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sábado, 16 de agosto de 2008

Como se faz uma novela




10/10/2003 - 21:45 | Edição nº 282

Como se faz uma novela

"Celebridade", a nova novela das 8, representa o apogeu do refinado quebra-cabeça de equipamentos e profissionais que tornam realidade a telenovela brasileira



TRIO DE OURO
O diretor Dennis Carvalho, o autor Gilberto Braga e a atriz Malu Mader

As novelas brasileiras deixaram de ser, há muito, um fenômeno estritamente nacional. Exportadas há décadas, elas ganharam o mundo - e muitos executivos de comunicação, de diversos grupos estrangeiros, vêm ao Brasil para conhecer a TV Globo e saber mais sobre a produção de seus folhetins eletrônicos. Nessas visitas, há sempre dois momentos de espanto. O primeiro é quando se descobre a capacidade de produzir, com qualidade, enredos em escala industrial. O segundo - em que a curiosidade costuma ser maior - é quando se constata que uma trama cuja audiência vai aos píncaros chega ao fim após alguns meses. Nos Estados Unidos, na China e mesmo no México, novelas costumam durar anos, desde que estejam agradando ao público e mantendo anunciantes. Os gringos têm razão em se espantar. Mas o que os estrangeiros encaram como aberração é, na verdade, o grande segredo da sobrevivência da telenovela nacional. Seu fôlego e brilhantismo residem justamente na idéia de terminar no auge. É a garantia de que a próxima trama que irá ao ar será esperada com ansiedade e, portanto, com potencial para o sucesso.

O chamado horário nobre da TV é uma instituição nacional. A começar pelo próprio título: há tempos uma novela das 8 não começa antes das 9 da noite. Isso ocorre muito por causa dos temas, cada vez mais adultos. Nunca, porém, passou a ser chamada ''novela das 9''. Da mesma forma que gilete, modess ou cotonete, marcas que viraram substantivos, a novela das 8 tem um poder de influência ainda maior sobre a população. É o momento que reúne a família: todos já chegaram do trabalho, o jantar já terminou, crianças e adolescentes ainda não foram dormir. É a novela a que o público masculino mais assiste. Nos cerca de 50 minutos de programação, concentra-se o padrão de qualidade na TV.

Celebridade, de Gilberto Braga, que entra no ar nesta segunda-feira 13, por volta das 21 horas, representa mais um capítulo da saga. Mais uma vez, o tema se revela polêmico e atual: a busca pela fama. Se um dia se falou que a televisão é um veículo que entra na casa do telespectador, então a palavra de ordem da novela hoje é invadir a vida real.

IDENTIDADE NACIONAL

BASTIDORES
Ao redor da cena que o telespectador vê em casa existe um aparato de equipamentos e profissionais que garantem o padrão de qualidade que a telenovela brasileira atingiu hoje

Nos primórdios, a telenovela era transmitida ao vivo, custou a ter capítulos diários e não pressupunha grande planejamento. Hoje, porém, atingiu-se o auge em termos de qualidade. Com um gasto médio de R$ 100 mil por capítulo, a produção de uma novela reúne profissionais de primeiro time, tecnologia de ponta e uma estratégia de divulgação e difusão como poucos outros produtos no mercado.

Quem está sentado no sofá assistindo a um capítulo de novela certamente faz uma vaga idéia de como ele foi produzido. Mas mesmo com algum esforço é difícil ter a noção exata do quebra-cabeça de profissionais, equipamentos e estratégias que leva uma novela ao ar. ''Cada capítulo é um milagre'', jura Alexandre Ishikawa, um dos diretores de produção da TV Globo.

A primeira lição é a de que tudo começa muito, muito antes do ''gravando!''. A decisão de que determinada novela será exibida num certo horário é tomada um ano antes de sua exibição. Os autores da Globo escrevem sinopses que são analisadas pela cúpula da emissora. Quando uma sinopse é aprovada, discute-se qual será o núcleo responsável pela novela a ser produzida. No caso de Celebridade, o núcleo de Dennis Carvalho foi o escolhido, principalmente pela parceria já antiga com o autor Gilberto Braga. Daí para a frente - e estamos falando de pelo menos seis meses antes de a novela ir ao ar -, diretores de todas as áreas estabelecem um calendário de reuniões para levar o processo adiante. Normalmente autor e diretor escolhem o elenco juntos. Levam em conta perfil de personagens, alternância de astros e estrelas e, é claro, preferências pessoais. Não é segredo que Malu Mader, por exemplo, é a queridinha de Gilberto Braga e que Manoel Carlos reservou algumas de suas protagonistas mais recentes para Regina Duarte.

Uma vez definida a equipe, dos diretores aos contra-regras, montados os estúdios e cidades cenográficas e feito o planejamento para a produção, é hora de ir para o set. Assim, quando a novela for ao ar, haverá pelo menos dez capítulos já gravados. Isso, porém, varia de autor para autor e, ao longo da novela, a margem também costuma mudar. Estima-se que hoje, por dia, sejam gravadas 25 cenas de estúdio e dez externas.

Ao contrário do que muita gente pode pensar, nada é gravado em ordem cronológica. Nem os capítulos, nem as cenas de cada capítulo. Para que haja produtividade, grava-se o máximo de cenas num mesmo estúdio ou locação, com o mesmo grupo de atores. Na produção de uma novela, o dia-a-dia já é feito de um montar e desmontar de estúdios sem igual. Se fosse tudo produzido na ordem em que vai ao ar, provavelmente custaria o triplo do tempo para gravá-la.

NOVELA EM NÚMEROS*
Equipe de Produção
200 pessoas
Atores
60
Gastos
R$ 100 mil por capítulo
Capítulos
50 páginas cada um
A Central Globo de Produção
(PROJAC)
1,65 milhão de metros quadrados em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de Janeiro
3.500 funcionários
4.500 horas de gravação por ano, em cidades cenográficas e estúdios
70% das cenas são gravadas em estúdio
*Média das produções da Globo

Vestidos e maquiados, os atores aguardam o início da gravação de uma cena. Num primeiro momento, conversam com o diretor, que passa o texto, faz as marcações dos movimentos, sugere entonações, corrige erros. Depois o diretor vai para a sala de corte, ou de edição, onde vê, em vários monitores, tudo o que cada uma das câmeras registra. Durante os ensaios das cenas, os atores ouvem pelas caixas de som a voz do diretor dando orientações. A voz em off dá a sensação de ser a ''voz de Deus'' falando com a equipe. E, naquele momento, é mais ou menos como se fosse mesmo. ''Quanto maior concentração de todos, grava-se mais rápido'', ensina Dennis Carvalho. Todos obedecem.

Concluída uma cena, os atores costumam trocar de roupa para uma nova cena, no mesmo estúdio, que muitas vezes pertence a outro capítulo. As mudanças no figurino e no cenário não duram mais do que 15, 20 minutos. E então começa tudo de novo. As gravações normalmente se iniciam após o almoço e vão até a noite. Antes de os atores entrarem em campo, a equipe técnica já trabalha para que tudo esteja perfeito para a gravação, o que significa, muitas vezes, botar um estúdio inteiro de pé. Para isso, a Central Globo de Produção, o Projac, que fica em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio, representou um divisor de águas na produtividade dos programas de TV. Inaugurado em 1995, é hoje o espaço adequado para a escala industrial que a produção de uma novela requer.

Cenas gravadas, é hora da pós-produção: selecionar as tomadas, corrigir possíveis erros de áudio, adicionar algum efeito especial.

A edição de um capítulo que tem 50 minutos pode levar até 30 horas. Hoje em dia, o processo é todo digital. A primeira fase, chamada ''off-line'', é a seleção das cenas que serão exibidas, feitas por várias câmeras. A fechada no personagem que está falando ou aberta no grupo? O close ou um plano americano? Depois de selecionadas, as cenas vão para a edição ''on-line'': ali pode-se corrigir possíveis erros de iluminação ou colorização. Na ilha de sonorização, chega a vez dos retoques no áudio. Cada cena é gravada por apenas um microfone, que tem uma freqüência capaz de captar suspiros ou barulhos de talheres. Caso ruídos atrapalhem uma fala, essa etapa de sonorização é capaz de eliminá-lo. Nesse momento é adicionada a trilha sonora - elemento fundamental numa novela, que complementa a emoção da cena e da performance dos atores. A cena está pronta para ir ao ar e será encaixada no restante das seqüências do capítulo.

