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sábado, 22 de novembro de 2008

Dependência Química



* André Malbergier

A dependência química é uma síndrome caracterizada pela perda do controle do uso de determinada substância psicoativa. Os agentes psicoativos atuam sobre o sistema nervoso central, provocando sintomas psíquicos e estimulando o consumo repetido dessa substância. Alguns exemplos são o álcool, as drogas ilícitas e a nicotina.
Considerada uma doença, a dependência química apresenta os seguintes sintomas:
• Tolerância: necessidade de aumento da dose para se obter o mesmo efeito;
• Crises de abstinência: ansiedade, irritabilidade, insônia ou tremor quando a dosagem é reduzida ou o consumo é suspenso;
• Ingestão em maiores quantidades ou por maior período do que o desejado pelo indivíduo;
• Desejo persistente ou tentativas fracassadas de diminuir ou controlar o uso da substância;
• Perda de boa parte do tempo com atividades para obtenção e consumo da substância ou recuperação de seus efeitos;
• Negligência com relação a atividades sociais, ocupacionais e recreativas em benefício da droga;
• Persistência na utilização da substância, apesar de problemas físicos e/ou psíquicos decorrentes do uso.

Prevalência
A dependência química é uma das doenças psiquiátricas mais freqüentes da atualidade. No caso do cigarro, de 25% a 35% dos adultos dependem da nicotina. A prevalência da dependência de álcool no Brasil é de 17,1% entre os homens e de 5,7% entre as mulheres, segundo o 1o Levantamento Domiciliar Sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no país, realizado em 2001 pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O estudo revelou que quase 20% dos entrevistados já haviam experimentado alguma droga que não álcool ou tabaco. Entre elas, destacaram-se a maconha (6,9%), os solventes (5,8%) e a cocaína (2,3%).
É preciso observar que, nos últimos 10 anos, houve uma mudança no consumo da cocaína. Em alguns centros de atendimento a adictos, como o Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (GREA), do Hospital das Clínicas da USP, diminuiu o número de pacientes que injetam cocaína, ao passo que aumentou a quantidade de usuários do crack. Essa apresentação da cocaína atinge o sistema nervoso central de maneira mais rápida e intensa que a droga aspirada. A taxa de complicações associadas ao uso é maior, porque o crack rapidamente gera uma dependência grave e de difícil tratamento.

Tratamento
As pesquisas mostram que, após o tratamento da dependência, as recaídas são freqüentes: 50% nos seis primeiros meses e 90% no primeiro ano. Todavia, vale lembrar que se trata de uma doença crônica e que, se avaliada como tal, os resultados da terapia são semelhantes aos de outras enfermidades persistentes, como asma, hipertensão e diabetes.
As altas taxas de reincidência não significam que o tratamento seja ineficiente. O uso, reduzido ou suprimido com a terapia, é um dos parâmetros que medem a eficácia, bem como relações familiares e sociais, atividades profissionais, acadêmicas e de lazer e o não envolvimento com a Justiça.
Um dos fatores mais importantes para o sucesso do tratamento é a motivação, visto que muitos pacientes não se consideram doentes. Dependentes de drogas que não procuram assistência sofrem mais complicações associadas ao uso, como infecções (inclusive Aids, para os adeptos de drogas injetáveis), desemprego e atividades ilegais. A mortalidade também é maior entre esses indivíduos, causada principalmente por overdose, suicídio e homicídio.

Tratamento
Há duas abordagens no tratamento da dependência química: a psicoterapia e a farmacoterapia. O modelo psicoterápico mais bem fundamentado é o cognitivo-comportamental, que prevê abstinência da substância, evitação de situações que induzam ao consumo e treinamento para resistir ao uso em circunstâncias que não possam ser evitadas.
O tratamento tende a ser mais eficaz se acompanhado por atendimento familiar. Estimula-se também a procura de grupos de auto-ajuda, como Alcoólatras ou Narcóticos Anônimos. A internação é indicada em casos específicos, como risco de suicídio, agressividade, psicose e uso descontrolado da substância, que esteja impedindo a freqüência às consultas.
O uso de medicamentos para o tratamento da dependência de álcool tem apresentado bons resultados. Três substâncias já demostraram eficácia em estudos de avaliação. A primeira delas inibe a metabolização do álcool, o que provoca mal-estar, náuseas e alterações hemodinâmicas caso o indivíduo tome bebidas alcóolicas. É adequada para pacientes motivados, que conseguem atingir a abstinência, mas têm dificuldade para mantê-la. A medicação funciona como um inibidor de recaídas, já que o paciente, temendo passar mal, controla seu impulso para beber.
Outro medicamento adotado no tratamento diminui o efeito do álcool e, no curto prazo, está associado a um número maior de dias sem beber e quantidades menores de doses quando o paciente bebe. A terceira droga, por sua vez, diminui a excitação exagerada do sistema nervoso central na ausência do álcool.
Na dependência de nicotina, o tratamento farmacológico pode ser feito por meio da reposição de nicotina, que diminui sintomas e sinais da abstinência e reduz o risco de recaída nas primeiras semanas. As alternativas existentes são goma de mascar, adesivo, spray e inalador (as duas últimas ainda não estão disponíveis no Brasil). O uso de determinados medicamentos também é eficaz na redução das chances de recaída no primeiro ano de tratamento.
Quanto à dependência de cocaína, maconha e inalantes, não há provas suficientes da eficácia de algum medicamento.
Mesmo após o tratamento e a abstinência da substância psicoativa, não se considera o paciente curado. Por muitos anos, talvez indefinidamente, ele irá apresentar maior risco que a população em geral de desenvolver o uso abusivo ou a dependência da substância. Para a maior parte dos dependentes, a abstinência total é a opção mais segura para a doença não retornar.
A ampliação do conhecimento sobre o mecanismo de ação da dependência química, sobretudo nas formas de atuação sobre o chamado “circuito da recompensa”, deverá possibilitar o desenvolvimento de medicações cada vez mais específicas para o problema. Outra estratégia que já está sendo testada em seres humanos é o desenvolvimento de vacinas, especialmente para cocaína e nicotina.

* André Malbergier é professor do Departamento de Psiquiatria da FMUSP e coordenador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (GREA) do Instituto de Psiquiatria da instituição. Contato: amalbergier@uol.com.br

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