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quinta-feira, 26 de maio de 2011

Palocci problema : Na versão solução, ele é um bálsamo para o governo e para o país. Na versão encrenca, ele deixa muita gente assustada

Autor(es): Daniel Pereira
Veja - 23/05/2011

Na versão solução, ele é um bálsamo para o governo e para o país. Na versão encrenca, ele deixa muita gente assustada

Antonio Palocci angariou tamanho respeito desde que apareceu do nada para ser ministro da Fazenda no primeiro governo Lula que fica difícil encontrar um exemplo histórico que ilustre essa situação excepcional. Nos governos militares, Delfim Netto era poderoso demais para ter de cativar as pessoas pelo convencimento como Palocci se viu obrigado a fazer. Na redemocratização, houve personagens mais remidos, com maior influência sobre o presidente da República e até mais populares do que Palocci, mas nenhum combinou melhor todas essas características em uma única pessoa do que o atual ministro da Casa Civil. Por isso, quando Palocci aparece na região do inferno, todo o mapa do zodíaco político, não apenas o de Brasília, entra em turbilhão. É o que vem ocorrendo desde que o jornal Folha de S. Paulo revelou que o patrimônio dele se multiplicou por vinte no período de quatro anos - justamente aqueles em que Palocci passou em aparente ostracismo, cumprindo o mandato de deputado federal pelo PT de São Paulo, apeado que fora do núcleo do poder do governo Lula por um bizarro escândalo cujo lance final e menos republicano foi a quebra do sigilo bancário de um pobre caseiro que teve o azar de testemunhar certos fatos ocorridos em certa mansão na capital federal. Palocci superou tudo e, no governo Dilma Rousseff, voltou ainda mais forte ao coração do poder em Brasília. Agora, a origem da súbita fortuna do médico sanitarista feito mestre da política e da economia volta a assombrar. Palocci não deve ser investigado, mas deve uma explicação aos brasileiros.
Tão hábil, transparente, afável e conciliador na vida pública, Palocci consegue de tempos em tempos destruir tudo o que construiu - talvez pelo excesso de confiança de que pode recolocar tudo no lugar. Se valer a vontade do mundo empresarial brasileiro, que Palocci conquistou por ser um raro elemento de racionalidade em Brasília, ele consegue se pôr de pé puxando os próprios cadarços dos sapatos. "Se em um almoço com o PIB Palocci disser na salada que precisa de alguns milhões, quando chegar a sobremesa o dinheiro estará na conta dele ou de quem ele mandar, diz um grande banqueiro, perplexo com o escândalo que envolve o atual ministro da Casa Civil.
O que pesa contra Palocci? Resumindo, o patrimônio declarado por ele parece incompatível com os ganhos de deputado federal. Segundo a reportagem do jornal paulistano, em 2009 o então deputado federal pelo PT comprou um escritório na capital paulista por 882 000 reais. No ano seguinte, adquiriu outro apartamento por 6,6 milhões de reais. As aquisições não poderiam ser feitas apenas com os vencimentos e outras vantagens percebidas por um deputado federal. Palocci explicou que o dinheiro para a compra dos apartamentos veio de ganhos auferidos por sua empresa de consultoria, a Projeto, que funcionou a plena carga nos quatro anos em que ele esteve no plenário da Câmara dos Deputados - e foi desativada antes que assumisse o mais conspícuo cargo no governo Dilma Rousseff. Não é crime nem agride a ética um deputado ser também empresário. Ele só não pode fazer três coisas. A primeira é negociar diretamente com o governo. A segunda é intermediar negócios que facilitem o acesso de empresas privadas aos cofres públicos. A terceira - bem, a terceira é ampla e universalmente desrespeitada - é usar as informações obtidas no exercício parlamentar para ajudar sua própria empresa ou a de terceiros a influenciar a trarnítação de projetos no Congresso Nacional. Palocci garante não ter cometido nenhum dos deslizes acima, mas se negou a nomear seus clientes, alegando estar impedido de fazer isso pelos termos de confidencialidade dos contratos que assinou.
A reação pública de Palocci foi um desastre. Ele divulgou uma nota na qual, em resumo, desafiava: "Fiz, mas quem não faz?". Lembrou que existe muito político que também é empresário e que, no passado, banqueiros viraram servidores públicos e funcionários públicos viraram banqueiros ao abandonar seus cargos oficiais. Dos 513 deputados e 81 senadores, 273 exercem atividades empresariais. Nesse universo, as consultorias desempenham um papel preponderante, que é justamente aquele que Palocci garante não ter feito: atalhar os caminhos que levam ao sucesso de um projeto em tramitação no Congresso Nacional. A inadequação da resposta pública de Palocci, enviada por e-mail a centenas de aliados e adversários, foi total. A certa altura, a mensagem lembra que o "valor de um ex-ministro da Fazenda é muito alto". Não haveria maneira mais eficiente de causar desconfiança. Mas, tomando o mote, onde empresas teriam enxergado valor no ex-ministro Palocci a ponto de lhe dar alguns milhões de reais?
O Grupo WTorre admitiu ter contratado a Projeto. A WTorre é uma empreiteira que fez doações às campanhas de Palocci em 2006 e de Dilma em 2010. Nos últimos quatro anos, fechou negócios com fundos de pensão, estatais e com a Petrobras. Palocci admite ter ido a "reuniões pagas, mas sem contratos" com a WTorre quando a empresa estava em via de abrir o capital em bolsa. As reuniões teriam ocorrido muito antes de a empresa ter sido brindada com a generosidade de aportes financeiros dos fundos de pensão. Palocci fez palestras pagas pela Amil, operadora de saúde que tem sua atuação fiscalizada pela Agência Nacional de Saúde e cujos diretores nomeados passam pelo crivo da Casa Civil. Difícil ver nisso agressão à ética. As duas palestras que ele fez por 27 000 reais cada uma a convite do setor de açúcar e de álcool caem na mesma categoria. Não sugerem falta de ética e não explicam o aumento do patrimônio. A presidente Dilma pediu explicações. Palocci contou que ganhou dinheiro dando consultoria sobre riscos cambiais entre julho e setembro de 2008. Palocci disse que, por ter sido ministro da Fazenda e se tomado um competente economista sem diploma (o que ninguém discute), viu com maior clareza o tamanho do perigo cambial. Ele teria ajudado diversas empresas a desmontar suas arriscadas operações com os voláteis derivativos cambiais. A uma delas, com exposição de 250 milhões em derivativos, ele teria evitado um prejuízo de 5 bilhões. É ruim quando um ministro da estatura de Palocci tem de dar explicações - mas péssimo mesmo é não dá-las e apostar que as nuvens negras se dissipem.






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