Confira a seguir um trecho dessa reportagem que pode ser lida na íntegra na edição da revista Época de 22 de janeiro de 2011. |
Assinantes têm acesso à íntegra no Saiba mais no final da página. |
TRAGÉDIA E AJUDA |
Desabrigados em estádio depois da passagem do Furacão Katrina por Nova Orleans, em agosto de 2005 |
Era dia de sol no feriado de São Sebastião, padroeiro do Rio de Janeiro. Mal a quinta-feira amanheceu, a estudante de enfermagem Caroline Martins, de 21 anos, acordou e saiu de casa. Seu destino não era a praia. Uma hora e meia depois, ela estava entre os mais de 100 voluntários que trabalhavam no Ginásio Poliesportivo Pedro Jahara, no centro de Teresópolis, uma das cidades com mais mortos e desabrigados pela tragédia das chuvas no Estado. Munida de cuidado e paciência, ela fazia a triagem de toneladas de roupas que chegaram ali por meio de doações. As arquibancadas, que têm capacidade para 5 mil pessoas, estavam lotadas. Seu primeiro trabalho era separar o que servia. Muita coisa chegava rasgada ou mofada. Depois, dividia entre masculino, feminino, infantil e ainda calçados e acessórios. O material era enviado a outro grupo, que, na quadra central, o separava por tamanho e tornava tudo disponível para as famílias que procuravam o local. “Nessas horas, ajudar dá mais prazer do que se divertir”, diz Caroline. Ela subiu a serra para integrar alguma equipe de saúde, já que está no 6º período da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Adepta de corrida e judô, ela acreditava que poderia entrar em locais perigosos para ajudar quem precisava. Mas não conseguiu. “Então arregacei as mangas e arrumei outra forma de cooperar”, diz. Antes de a noite chegar, ela esperava encontrar um lugar para ficar por pelo menos três noites: “Se não conseguir, não tem problema. Durmo aqui mesmo”. Na semana passada, o que não faltava nas cidades atingidas pelas enchentes eram Carolines. “Oi, eu vim aqui ajudar. O que posso fazer?” Era o que se ouvia a cada minuto na entrada do ginásio de Teresópolis, que concentra boa parte do trabalho social da cidade. E não só lá. Em Nova Friburgo, Petrópolis e em todas as cidades menores e nos vilarejos devastados da região serrana, onde o número de desabrigados superava os 20 mil, moviam-se legiões de voluntários que vinham de toda parte do país para ajudar. Simplesmente ajudar. O empresário Nélio Zaúde, de 48 anos, poderia seguir sua rotina de fabricante de máquinas e termoplásticos na cidade de São Roque, em São Paulo. Mas não. Ele deixou a família na quinta-feira para levar pessoalmente, de caminhão, numa viagem de 12 horas, 9 toneladas de donativos até Nova Friburgo. Foram coisas que eles e seus funcionários conseguiram em um dia de coleta. No ano passado, durante as enchentes de Santa Catarina, fez a mesma coisa: foi até lá e se enfiou na lama para ajudar. “Não dá para dormir no quentinho, comer do melhor, enquanto muitos, que perderam amigos e parentes, estão passando fome, em meio à sujeira”, diz Zaúde. “Não dá para ficar sentado sem fazer nada.” A professora Quitéria da Silva Lima, de 49 anos, moradora da cidade de Paulo Jacinto, a 100 quilômetros de Maceió, sentiu o mesmo impulso. Ela foi à rádio local sensibilizar as pessoas de seu município para colaborar com doações. Resultado: a garagem de sua casa acabou tomada por roupas, colchões e sapatos. Em junho, a cidade de Paulo Jacinto ficou submersa após as chuvas que mataram 27 pessoas e afetaram cerca de 200 mil no Estado. Quitéria não estava entre as vítimas, mas viu pessoas perder tudo. “Recebemos ajuda de todo o Brasil. Não nos faltou nada.” Foi nisso que pensou quando viu as notícias das mortes e de pessoas desabrigadas na região serrana do Rio de Janeiro. “Agora que estamos bem, podemos ajudar”, afirma. “Não conhecemos as pessoas, elas são de regiões mais ricas do que a nossa, mas são filhos de Deus e nossos irmãos. Temos obrigação de ajudar.” Posto assim, com tanta naturalidade, parece simples. Mas, em verdade, não é. De onde vem o sentimento de solidariedade? Numa sociedade em que as preocupações pessoais e familiares são amplamente dominantes, o que leva pessoas como Quitéria, Zaúde e Caroline a deixar de lado o cuidado com os próprios interesses para preocupar-se com os problemas de estranhos? Qual é o pedaço de nossa natureza ou de nossa cultura que responde pelo impulso do altruísmo, aquele que nos torna capazes de sacrificar nosso bem-estar (e às vezes a própria vida) para ajudar outras pessoas? Em janeiro de 2007, Wesley Autrey, um nova-iorquino como qualquer outro, saltou à frente de um trem de metrô para salvar a vida de um senhor que havia desmaiado e caído nos trilhos. Por pouco ele mesmo não morreu. O que explica isso? Ou, de forma menos dramática, o que move o consagrado ator americano Sean Penn? Milionário e ganhador de dois Oscars, ele fez questão de enfiar-se na lama deixada pelo Furacão Katrina, em 2005, para ajudar as vítimas da inundação. No ano passado, ajudou a criar uma organização para ajudar a reconstrução do Haiti, devastado por um terremoto. Aos 50 anos, talentoso e estimado, ele poderia cuidar integralmente de seus projetos artísticos, mas promete dedicar-se ao Haiti de forma permanente. “Não existe um ponto final”, diz ele. “É aqui que eu vou estar quando não estiver trabalhando, pelo resto de minha vida.” |
Qual país é mais solidário? |
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A Charities Aid Foundation e o Instituto Gallup entrevistaram pessoas em 153 países para avaliar a prática de atitudes altruístas. Em média, 20% da população global doa tempo, 30% doam dinheiro e 45% ajudam estranhos |
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