

P - É um apoio que se vai manter?
R - Para 2011, já sabemos qual é o orçamento que a Universidade do Minho vai ter. Tem alguma redução relativamente a 2010. Neste momento, o contrato de confiança já está dentro do orçamento global.

P - A aposta dos novos cursos em horário pós-laboral foi uma aposta ganha pela Universidade do Minho?
R - Sem dúvida alguma que os resultados que a Universidade do Minho teve, quer de procura, quer de inscrição nos novos cursos, foram absolutamente notáveis.

P - E vamos ser claros: esta é uma forma de financiamento da Universidade do Minho.
R - Com certeza. A Universidade do Minho não se financia de forma alguma apenas com o orçamento que recebe da administração central. A Universidade do Minho tem receitas próprias que são significativas e as propinas são importantes.

P - Qual é o peso das receitas próprias no orçamento da Universidade do Minho?
R - Andará pelos 40 por cento.




LAST

Sphere: Related Content
26/10/2008 free counters

Nenhum comentário: