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domingo, 28 de novembro de 2010

#RIO Guerras, traições e mortes marcam história do Complexo do Alemão


28 de novembro de 2010 02h11 atualizado às 03h41


27 de novembro - a noite chega ao Complexo do Alemão. Foto: AFP

Traficantes estão encurralados pela polícia nas favelas do Complexo do Alemão
Foto: AFP


Uma indústria de dinheiro e sangue. O império das armas do Complexo do Alemão começou a ser erguido nos anos 90. Sempre com guerras, traições e mortes. E um exército de quase 300 homens armados com fuzis e pistolas de última geração, que transformou a quadrilha numa potência militar, aniquilou inimigos e obrigou milhares de moradores do subúrbio da Leopoldina a viver sobre um barril de pólvora. Bem mais: virou a sucursal da fronteira Brasil-Paraguai - espécie de zona franca do crime, onde bandidos de outras favelas passam o dia negociando drogas.

A história de 20 anos de domínio do tráfico começa a ser escrita nos bairros da Penha, Ramos e Olaria por Orlando da Conceição Filho, o Orlando Jogador. Criado no Engenho da Rainha, o ex-soldado da quadrilha de Amarílio da Glória Venâncio, o China, derrubou o chefe e assumiu, em 1990, o controle do Morro do Alemão. Em dois anos, arrendou as bocas das comunidades vizinhas (uma novidade à época) e estendeu seus limites até o Complexo da Penha. Alguns cederam território em troca de pensão mensal. Quem resistiu, acabou morto.

Jogador lançava o Complexo do Alemão como nova opção de entreposto do Comando Vermelho às quadrilhas da Zona Sul, que viviam em guerra. E foi graças a toques de "marketing", como o de garantir "qualidade" aos consumidores, que transformou bocas de fumo de baixa rentabilidade em próspero negócio. Segundo levantamento da Delegacia de Repressão a Entorpecentes da Polícia Federal, em 1993 a quadrilha vendia 10 kg de cocaína por semana. Parte do dinheiro era investido na "proteção" do império, com a compra de armas sofisticadas - o traficante foi um dos primeiros do Rio de Janeiro a adquirir os fuzis americanos AR-15.

Nesta época, Jogador contava com 100 homens armados, sendo 20 na sua proteção pessoal. Outra razão para o "sucesso" estava nos laços estreitos que sempre fez questão de dizer que mantinha com a polícia: assim, ficava distante da cadeia e livre da ação dos inimigos.

O tamanho do império despertou a cobiça. Seu maior parceiro, Ernaldo Pinto de Medeiros, o Uê, tramou a emboscada que terminou com a morte do traficante e 14 aliados, em junho de 94, e rachou o Comando Vermelho. Uê não durou muito no comando. Foram três meses até chegar ao poder Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, então um rapaz de 17 anos. É ele quem, atualmente preso, comanda a onda de terror que tem apavorado o Rio nos últimos dias.

Ao assumir o poder, Marcinho VP levou ao Alemão a política "faca entre os dentes": eliminou quem o desafiava e lançou ofensiva para matar Uê e vingar a morte de Jogador. Em 2002, Uê foi morto carbonizado dentro do Presídio de Bangu 1. Para isso, Marcinho VP teve apoio de Fernandinho Beira-Mar.

Dezenas de mortes em ações policiais
O Complexo do Alemão guarda a história de pelo menos três grandes ataques da polícia lançados nos últimos anos e com 55 mortos. A última, há três anos, 19 pessoas morreram. Nas investidas, o alvo sempre foi a quadrilha de Marcinho VP, que não só herdou o arsenal de Jogador como ampliou o paiol - hoje, ele contaria com pelo menos 200 fuzis e metralhadoras ponto 30.

Com as guerras e tiroteios, as bocas de-fumo no complexo não registram a frequência de usuários dos anos 90. Mas para o tráfico pouco importa: a receita de Marcinho VP triplicou desde que assumiu a distribuição de maconha e cocaína para outros morros do Rio. E mais: passou a investir nos bailes funk para atrair jovens de classe média e vender drogas. Além disso, há a cobrança de propinas do transporte alternativo.

Nos complexos do Alemão e da Penha vivem hoje os "donos" do tráfico do Chapadão, Juramento, Mangueirinha, em Caxias, e até Marcelo da Silva Leandro, o Marcelinho Niterói, homem de confiança de Beira-Mar. Sem contar os traficantes expulsos das favelas ocupadas pelas Unidades de Polícia Pacificadora.