EM CENA
No estúdio, Deborah Evelyn, Palmeira e Otávio Müller
INTERVALO
Momento de descontração nas gravações de Celebridade

#Q:O povo e a TV:#

TUDO PELA FAMA
Deborah Secco (Darlene) integra o núcleo cômico

Uma novela pode sair da mente do escritor e é colocada em prática pelo diretor e sua equipe artística e técnica. Mesmo assim, eles não fazem isso sozinhos. Desde que as novelas passaram a ser o carro-chefe da programação - responsáveis por cerca de 70% do faturamento da TV Globo -, a busca pela maior audiência possível passou a significar que havia a necessidade de saber o que o telespectador pensa do que está vendo. ''Hoje já se testa desde a sinopse, antes mesmo de a novela ir ao ar'', diz Maria Teresa Monteiro, diretora da Retrato Consultoria, que desde 1987 realiza grupos de discussão sobre os programas da TV Globo, em especial as novelas. Depois de quatro semanas no ar, há o primeiro teste sobre a aceitação e a compreensão da trama. ''Se o público não captou a história ou há problemas com algum personagem ou situação, normalmente o autor mexe na história'', comenta Maria Teresa. Alguns personagens morrem. Outros sofrem para ganhar a compaixão do público. Há casais que se desfazem. ''Apesar do trabalho que dá, a idéia da obra aberta é positiva e prazerosa'', afirma o novelista Manoel Carlos.

A interação entre o espectador e a novela deve ser total. Historicamente, um bom exemplo diz respeito a nomes. É comum um boom de crianças recém-nascidas ganhar o nome de protagonistas de novelas. A Yasmin de Daniela Perez em Explode Coração - período em que a atriz foi assassinada - ou a Jade do recente O Clone ilustram esse fenômeno. Sobre a moda, nem há o que dizer: o que a mocinha usar, roupa ou acessório, ganha imediatamente as ruas.

MÍDIA ALERTA
Celebridades dentro e fora da novela

Houve um tempo em que o público nem sequer diferenciava o ator do personagem. Rubem de Falco, o malvado Leôncio de Escrava Isaura, foi agredido na rua várias vezes nos anos 70, mesmo depois que a novela já havia saído do ar. Hoje isso já não acontece tanto. Teria o telespectador amadurecido? A antropóloga Mirian Goldenberg acha que o motivo é outro: ''A explosão da mídia de celebridades fez com que a vida real dos artistas também passasse a ser uma novela para o público acompanhar'', diz. O casa-e-descasa dos artistas, seus dramas ou ganhos pessoais estão nas páginas das revistas e nos programas sobre bastidores da TV. ''Então se sabe que a personagem de Carolina Dieckmann sofre para decidir se perde ou não a virgindade e a própria atriz, em sua vida real, vive o drama de sua separação. Isso facilita a diferenciação, porque sabe-se que o artista tem uma vida fora da tela'', explica Mirian.

LUZ, CÂMERA, AÇÃO
Tudo perfeito para a hora da gravação para valer

Atualmente, ao que parece, o povo está entrando na novela. Isso porque o fenômeno mais recente do gênero é levar a vida real para dentro da trama. A precursora foi a novelista Glória Perez, que introduziu em suas histórias temas como mães de aluguel, crianças desaparecidas e dependência de drogas. Em Mulheres Apaixonada, Manoel Carlos abarrotou a trama de temas polêmicos, do alcoolismo a mulheres que apanham, da homossexualidade feminina às balas perdidas no Rio de Janeiro. ''Misturar ficção e vida real pode ser positivo se for um instrumento de transformação concreta da realidade. Se for apenas uma forma de levantar polêmica para aumentar a audiência, não vale nada'', diz a doutora em teledramaturgia da Universidade de São Paulo (USP) Maria de Lourdes Motter.

