28 de novembro de 2010 • 00h10
Policial rola no chão para não ser atingido no Complexo do Alemão
Foto: Reinaldo Marques/Terra
Policiais, civis e militares enfrentam uma rotina de guerra enfrentada ao longo da última semana contra traficantes que vêm dando ordens para que veículos sejam incendiados em diversos pontos do estado. Por determinação da Secretaria de Segurança, folgas e férias foram cortadas. Horas de sono muito reduzidas, higiene pessoal precária e alimentação prejudicada. Com todas as dificuldades, os combatentes concluem que o mais complicado é o afastamento dos familiares.
Há 10 anos lotado no Batalhão de Operações Especiais (Bope), Alexandre Paulino, 38 anos, é o orgulho do filho de 4 anos. "Meu pai pega os homens maus", disse, apontando para foto da favela Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha. "Ele fica pedindo para que eu volte logo. Aí é que você se empenha mais e redobra a atenção pensando em voltar para casa", disse Paulino, que na sexta-feira completava três dias na ocupação.
O sacrifício é o mesmo para toda a tropa de elite da PM: ficam sem banho, se alimentam, quando podem, com lanches padronizados duas vezes por dia (água de coco, sanduíche, barra de cereal, frutas, repositores energéticos e água mineral) e se revezam para dormir à noite por duas horas.
"Tenho dormido entre 2 e 3 horas por noite e só falo com minha esposa e meus três filhos por telefone. Quando vou em casa, saio e chego quando eles ainda dormem. Já perdi uns dois quilos. Mas o trabalho de recuperação de um território está recompensando", destacou o sargento Santanna, 44 anos, lembrando que é admirado pelo filho de 11 anos. "Em festas de aniversários dos amigos dele, vários coleguinhas me perguntam se sou do Bope e pedem para tirar foto comigo", diz.
O cabo André, 36 anos, revela que a rotina de alimentação fica bastante alterada com as operações diárias. "Costumo comer arroz, feijão, salada e uma carne, o que não ocorre em dias de ação. Mas o Bope nos fornece alimentação", conta o policial. Acostumada a trabalhar um dia e folgar outros três, sendo um dedicado a instrução, a tropa de 400 homens não tem previsão de descanso.
A Polícia Civil também mudou a escala de seus homens. O inspetor Marcos Pinheiro, lotado na Delegacia de Roubos e Furtos de Automóveis (DRFA), há dois dias tenta convencer a mulher de que está bem. "Ela fica assistindo às imagens das televisões e me ligando o tempo todo com o coração na mão", relata. Segundo ele, nem todos os policiais aguentarão o ritmo repetido nos últimos dias. "Eu mesmo acho que aguento um mês nessa pegada", confessou.
Desde o início dos ataques, no último domingo, pelo menos 38 pessoas morreram em confrontos no Rio de Janeiro.
Violência
Os ataques tiveram início na tarde de domingo, dia 21, quando seis homens armados com fuzis abordaram três veículos por volta das 13h na Linha Vermelha, na altura da rodovia Washington Luis. Eles assaltaram os donos dos veículos e incendiaram dois destes carros, abandonando o terceiro. Enquanto fugia, o grupo atacou um carro oficial do Comando da Aeronáutica (Comaer) que andava em velocidade reduzida devido a uma pane mecânica. A quadrilha chegou a arremessar uma granada contra o utilitário Doblò. O ocupante do veículo, o sargento da Aeronáutica Renato Fernandes da Silva, conseguiu escapar ileso. A partir de então, os ataques se multiplicaram.
Na segunda-feira, cartas divulgadas pela imprensa levantaram a hipótese de que o ataque teria sido orquestrado por líderes de facções criminosas que estão no presídio federal de Catanduvas, no Paraná. O governo do Rio afirmou que há informações dos serviços de inteligência que levam a crer no plano de ataque, mas que não há nada confirmado. Na terça, a polícia anunciou que todo o efetivo foi colocado nas ruas para combater os ataques e foi pedido o apoio da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para fiscalizar as estradas. Foram registrados 12 presos, três detidos e três mortos.
Na quarta-feira, com o policiamento reforçado e as operações nas favelas, 15 pessoas morreram em confronto com os agentes de segurança, 31 foram presas e dois policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) se feriram, no dia mais violento até então. Entre as vítimas dos confrontos, está uma adolescente de 14 anos, que morreu após ser baleada nas costas. Além disso, 15 carros, duas vans, sete ônibus e um caminhão foram queimados no Estado.
Ainda na quarta-feira, o governo do Estado transferiu oito presidiários do Complexo Penitenciário de Gericinó, na zona oeste do Rio, para o Presídio Federal de Catanduvas, no Paraná. Eles são acusados de liderar a onda de ataques. Outra medida para tentar conter a violência foi anunciada pelo Ministério da Defesa: o Rio terá o apoio logístico da Marinha para reforçar as ações de combate aos criminosos. Até quarta-feira, 23 pessoas foram mortas, 159 foram presas ou detidas e 37 veículos foram incendiados no Estado
Na quinta-feira, a polícia confirmou que nove pessoas morreram em confronto na favela de Jacaré, zona norte do Rio. Durante o dia, 200 policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) entraram na vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, na maior operação desde o começo dos atentados. Os agentes contaram com o apoio de blindados fornecidos pela Marinha. Quinze pessoas foram presas ao longo do dia e 35 veículos, incendiados.
Durante a noite, 13 presidiários que estavam na Penitenciária de Segurança Máxima de Catanduvas, no Paraná, foram transferidos para o Presídio Federal de Porto Velho, em Rondônia. Entre eles, Marcinho VP e Elias Maluco, considerados, pelo setor de inteligência da Secretaria Estadual de Segurança, diretamente ligados aos atos de violência ocorridos nos últimos dias. Também à noite, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, assinou autorização para que 800 homens do Exército sejam enviados para garantir a proteção das áreas ocupadas pelas polícias. Além disso, o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, anunciou que a Polícia Federal vai se integrar às operações.
Na sexta-feira, a força-tarefa que combate a onda de ataques ganhou o reforço de 1,1 mil homens da Brigada de Infantaria Paraquedista do Exército e da Polícia Federal, que auxiliaram no confronto com traficantes no Complexo do Alemão e na vila Cruzeiro. Segundo a Secretaria de Segurança Pública, a polícia permanecerá nas favelas por tempo indeterminado. A troca de tiros entre policias e bandidos no Complexo do Alemão matou o traficante Thiago Ferreira Farias, conhecido como Thiaguinho G3. Uma mulher de 61 anos foi atingida pelo tiroteio na favela e resgatada por um carro blindado da polícia. Foram registrados quatro mortos e dois feridos ao longo do dia. Um fotógrafo da agência Reuters foi baleado no ombro e hospitalizado.
Na parte da noite, o Departamento de Segurança Nacional (Depen) confirmou a transferência de 10 apenados do Rio de Janeiro para o presídio federal de Catanduvas (PR). Também à noite, a Justiça decretou a prisão de três advogados do traficante Marcinho VP e a Polícia Civil anunciou a prisão de sua mulher por lavagem de dinheiro.
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