Dono de emissora de televisão na fila de cumprimentos da presidente da República, no dia da posse, é fato normal, corriqueiro? Não é, não! E um diretor de jornalismo, como é o caso de Douglas Tavolaro, no beija-mão? É coisa da qual a imprensa deva se orgulhar? Bem, é coisa da qual a Record certamente se orgulha, como se nota pelo tom quase apoteótico da narrativa. E convém, então, não confundir a imprensa com a emissora.
O conjunto da obra já seria heterodoxo o bastante não estivesse a cúpula da Record na, atenção!, fila dos dignitários estrangeiros. Não havendo onde enfiar Edir Macedo e seus homens de preto, houveram por bem considerá-lo chefe de estado - além de ser uma autoridade, muito à sua maneira, “eclesiástica”… Essa fila é organizada pelo Itamaraty, que nunca se engana nessas coisas. Macedo cochicha alguma coisa ao ouvido da presidente, que sorri. Um momento realmente lindo e doce da política, do jornalismo e até da diplomacia, que não mereceu o estranhamento dos meus colegas da imprensa. Parece que a missão de perguntar por que os jabutis estão em cima das árvores continua QUASE monopólio deste escriba.
A fila de cumprimentos das autoridades e convidados brasileiros se deu depois da posse dos ministros. Ali estavam os governadores de Estado e outras autoridades. Macedo teve, pois, lugar de honra. Está acima dessa gentalha toda. Isso mostra bem a gratidão de Dilma - e de Lula - à Record e ao teor de chapa-branquismo do jornalismo praticado pela emissora. Em qualquer outro país democrático, algo assim seria inconcebível; se ocorresse, seria um escândalo. Por aqui, parece tão normal quanto declarar que hoje é terça-feira.
Fatores antecedentes e o futuro
Macedo, vocês se lembram, divulgou uma carta em apoio a Dilma durante a campanha eleitoral, quando a opinião da então candidata, favorável à descriminação do aborto, começou a lhe causar problemas. Um apoio certamente de peso. O dito religioso faz em vídeo uma das defesas mais asquerosas do aborto de que tive notícia (aqui). Ali, em meio a apelos de suposta cientificidade, ouvem-se coisas como: “O que é melhor? Um aborto ou uma criança vivendo num lixão?”. Ou ainda: “É preferível abortar do que ter a criança saudável, mas criando problemas para si, mendigando, comendo o pão que o diabo amassou e sendo nociva à sociedade”. São flagrantes da moral e da ética de um homem que, na posse, recebeu distinção que não foi reservada a nenhum outro brasileiro, o que obrigou ao cerimonial a lhe arrumar uma vaga entre as autoridades estrangeiras. Nunca antes na história destepaiz…
Tanto a cúpula da Record como o governo sabem por que estavam lá os “homens de Deus”. Esse “espírito crítico” do beija-mão foi empregado pela Record na, por assim dizer, “cobertura jornalística” da campanha eleitoral. No ramo a que se dedicam todas as personagens envolvidas na história, é dando que se recebe. E é claro que não estou me referindo a São Francisco de Assis - não seria eu a misturar um santo com Edir Macedo.
Controle da mídia
Dilma não parece muito entusiasmada com o projeto de Franklin Martins de “controlar a mídia”. Há na proposta do ex-ministro da Supressão da Verdade muito de rancor pessoal, contra a Globo, e a presidente considera que não é o caso de comprar uma briga que não é sua. Há no governo - sim, no novo governo - quem ache que cooptar os cooptáveis é muito mais fácil do que censurar os independentes. Muitos petistas - a começar de José Dirceu! - estão empenhados em criar uma espécie de “imprensa-espelho”, que concorra com a imprensa séria, aquela ainda comprometida com os fatos e com a verdade, que tem a independência como sua característica principal.
Intramuros, o Palácio considera que já tem no papo, hoje, ao menos três redes de televisão, além da simpatia explícita de uma quarta, uma revista semanal de alguma relevância, vários jornais e um sem-número de emissoras de rádio, cujo apoio foi conquistado com a chamada “pulverização” da verba publicitária oficial. Os comandantes dessas empresas, no entanto, não ousaram comparecer ao beija-mão. Macedo não precisa disfarçar. Ele é aquilo que é.
Aquela súcia que vive cobrando “controle social da mídia” em nome da “independência e da pluralidade” não vai protestar. Afinal, o bando considera que só se é verdadeiramente independente quando se está alinhado com o PT. Quem precisa de Franklin Martins? Há métodos mais eficientes do que o seu leninismo caipira.
Por Reinaldo AzevedoSphere: Related Content
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