Celebridade já estréia com ares de que essa mistura de ficção e realidade veio para ficar. O tema central já se confunde com um fenômeno - o da indústria da fama - que é criado pelo próprio veículo que leva a trama ao ar: a televisão. A nova novela das 8 parece falar dela mesma e de seus efeitos, como uma cobra que morde o próprio rabo. Mas, claro, não é motivo para comover o telespectador. O que o fará não desgrudar da frente da telinha será o romance dos protagonistas, as maldades dos vilões, as trapalhadas dos personagens cômicos. Isso é o que fez e faz da novela um gênero que sobrevive ao tempo e à diversidade cada vez maior da indústria de entretenimento. A seguir, cenas do próximo capítulo.

MAU-CARÁTER
Fábio Assunção pediu a Gilberto Braga um papel de vilão
RECEITA
Beijo de Tiago Lacerda e Malu Mader

#Q:No mundo de Celebridade:#

A vilã
Obcecado pelos bastidores dos famosos
Garota-propaganda virtual

Claudia Abreu
Laura vai ganhar a confiança da mocinha, mas quer destruí-la. É um revival do filme A Malvada (1950), estrelado por Bette Davis e Anne Baxter

Fábio Assunção
Renato Mendes é o inescrupuloso editor da revista Fama. A revista imaginária cobre o mundo das celebridades, a exemplo de publicações como Quem Acontece, da Editora Globo. A diferença entre a realidade e a novela é que o personagem de Assunção está a um passo da picaretagem
Malu Maler
Será a produtora musical Maria Clara Diniz, ex-modelo, mulher independente e generosa. Há três semanas foram espalhados pelas ruas das grandes capitais outdoors em que ela anuncia um perfume, o Summer Spell. Só na semana antes da estréia o público ficou sabendo que era divulgação da novela: o outdoor ganhou a tarja ''Exclusivo na próxima novela das 8''
Falsa e invejosa
O poderoso
Bem-sucedido

Ana Beatriz Nogueira
Ana Paula explora sem pudor a irmã, Maria Clara

Hugo Carvana
É o empresário Lineu, sogro de Fernando. Deverá morrer no meio da trama
Marcos Palmeira
O cineasta Fernando, de origem humilde, fez sucesso fora e agora volta ao país. Casado, vai se apaixonar por Maria Clara
Cúmplice do mal
Sorrir e partir
Fiel escudeira

Marcio Garcia
Amante da vilã Laura, Marcos quer ajudá-la a destruir Maria Clara

Thiago Lacerda
Otávio será o namorado de Maria Clara nos primeiros capítulos
Julia Lemmertz
Noêmia é secretária e amiga de Maria Clara. Viúva e com um filho, viverá um grande amor
Rival da mocinha
Mãe dependente
Coluna social

Deborah Evelyn
Omarido de Beatriz (Fernando) vai trocá-la por Maria Clara

Nívea Maria
Corina bajula a filha Maria Clara, mas não é confiável
Gilberto Braga
Autor da novela terá quatro colunas no Globo, aos sábados, com fofocas sobre as personagens, para botar lenha na fogueira de Celebridade
Em busca da fama
Juliana Paes, Marcelo Faria e Deborah Secco
Enquanto o bombeiro Vladimir fica repentinamente famoso sem querer, as ingênuas manicures Jaqueline e Darlene tentam entrar no mundo das celebridades a qualquer preço. Serão responsáveis pelas cenas cômicas da novela

#Q:Quem são e o que fazem os responsáveis por uma novela:#

O MAESTRO

NO COMANDO
Dennis Carvalho, a ''voz de Deus'' nos estúdios

Ele não tem uma batuta na mão, mas a comparação não parece exagerada. Se cada profissional da produção é um instrumento a serviço da novela, o responsável pela harmonia da grande orquestra é o diretor-geral. Pode-se dizer que ele é um co-autor da novela, já que, a partir do texto do autor, elabora todas as cenas, define o tom dos personagens e é o responsável pelo produto final. Como cada novela tem várias tramas, é comum haver mais dois ou três diretores dividindo o trabalho nos sets, mas sempre orientados pelo diretor-geral.