A quadrilha de Marcinho é acusada de vários homicídios, entre eles o do jornalista da TV Globo Tim Lopes. O repórter foi sequestrado e morto quando produzia matéria sobre prostituição infantil e tráfico nos bailes funk da Vila Cruzeiro, em 2002. O principal acusado, Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, foi condenado a 28 anos e seis meses de prisão.

Violência
Os ataques tiveram início na tarde de domingo, dia 21, quando seis homens armados com fuzis abordaram três veículos por volta das 13h na Linha Vermelha, na altura da rodovia Washington Luis. Eles assaltaram os donos dos veículos e incendiaram dois destes carros, abandonando o terceiro. Enquanto fugia, o grupo atacou um carro oficial do Comando da Aeronáutica (Comaer) que andava em velocidade reduzida devido a uma pane mecânica. A quadrilha chegou a arremessar uma granada contra o utilitário Doblò. O ocupante do veículo, o sargento da Aeronáutica Renato Fernandes da Silva, conseguiu escapar ileso. A partir de então, os ataques se multiplicaram.

Na segunda-feira, cartas divulgadas pela imprensa levantaram a hipótese de que o ataque teria sido orquestrado por líderes de facções criminosas que estão no presídio federal de Catanduvas, no Paraná. O governo do Rio afirmou que há informações dos serviços de inteligência que levam a crer no plano de ataque, mas que não há nada confirmado. Na terça, a polícia anunciou que todo o efetivo foi colocado nas ruas para combater os ataques e foi pedido o apoio da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para fiscalizar as estradas. Foram registrados 12 presos, três detidos e três mortos.

Na quarta-feira, com o policiamento reforçado e as operações nas favelas, 15 pessoas morreram em confronto com os agentes de segurança, 31 foram presas e dois policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) se feriram, no dia mais violento até então. Entre as vítimas dos confrontos, está uma adolescente de 14 anos, que morreu após ser baleada nas costas. Além disso, 15 carros, duas vans, sete ônibus e um caminhão foram queimados no Estado.

Ainda na quarta-feira, o governo do Estado transferiu oito presidiários do Complexo Penitenciário de Gericinó, na zona oeste do Rio, para o Presídio Federal de Catanduvas, no Paraná. Eles são acusados de liderar a onda de ataques. Outra medida para tentar conter a violência foi anunciada pelo Ministério da Defesa: o Rio terá o apoio logístico da Marinha para reforçar as ações de combate aos criminosos. Até quarta-feira, 23 pessoas foram mortas, 159 foram presas ou detidas e 37 veículos foram incendiados no Estado

Na quinta-feira, a polícia confirmou que nove pessoas morreram em confronto na favela de Jacaré, zona norte do Rio. Durante o dia, 200 policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) entraram na vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, na maior operação desde o começo dos atentados. Os agentes contaram com o apoio de blindados fornecidos pela Marinha. Quinze pessoas foram presas ao longo do dia e 35 veículos, incendiados.

Durante a noite, 13 presidiários que estavam na Penitenciária de Segurança Máxima de Catanduvas, no Paraná, foram transferidos para o Presídio Federal de Porto Velho, em Rondônia. Entre eles, Marcinho VP e Elias Maluco, considerados, pelo setor de inteligência da Secretaria Estadual de Segurança, diretamente ligados aos atos de violência ocorridos nos últimos dias. Também à noite, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, assinou autorização para que 800 homens do Exército sejam enviados para garantir a proteção das áreas ocupadas pelas polícias. Além disso, o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, anunciou que a Polícia Federal vai se integrar às operações.

Na sexta-feira, a força-tarefa que combate a onda de ataques ganhou o reforço de 1,1 mil homens da Brigada de Infantaria Paraquedista do Exército e da Polícia Federal, que auxiliaram no confronto com traficantes no Complexo do Alemão e na vila Cruzeiro. Segundo a Secretaria de Segurança Pública, a polícia permanecerá nas favelas por tempo indeterminado. A troca de tiros entre policias e bandidos no Complexo do Alemão matou o traficante Thiago Ferreira Farias, conhecido como Thiaguinho G3. Uma mulher de 61 anos foi atingida pelo tiroteio na favela e resgatada por um carro blindado da polícia. Foram registrados quatro mortos e dois feridos ao longo do dia. Um fotógrafo da agência Reuters foi baleado no ombro e hospitalizado.

Na parte da noite, o Departamento de Segurança Nacional (Depen) confirmou a transferência de 10 apenados do Rio de Janeiro para o presídio federal de Catanduvas (PR). Também à noite, a Justiça decretou a prisão de três advogados do traficante Marcinho VP e a Polícia Civil anunciou a prisão de sua mulher por lavagem de dinheiro.


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