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quinta-feira, 26 de maio de 2011

Condenada pelo mensalão


Autor(es): Hugo Marques
Veja - 23/05/2011

Ex-petista perdeu o emprego no Núcleo de Mídia do Banco do Brasil após se negar a atestar campanha fictícia que rendeu 60 milhões de reais às arcas de Marcos Valério

Com a aproximação do julgamento do processo do mensalão, o esquema de distribuição de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo Lula no Congresso, o PT se empenha em limpar a ficha dos próceres do partido envolvidos no escândalo. Delúbio Soares foi readmitido nos quadros partidários, José Genoíno foi condecorado pelas Forças Armadas, João Paulo Cunha assumiu a comissão mais importante da Câmara dos Deputados e José Dirceu atua com desenvoltura na sua função de lobista de luxo. O que eles tem em comum? Uniram-se na estratégia de negar o maior caso de corrupção já descoberto no Brasil, protegendo o partido e, dessa forma, uns aos outros. Para essas pessoas, ao contrário do que se poderia supor, a vida parece bela. Pelo menos até aqui. Rumo diferente tomou a vida de uma publicitária de 55 anos que teve coragem de dizer "não" ao esquema. Ex-petista, Danevita Ferreira de Magalhães era gerente do Núcleo de Mídia do Banco do Brasil quando, ainda em 2004, foi instada a participar de uma fraude para justificar a remessa de nada menos que 60 milhões de reais às arcas do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, o caixa-forte do mensalão. Ela não se curvou à ordem. Por isso, foi demitida e viu sua vida virar de cabeça para baixo. Ameaçada de morte e vivendo de favor na casa de amigos, Danevita é agora uma testemunha-chave do Ministério Público Federal para provar que o mensalão foi abastecido sim, com dinheiro público. Entre 1997 e 2004, Dane, como é carinhosamente chamada pelos poucos amigos que lhe restaram, coordenou o núcleo do Banco do Brasil que administrava os pagamentos às agências de publicidade contratadas para fazer a propaganda da instituição e de seus produtos. Por esse núcleo, formado por representantes das agências, passava todo opapelório necessário para liberar os mais de 180 milhões de reais gastos a cada ano nas campanhas publicitárias do banco. Foi no momento de assinar um desses documentos que Danevita viu sua carreira desmoronar. O papel fugia completamente aos padrões. Tratava-se de uma ordem para chancelar um pagamento de 60 milhões de reais à DNA Propaganda, uma das empresas do mineiro Marcos Valério que abasteceram o mensalão. Detalhe: o dinheiro já havia sido repassado para a DNA, e o documento só serviria para atestar, falsamente, a veiculação de uma campanha fictícia que nunca fora ao ar. Uma fraude completa. A assinatura de Danevita era necessária para legitimar a operação. À Polícia Federal, ela disse que um dos diretores da DNA admitiu, na ocasião, que o serviço jamais seria prestado. Ato contínuo à decisão de negar a assinatura que tanto valeria a Marcos Valério e ao esquema que já no ano seguinte ficaria conhecido como mensalão, veio a demissão. "Como não assinei, fui demitida", disse Danevita a VEJA. Foi um duro golpe. Especialmente porque, até ali, ela acreditava piamente no projeto petista. Nos anos 80, chegou a participar de passeatas em São Paulo ao lado de Lula. "Eu era uma petista roxa, o PT e o Lula representavam a esperança", diz. A decepção com o partido e com o ex-presidente veio na mesma velocidade do escândalo. Desde que perdeu o emprego, Danevita passou a viver de biscates, dependendo de favores. Há sete anos não tem um trabalho formal. Quando era funcionária do Núcleo de Mídia do Banco do Brasil, ela levava uma vida tranquila. Ganhava um salário de 15 000 reais e morava em um bom apartamento de três quartos numa área nobre de Brasília. Andava em carro do ano e costumava viajar com frequência. Situação muito diferente da de agora: no modesto quarto que uma amiga lhe empresta, não há espaço para nada além de uma cama de solteiro e uma televisão. Com a mudança de vida, vieram as ameaças. Danevita diz que passou a recebê-las pouco depois de ter prestado depoimento à Polícia Federal, em abril de 2008. Diretamente, foram três até hoje. Sempre por meio de telefonemas anônimos, ordenando que ela volte atrás em suas declarações. As tentativas de intimidação, porém, parecem não ter funcionado: "Se tivesse de falar, eu falaria tudo de novo".

O depoimento de Danevita, alçada à condição de testemunha de acusação no processo do mensalão, é um dos mais importantes contidos nos 210 volumes que formam os autos. Seu relato sobre o contrato fraudado para lavar uma transferência ilegal de dinheiro para a empresa de Marcos Valério dá força àquela que é, talvez, a principal acusação contra os mensaleiros, sustentada pela Procuradoria-Geral da República desde o libelo que levou os mensaleiros às barras do Supremo Tribunal Federal: o esquema, afirma a denúncia, foi irrigado com o nosso dinheiro. As provas desse duto público, robustecidas por perícias da Polícia Federal que também fazem parte do processo, jogam por terra a estratégia petista de tentar reduzir os crimes cometidos a um caso simplório de caixa dois de campanha. Bem antes de Delúbio Soares, Marcos Valério e companhia se sentarem no banco dos réus, Danevita pode se considerar punida pelo escândalo. Afinal, foi condenada à ruína por ser honesta e não ter se curvado aos mensaleiros. Mas ela tem fé em que vai rir por último: "Sofro o castigo por ter dito a verdade e ter agido corretamente, mas eu ainda quero ser vista como um exemplo de superação".







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