Dennis Carvalho, diretor de núcleo da TV Globo, já dirigiu 21 novelas e minisséries ao longo de 22 anos na função. Celebridade é mais uma parceria sua com Gilberto Braga. Ele dirigiu Dancin''Days (como assistente de Daniel Filho), Vale Tudo e O Dono do Mundo, além da minissérie Anos Rebeldes. Não é raro autores e diretores formarem ''dobradinhas'', pois um dos segredos do sucesso da teledramaturgia está na sintonia entre os dois profissionais.

Dennis pertence a um grupo de diretores de TV que começou a carreira como ator. Teve papéis em quase 30 novelas e especiais. Hoje é comum fazer participações especiais, entrando do meio para o fim da trama. ''Ainda não sei se Gilberto fará alguma coisa especial para mim'', brinca Dennis. ''Mas gosto muito de atuar, sinto saudades de estar do outro lado da câmera.''

A ESTRELA E SEU GALÃ

MOCINHA
Reservada na vida real, Malu Mader nunca viveu uma vilã na televisão

Uma novela reúne quase 300 profissionais, mas parece que tudo gira em torno deles. Regina Duarte já foi a ''namoradinha'' de um país inteiro graças às novelas que protagonizou. Malu Mader foi rapidamente alçada ao primeiro time de estrelas da televisão. Betty Faria, Glória Meneses e Glória Pires também são nomes inesquecíveis nessa constelação. São elas que as telespectadoras sonham ser e que os telespectadores sonham ter, mesmo que por uma fração de segundo, em frente à telinha. A produtora musical Maria Clara, de Celebridade, é o décimo papel como protagonista defendido por Malu, de um total de 14 novelas e minisséries.

Bela e com ''cara de boa moça'', era difícil Malu fugir dos papéis de heroína. Viveu as inocentes Lurdinha, de Anos Dourados, e Márcia, de O Dono do Mundo, e as decididas Duda, de Top Model, e Glorinha da Abolição, de O Outro. Também já foi a cortesã Ester, de Força de um Desejo, e a sensual Wanda, de O Mapa da Mina. Vilãs, porém, não fazem parte de seu currículo.

VERSÁTIL
Marcos Palmeira brilha tanto em papéis rurais como em urbanos

Para uma tradicional heroína, um galã para ninguém botar defeito: Marcos Palmeira, que já fez dez novelas, é o representante juramentado de uma linhagem que tem como ícones ancestrais Tarcísio Meira e Francisco Cuoco.

O que muda na vida do protagonista de uma novela? ''Tudo'', afirma Malu, mãe de João, de 8 anos, e Antônio, de 6, a quem ela costuma se dedicar quase integralmente quando não está com um trabalho. ''É um momento de concentração e dedicação como nenhum outro'', assevera Palmeira.

À primeira vista, o trabalho de um ator de novelas parece puro glamour. Sob uma lente de aumento, no entanto, funciona de outro modo. Gravações duram dias. Dezenas de cenas são gravadas, o que obriga esses profissionais a decorar páginas e páginas de roteiro em seu tempo livre. Isso além de incansáveis trocas de roupa, ensaios para que as cenas sejam gravadas sem muitas repetições e, mais que tudo, um talento de interpretação que lhes permita chorar num minuto e expressar felicidade em outro, já que as cenas não são gravadas na ordem em que vão ao ar. Tudo para convencer o telespectador, tirar seu fôlego, fazê-lo suspirar de emoção.

MESTRE DA IMAGEM

QUEBRA-CABEÇA
Gaglianone e a busca da luz perfeita

A locação pode ser perfeita, os atores lindíssimos e a trilha sonora um complemento excitante num capítulo de novela. Mas o que garante o prazer visual do telespectador a cada cena é algo que ele não percebe conscientemente: a harmonia entre cenário, gente, figurino e iluminação. O responsável pelo mágico jogo de luz e cores é o diretor de fotografia. Ele escolhe, decide as posições e a melhor forma de usar os equipamentos, em estúdio ou nas externas. Nas gravações, lidera uma equipe de operadores de câmera, assistentes de operador, maquinistas e eletricistas - a turma técnica, que não pára um segundo no momento da gravação.

