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sábado, 10 de maio de 2008

Entrevista completa com a atriz Marília Pêra

Instinto Puro


A grande dama fala de sua relação com a obra de Nelson Rodrigues – das crônicas que a avô lhe contava para dormir (!) à cafetina do filme Vestido de Noiva<>

Quando você assistiu uma peça do Nelson Rodrigues pela primeira vez?

Tenho uma abordagem anterior com o Nelson porque quando tinha, sei lá, uns 5 anos meus pais saíam para trabalhar no teatro e me deixavam com a minha avó, que era atriz também, lá no Rio Comprido. E ela lia pra mim na cama aquelas crônicas de A Vida Como Ela É. Não tinha idéia de quem escrevia, mas gostava daquilo. Tenho esse encontro com Nelson ainda muito menina. Depois vi Toda Nudez Será Castigada com a Cleyde Yáconis, o Bonitinha Mas Ordinária com a minha avó, todas as adaptações para o cinema. Fiz também alguns trechos de peças dele para o Fantástico na década de 1970 e depois, em 1998, estive em uma nova montagem de Toda Nudez Será Castigada com direção do Moacyr Góes.

Existiu alguma razão para essa demora ou simplesmente aconteceu assim?

É que foi a primeira vez que me convidaram pra fazer um Nelson Rodrigues e como não produzo tudo o que faço... foi só por isso. Outras atrizes foram fazendo e houve um momento em que montaram muito as peças dele. Acho que acabou surgindo um desinteresse meu por causa disso, por causa de tantas e boas montagens. Já estava feito. Aí fui esquecendo da minha vontade de fazer.

Qual a contribuição do Nelson Rodrigues para a dramaturgia nacional?

Ele é um revolucionário e uma pessoa louca, mas no sentido criativo. Engraçado. Com uma família dilacerada e uma coragem de expor todas as coisas que aconteceram com ele. Teve uma vida muito rica, uma história muito sofrida e tudo colocado ali no teatro. É um clássico. É o nosso maior autor e um desbravador que abriu o caminho para muitos autores brasileiros.

Você lembra a primeira vez que viu uma montagem de Vestido de Noiva?

Foi em um teatro que hoje se chama Nelson Rodrigues, no Rio de Janeiro em 1976. Tinha Camila Amado, Carlos Vereza, a Norma Bengell fazendo a Madame Clessy e direção do Ziembinski. Era uma cópia exata e belíssima da montagem original de 1943.

E como chegou para você o convite para participar dessa adaptação para o cinema?

Acho que o Joffre Rodrigues [diretor do filme e filho de Nelson Rodrigues] pretendia fazer com outras atrizes, uma delas era a Lucélia Santos, mas não sei porque não aconteceu com nenhuma delas e ele acabou chegando a mim. Quando ele chegou com o texto e o convite não entendi muito bem porque sempre imaginei a Madame Clessy como uma mulher de 40 anos. Achei estranho porque tenho uma idade maior que essa, mas ele disse que isso não tinha importância e partimos para o filme.

Como foi a experiência de viver a Madame Clessy?

Viver qualquer texto do Nelson é uma experiência rica porque ele tem um jeito todo particular de contar a vida. Queria muito viver isso. E a Clessy é linda, é uma personagem muito bonita que morre de amor por um menino de 17 anos. Sempre vi a Madame Clessy muito meiga e delicada, diferente de outras interpretações que deram a ela. Já vi a Clessy muito incisiva, mais cafetina mesmo, mas sempre imaginei ela mais doce, mais menina. Aliás, eu tenho mesmo essa tendência de puxar o lado menina das personagens. Gosto de fazer isso.

E porque você faz isso?

Acho que a alma da personagem está mais na criança. É quando ela é mais verdadeira. Eu sempre regrido um pouco os personagens para entender as almas deles. Acho que é isso. E a Madame Clessy é uma menina, uma menina.

Isso me fez lembrar de seu personagem duplo no filme Polaróides Urbanas...
É que as gêmeas são puro instinto. A criança é puro instinto. A Magali e a Magda talvez tenham essa coisa mais infantil, mais espontânea. Possuem menos auto-censura.

Como foi o trabalho em Polaróides?

O Miguel Falabella é um homem de teatro. Primeiro como ator e depois como escritor, produtor e diretor. Depois é que foi fazer televisão e agora está começando em cinema. Jamais achei que o filme ficasse “televisivo”. Imaginei que pudesse ser teatral, e ele é, porque uma parte acontece dentro do teatro. Agora, o Miguel é muito talentoso e delicado no trato com os atores. Essa é uma diferença muito visível entre os diretores que são também atores e os diretores-diretores. Os diretores-atores possuem um extremo cuidado com os atores e um desejo enorme de deixá-los à vontade e felizes. Afinal são os atores que carregam a obra mesmo que seja imprescindível ter um grande texto e um grande diretor. Agora se o ator não complementa tudo isso, o trabalho se perde. Voltando ao Miguel... ele sabia muito bem o que queria, nunca ficou perdido e conseguiu com o diretor de fotografia uma movimentação de câmera muito cinematográfica. Acho o filme muito bem acabado, muito redondo. E muito bonito, o que acabou me surpreendendo porque a minha parte é muito chanchada da Atlântida – a Magali e a Magda são a Dercy Gonçalves [risos] - e não sabia que aconteceriam tantos momentos pungentes e dramáticos nas outras partes.

Você possui muitos sucessos como diretora de teatro, entre eles O Mistério de Irma Vap. Nunca pensou em dirigir para cinema?
Não, não conheço a mecânica da coisa e é um trabalho insano. Teatro também é, mas o diretor de cinema fica envolvido com o texto muito tempo antes e demora para começar a filme. Depois é uma tourada para filmar e quando acaba ainda tem a edição, a captação de recursos para finalização, o lançamento, festivais. É muito trabalhoso fazer cinema e tem toda uma técnica que desconheço. Já é o teatro eu conheço.

O Vestido de Noiva estréia na TV, o Polaróides ainda está nos cinemas e a novela Duas Caras está acabando neste mês. O que vem pela frente?
Estou na direção da peça Doce Deleite, texto de Alcione Araújo com Camila Morgado e Reynaldo Gianecchini no elenco e que estréia este mês no Rio de Janeiro. Em junho começo a ensaiar com Ivaldo Bertazzo o espetáculo Oscaritos e Grandes Otelos que é meio a história do musical brasileiro. Vou dirigir uma nova montagem de O Mistério de Irma Vap com Cássio Scapin e Marcelo Médici e que deve estrear em setembro em São Paulo. E para o começo do ano que vem vou dirigir a Fafy Siqueira em uma peça sobre a Dercy Gonçalves. Texto da Maria Adelaide Amaral.

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