A história da obstinação de setores do atual governo pela concretização de um novo marco regulatório das comunicações eletrônicas que permita algum tipo de "controle social" de conteúdos viveu mais um capítulo esta semana. O jornal Folha de S.Paulo teve acesso ao anteprojeto do governo de uma tal Lei Geral da Comunicação Social, destinada a regular o funcionamento do setor por meio da criação de um novo órgão, a Agência Nacional de Comunicação (ANC), que substituiria a Agência Nacional do Cinema. Caberia a essa nova agência, entre outras atribuições, regular o conteúdo veiculado pelas emissoras de rádio e televisão. A notícia provocou reação negativa tanto na área política quanto na empresarial. Com a mesma presteza, o principal responsável pela elaboração do projeto, o ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Franklin Martins, tentou minimizar a importância da notícia, alegando que existem várias versões de anteprojeto sobre o assunto. E a presidente da Empresa Brasil de Comunicação, Tereza Cruvinel, subordinada ao ministro, tentou desconversar: "Ouvi dizer que a versão publicada não é a definitiva." Mas não resistiu à oportunidade de reiterar o que pensa sua turma: "Como jornalista, acho que precisamos de alguma regulação. A liberdade de imprensa é sagrada, porém outros direitos precisam ser preservados." Há sempre um "porém".
O anteprojeto, elaborado por um grupo de trabalho criado há seis meses e coordenado pelo ministro Martins, prevê, por exemplo, que a agência a ser criada terá poderes para multar empresas que, a seu critério, veiculem programação ofensiva, preconceituosa ou inadequada ao horário. Não tem nada a ver com censura, garantem fontes do governo, pois a punição resultará sempre de um julgamento a posteriori. Que bom!
Já o líder do PSDB na Câmara, deputado João Almeida, não é tão otimista: "Esse julgamento implicará sempre uma manifestação ideológica em relação ao tema. Isso é uma coisa sempre muito perigosa, pode acabar descambando para a censura pura e simples." Essa é também a opinião do senador José Agripino, líder do DEM: "Qualquer tentativa dessas tem que ser vista sempre com muito cuidado. A liberdade de imprensa é uma conquista da democracia. Esse governo tem o cacoete de flertar com o cerceamento da liberdade."
Até onde se sabe, Dilma Rousseff não pretende manter em sua equipe o ministro Martins, ideólogo do "controle social" da mídia, e sua turma. Coerente com as reiteradas manifestações que tem feito de repúdio ao controle de conteúdo na mídia, a presidente eleita parece disposta a mudar o tom do discurso da Secretaria de Comunicação Social da Presidência. O que implicará contrariar a tendência que predomina nas entidades "de esquerda" que deram o tom, por exemplo, da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada um ano atrás em Brasília por iniciativa do ministro Martins. Essas entidades, na verdade, estão sempre mais à esquerda do que o próprio governo e frequentemente manifestam insatisfação com a "falta de avanços" tanto na regulação da tele e da radiodifusão quanto no controle dos conteúdos da mídia em geral.
Claro exemplo dessa situação é a posição de uma dessas entidades, a Associação Brasileira de Canais Comunitários, manifestada por seu presidente, Paulo Miranda, a propósito da cláusula do anteprojeto da Lei Geral de Comunicação que prevê a criação da ANC. Miranda defende a criação não de uma agência, mas de um Conselho de Comunicação, integrado por representantes da sociedade e das empresas do setor: "Uma agência não nos interessa. Tivemos a promessa do ministro Franklin Martins de que seria prevista a criação de um Conselho de Comunicação." A razão: um conselho permitiria a participação "mais ativa" da sociedade no controle das comunicações, enquanto uma agência reguladora seria apenas "mais um organismo burocrático". O que se almeja, portanto, é algo assim como a "democracia direta". De fato, e não por acaso, a criação de um conselho, e não de uma agência, foi uma das propostas aprovadas por unanimidade na célebre Confecom do ministro Martins.
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