Há dez anos na Globo, o diretor de fotografia de Celebridade, Ricardo Gaglianone, encara o trabalho como um malabarismo gigantesco. ''Num estúdio há normalmente quatro câmeras. O desafio consiste em equilibrar a luz e obter a melhor imagem para todos os ângulos'', explica. A parceria com figurino e maquiagem tem de ser perfeita.

O grande parceiro do diretor de fotografia é o diretor de imagem: na sala de edição, ele opera a mesa de corte nas gravações e orienta o trabalho dos operadores de câmera - se abrem ou fecham a imagem, se se deslocam para algum lado específico da cena etc. Junto dele trabalham os editores. Eles fazem a mixagem de imagem e áudio. Os sonoplastas inserem os sons necessários para complementar cada cena - muitas vezes os responsáveis pelas emoções do telespectador.

OS OLHOS DO DIRETOR

CAMERAMAN
O primeiro a assistir às novelas

Não há como negar: o operador de câmera é o primeiro telespectador de uma novela. Assiste, de camarote, à trama, tal qual milhões a verão dias ou semanas depois. Nas cenas de estúdio (que correspondem de 70% a 80% de uma novela) normalmente há quatro câmeras. Nas externas (inclusive nas cidades cenográficas), são duas. Os câmeras ficam todo o tempo com um fone no ouvido, recebendo as orientações do diretor de imagem, instalado na sala de edição.

''Hoje, para trabalhar em novela, o operador de câmera deve possuir quatro qualidades: bom enquadramento, movimentos perfeitos, bom gosto e delicadeza. Temos de traduzir em imagem o que o diretor quer mostrar para o telespectador'', diz Guto Leccioli, na função há 11 anos. ''Para que tudo dê certo na hora da gravação, fazemos um ensaio de câmeras. Assim, os diretores têm a noção exata dos movimentos programados por cada um dos operadores. Corrige-se o necessário e aí é gravar para valer.''

O uso das câmeras depende muito do estilo e da criatividade de cada diretor da novela. Luís Fernando Carvalho, por exemplo, que dirigiu O Rei do Gado e Renascer, faz externas com uma única câmera, privilegiando cenas longas e grandes tomadas. Em Celebridade, Dennis Carvalho instituiu um operador que levará a câmera no ombro nas cenas da redação da revista Fama. Desse modo, o movimento do corpo humano cria uma imagem diferenciada, dando a noção da correria que existe no jornalismo.

#Q:Quem são e o que fazem os responsáveis por uma novela:#

DITADURA FASHION

MODA
Marília cria o guarda-roupa de personagens e figurantes

Na década de 70, por causa de Dancin''Days, as mulheres brasileiras só andavam de meias coloridas de lurex com sandálias de salto fino. A responsável pela moda era Marília Carneiro. Figurinista de novelas há 30 anos, ela é a criadora do guarda-roupa de cada personagem. ''O que uma pessoa veste sempre diz muito sobre ela'', explica Marília, que muitas vezes sonha com roupas, cores e acessórios. ''Mudei a cor do vestido da Malu Mader no baile de formatura de Anos Rebeldes porque sonhei que ela usava azul'', conta. Com uma equipe de cinco pessoas, ela produz cerca de 60 atores por trama, sem falar nos figurantes. Em Celebridade, a personagem de Claudia Abreu usa quase sempre um lenço ou uma gargantilha colados ao pescoço. Tendência primavera-verão a caminho...

OS ILUSIONISTAS

MOLDURA
Mario, Andrea e Cristina cuidam dos cenários

Um bairro pode caber dentro de um set? A resposta é sim. Em Celebridade, o Andaraí é aqui. Uma ''réplica'' de 10.000 metros quadrados do bairro da Zona Norte do Rio foi construída dentro do Projac. E guarda uma peculiaridade: é o primeiro construído em proporções reais. A maioria é feita em escala menor - o que o telespectador não percebe. No roteiro de Celebridade, porém, estavam previstas cenas de ônibus. As ruas deveriam ter a largura real, o que fez com que todo o resto seguisse a mesma escala.

