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sábado, 22 de janeiro de 2011

EPOCA : Por que somos solidários (trecho)




O que explica os atos de altruísmo e caridade que mobilizam a sociedade para ajudar as vítimas de tragédias como as enchentes do Rio de Janeiro
Martha Mendonça e Letícia Sorg Com Humberto Maia Junior, Nelito Fernandes, Rafael Pereira e Maurício Meireles
Confira a seguir um trecho dessa reportagem que pode ser lida na íntegra na edição da revista Época de 22 de janeiro de 2011.

Assinantes têm acesso à íntegra no Saiba mais no final da página.

TRAGÉDIA E AJUDA
Richard Carson
Desabrigados em estádio depois da passagem do Furacão Katrina por Nova Orleans, em agosto de 2005

Era dia de sol no feriado de São Sebastião, padroeiro do Rio de Janeiro. Mal a quinta-feira amanheceu, a estudante de enfermagem Caroline Martins, de 21 anos, acordou e saiu de casa. Seu destino não era a praia. Uma hora e meia depois, ela estava entre os mais de 100 voluntários que trabalhavam no Ginásio Poliesportivo Pedro Jahara, no centro de Teresópolis, uma das cidades com mais mortos e desabrigados pela tragédia das chuvas no Estado. Munida de cuidado e paciência, ela fazia a triagem de toneladas de roupas que chegaram ali por meio de doações. As arquibancadas, que têm capacidade para 5 mil pessoas, estavam lotadas. Seu primeiro trabalho era separar o que servia. Muita coisa chegava rasgada ou mofada. Depois, dividia entre masculino, feminino, infantil e ainda calçados e acessórios. O material era enviado a outro grupo, que, na quadra central, o separava por tamanho e tornava tudo disponível para as famílias que procuravam o local. “Nessas horas, ajudar dá mais prazer do que se divertir”, diz Caroline. Ela subiu a serra para integrar alguma equipe de saúde, já que está no 6º período da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Adepta de corrida e judô, ela acreditava que poderia entrar em locais perigosos para ajudar quem precisava. Mas não conseguiu. “Então arregacei as mangas e arrumei outra forma de cooperar”, diz. Antes de a noite chegar, ela esperava encontrar um lugar para ficar por pelo menos três noites: “Se não conseguir, não tem problema. Durmo aqui mesmo”.

Na semana passada, o que não faltava nas cidades atingidas pelas enchentes eram Carolines. “Oi, eu vim aqui ajudar. O que posso fazer?” Era o que se ouvia a cada minuto na entrada do ginásio de Teresópolis, que concentra boa parte do trabalho social da cidade. E não só lá. Em Nova Friburgo, Petrópolis e em todas as cidades menores e nos vilarejos devastados da região serrana, onde o número de desabrigados superava os 20 mil, moviam-se legiões de voluntários que vinham de toda parte do país para ajudar. Simplesmente ajudar.

O empresário Nélio Zaúde, de 48 anos, poderia seguir sua rotina de fabricante de máquinas e termoplásticos na cidade de São Roque, em São Paulo. Mas não. Ele deixou a família na quinta-feira para levar pessoalmente, de caminhão, numa viagem de 12 horas, 9 toneladas de donativos até Nova Friburgo. Foram coisas que eles e seus funcionários conseguiram em um dia de coleta. No ano passado, durante as enchentes de Santa Catarina, fez a mesma coisa: foi até lá e se enfiou na lama para ajudar. “Não dá para dormir no quentinho, comer do melhor, enquanto muitos, que perderam amigos e parentes, estão passando fome, em meio à sujeira”, diz Zaúde. “Não dá para ficar sentado sem fazer nada.”

No ranking dos países mais solidários, o Brasil
ocupa a 76ª colocação. É uma posição ruim

A professora Quitéria da Silva Lima, de 49 anos, moradora da cidade de Paulo Jacinto, a 100 quilômetros de Maceió, sentiu o mesmo impulso. Ela foi à rádio local sensibilizar as pessoas de seu município para colaborar com doações. Resultado: a garagem de sua casa acabou tomada por roupas, colchões e sapatos. Em junho, a cidade de Paulo Jacinto ficou submersa após as chuvas que mataram 27 pessoas e afetaram cerca de 200 mil no Estado. Quitéria não estava entre as vítimas, mas viu pessoas perder tudo. “Recebemos ajuda de todo o Brasil. Não nos faltou nada.” Foi nisso que pensou quando viu as notícias das mortes e de pessoas desabrigadas na região serrana do Rio de Janeiro. “Agora que estamos bem, podemos ajudar”, afirma. “Não conhecemos as pessoas, elas são de regiões mais ricas do que a nossa, mas são filhos de Deus e nossos irmãos. Temos obrigação de ajudar.”

Posto assim, com tanta naturalidade, parece simples. Mas, em verdade, não é. De onde vem o sentimento de solidariedade? Numa sociedade em que as preocupações pessoais e familiares são amplamente dominantes, o que leva pessoas como Quitéria, Zaúde e Caroline a deixar de lado o cuidado com os próprios interesses para preocupar-se com os problemas de estranhos? Qual é o pedaço de nossa natureza ou de nossa cultura que responde pelo impulso do altruísmo, aquele que nos torna capazes de sacrificar nosso bem-estar (e às vezes a própria vida) para ajudar outras pessoas? Em janeiro de 2007, Wesley Autrey, um nova-iorquino como qualquer outro, saltou à frente de um trem de metrô para salvar a vida de um senhor que havia desmaiado e caído nos trilhos. Por pouco ele mesmo não morreu. O que explica isso? Ou, de forma menos dramática, o que move o consagrado ator americano Sean Penn? Milionário e ganhador de dois Oscars, ele fez questão de enfiar-se na lama deixada pelo Furacão Katrina, em 2005, para ajudar as vítimas da inundação. No ano passado, ajudou a criar uma organização para ajudar a reconstrução do Haiti, devastado por um terremoto. Aos 50 anos, talentoso e estimado, ele poderia cuidar integralmente de seus projetos artísticos, mas promete dedicar-se ao Haiti de forma permanente. “Não existe um ponto final”, diz ele. “É aqui que eu vou estar quando não estiver trabalhando, pelo resto de minha vida.”


Qual país é mais solidário?
A Charities Aid Foundation e o Instituto Gallup entrevistaram pessoas em 153 países para avaliar a prática de atitudes altruístas. Em média, 20% da população global doa tempo, 30% doam dinheiro e 45% ajudam estranhos

reprodução/Revista Época reprodução/Revista Época

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