Há 34 anos, o cenógrafo Mario Monteiro trabalha em televisão. Sua equipe constrói cada cenário, interno ou externo. O trabalho é árduo e detalhado. O Andaraí de Celebridade, por exemplo - que tem casas, prédios, campinho de futebol, sinuca, salão de beleza -, levou quatro meses para ficar pronto. Fotografaram e mediram o bairro real para depois projetar e colocar a mão na massa.

O que está dentro do cenário é da responsabilidade da direção de arte. Cristina Médicis e Andrea Penafiel, produtoras de Celebridade, brincam com a função: ''Somos responsáveis pela parte de cama, mesa e banho'', dizem. Trabalhando lado a lado com a cenografia, elas definem que objetos estarão em cena. Porta-retratos com fotos de família. Computadores. Uma caneta. Uma agenda. Vaso de centro de mesa. Flores recebidas por uma personagem. Cada objeto tem uma linguagem. O telefone da casa de uma família milionária é diferente de um telefone de um personagem que mora no subúrbio. Numa novela de época, a produção de arte é ainda mais importante, porque envolve trabalho de pesquisa, de forma a reconstituir todo o clima de um tempo que já passou.

CAÇADORES DE DETALHES

BASTIDOR
A importância de quem nunca é visto

É do assistente de estúdio, decididamente, a voz que mais se ouve num set. ''Ensaiando!'' ''Gravando!!'', ''Silêêêncio!!'', ''Corta!!'' Ele faz a ligação entre toda a equipe. Confere se os câmeras estão nos locais combinados, fica com o roteiro na mão checando as falas dos atores, acompanha a finalização dos estúdios para convocar a equipe. Milton Canavezes, de 66 anos, não só cumpre sua função há 32 anos na Globo como é a alegria do estúdio. ''Não me canso de trabalhar. É cansativo, mas é sempre uma festa'', diverte-se.

Outra função importante dos bastidores é o de continuísta. Muitas vezes uma mesma seqüência não é gravada no mesmo dia. Nesses casos, o continuísta é imprescindível. É quem vai garantir que os personagens usem as mesmas roupas e os penteados idênticos e que o cinzeiro do cenário esteja no mesmo lugar.

Virginia Marinho é continuísta de novelas há 20 anos. Para fazer o trabalho bem-feito, vive carregada de VTs, câmera fotográfica, bloco e caneta, tudo o que possa auxiliá-la na dura tarefa de deixar a novela mais parecida com a vida real. ''É um trabalho que só aparece quando dá errado'', brinca ela. Aos poucos, porém, o olho vai ficando treinado. ''Muitas vezes o artista chega à gravação pronto e de longe eu já percebo tudo o que está diferente, mesmo que seja um cabelo repartido para o lado diferente'', diz.

AOS QUATRO VENTOS

COMUNICAÇÃO
Luiz Erlanger comanda as campanhas

Não basta uma novela ir ao ar. É preciso que todos saibam disso, além de como e quando. É aí que entra o trabalho da Central Globo de Comunicação (CGCom), capitaneada pelo jornalista Luiz Erlanger. Foi-se o tempo em que o anúncio da estréia de uma novela fazia parte apenas da programação da Globo, com chamadas nos intervalos comerciais e o velho ''quem é quem'' nas revistas especializadas. A cada nova trama, mais complexa e eficiente fica a forma de divulgação, com festas, teasers, parcerias e publicidade digna do produto de massa que uma novela representa.

''O marco da mudança foi Terra Nostra'', diz Erlanger. A novela, de 1999, ganhou uma campanha de luxo, digna da superprodução que era. Virou exemplo. ''Criou-se o conceito de produto para a novela e passou-se a trabalhar com identidade visual, promoções pela cidade e um envolvimento cada vez maior do telespectador'', diz o jornalista. De lá para cá, a área de propaganda se esmera em campanhas cada vez mais criativas. Para a estréia de Chocolate com Pimenta, do horário das 6, por exemplo, vários restaurantes do Rio e de São Paulo inventaram receitas com esses ingredientes, para promover a novela. Outro bom exemplo é a abertura de Mulheres Apaixonadas, feita com fotos de pessoas comuns que enviavam quilos de material à emissora.

Dentro do CGCom, funciona a equipe de Hans Donner, que faz o logotipo e a abertura da novela. Segundo as contas do designer, uma abertura, que dura 60 segundos, é vista, em média, por 11 horas - levando em conta uma novela curta, de seis meses. ''Um produto de qualidade não pode deixar de ter uma embalagem à altura'', diz.

DO PAPEL PARA A TELINHA

CORRERIA
Isabel Cabral, coordenadora de produção, é uma espécie de faz-tudo nos sets

O inimigo número um de Alexandre Ishikawa é São Pedro. Diretor de produção da Globo, ele encabeça uma força-tarefa de 200 pessoas que cuidam da operação de transformar um roteiro num capítulo de novela que chega na casa do telespectador. Como cuida do orçamento e de todo o planejamento das gravações, se um roteiro prevê uma externa importante, dias seguidos de chuva podem fazer desandar toda a massa dessa receita. ''O trabalho de dar vida a um universo que está na cabeça do autor requer paciência, antes de tudo. Porque fazemos novelas em escala industrial e, por mais que tudo dê certo, a tendência é sempre passar o tempo todo solucionando problemas'', diz Ishikawa, que encabeça a produção de Celebridade.

Que o diga a coordenadora de produção Isabel Cabral, que fica na outra ponta de Ishikawa. ''Meu nome deveria ser ''Cadê?'''', brinca. Isso porque ela é responsável pelas locações externas, contatos, material necessário para gravações, desde camarins improvisados até a alimentação de atores, equipe e figurantes. Se tem um muro rachado, ela tem de mandar pintar. Se um ator não chegou, ela tem de localizá-lo. Há sete anos, Isabel trabalha em produção de TV e diz que só sobrevive na função quem tem sempre solução para tudo. Para dar agilidade, o coordenador de produção fica ligado o tempo todo, por rádio, com direção, assistentes e seguranças. ''A comunicação rápida é a chave para que tudo dê certo'', diz.

O diretor Jorge Fernando, também diretor de núcleo da Globo, numa entrevista sobre novelas, há alguns anos, definiu bem o trabalho corrido e minucioso de produção de uma novela: ''É uma verdadeira gincana''.

FIGURANTES ANÔNIMOS E FAMOSOS

ASTROS
O cantor Mick Hucknall vai contracenar com Malu Mader no capítulo 4

Segundos de fama ou ajuda no orçamento doméstico - e mesmo os dois juntos - explicam a paciência de figurantes de novela. Horas e horas de espera, muitas vezes de pé, no calor ou na chuva. Modelos iniciantes, as jovens Nívea Santos, Verônica Nascimento e Suellen Freitas madrugaram para servir de backing vocals de um evento de Celebridade, durante um dia inteiro. Mas não foi só isso. Os sapatos disponíveis eram menores do que o número que elas calçavam. ''Ficamos em pé com os dedos esbugalhados, dançando, cantando e sorrindo'', diz Nívea. Confessam que não é só para ajudar no orçamento. ''Tem um lado divertido e, claro, temos de pensar que estamos sendo vistas por milhões e milhões de pessoas'', diz Suellen. Cada novela tem figurantes fixos, que circulam nas locações mais freqüentes, e outros escolhidos de acordo com as cenas. São coordenados por empresas especializadas, que os recrutam e se responsabilizam pelo trabalho.

Em Celebridade, além dos figurantes anônimos, há os ''figurantes famosos''. Como a personagem de Malu Mader é uma produtora musical, vários artistas internacionais de passagem pelo Brasil gravaram pequenas ''pontas'' ao lado da atriz. Foi o caso do vocalista do Simply Red, Mick Hucknall, e da cantora canadense Alanis Morissette.

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