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sexta-feira, 23 de abril de 2010

Trabalhadores expostos à radiação nuclear são abandonados por estatal


Patrícia Cançado e Ricardo Grinbaum

Doentes, ex-funcionários da antiga Nuclemon brigam na Justiça para ter pelo menos um plano de saúde

Quando recebeu um pacote pelo correio, há um mês, Jorge dos Santos e outros 62 ex-colegas de trabalho acharam que sua luta de anos por um plano de saúde havia chegado ao fim. Vítima de câncer de próstata, Santos trabalhou mais de uma década na antiga Nuclemon - empresa estatal processadora de areia monazítica, material rico em urânio e altamente radioativo - e saiu da empresa sem indenização nem acompanhamento médico. Ao abrir o envelope, porém, descobriu que a carteira não valia em São Paulo, onde vive, mas só no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. "Estão zoando com a gente", diz Santos.

O plano de saúde é uma questão urgente para funcionários que foram expostos a todo tipo de risco, desde a perda da audição por excesso de ruído das máquinas até câncer por exposição ao material radioativo sem as mínimas condições de segurança. Desde que a usina de São Paulo foi desativada, em 1992, algumas dezenas de pessoas já morreram entre os mais de 400 funcionários da época. Segundo os advogados, quatro dos 63 ex-funcionários que movem ação contra a Nuclemon morreram após o início do processo pelo plano de saúde, em 2005.

Os trabalhadores estão presos a uma armadilha. O administrador da empresa onde trabalhavam é o mesmo órgão do governo responsável por inspecionar a segurança das instalações. Hoje chamada INB (Indústrias Nucleares do Brasil), a Nuclemon processa vários tipos de materiais radioativos, inclusive combustível nuclear para as usinas de Angra dos Reis. Quem administra e fiscaliza a INB é a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), do Ministério da Ciência e Tecnologia. Em tese, a CNEN deveria cuidar da saúde dos trabalhadores. Mas não é o que Santos e seus colegas têm visto.

Quando precisaram fazer exames caros e urgentes, bateram na porta da CNEN e ouviram que, se quisessem cobertura médica além daquela oferecida pela saúde pública, deveriam procurar a Justiça. Foi o que fizeram há dois anos, depois de conseguirem um advogado de graça. Procurados pelo Estado, tanto a empresa quanto o Ministério da Ciência e Tecnologia deram resposta parecida. "A INB reconhece a importância da questão relativa à saúde ocupacional de seus empregados e ex-empregados. A empresa reconhece que a Justiça é soberana em suas decisões e a INB acatará qualquer que seja a sentença proferida em Juízo.''''

O drama do abandono dos ex-funcionários ocorre no momento em que o acidente de Goiânia com o Césio 137 completa 20 anos e o ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, anuncia a construção da Usina Nuclear Angra 3, que deve consumir R$ 7 bilhões em investimento. O governo garante que terá condições para produção segura, mas deixou para trás um grupo de trabalhadores que durante 40 anos manipulou material radioativo com as mãos, sem qualquer tipo de proteção.

Um relatório sobre o setor nuclear produzido pela Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados compara a situação dos trabalhadores às vítimas do Césio 137. "Durante décadas os trabalhadores sofreram contaminação crônica, através da inalação de poeira rica em urânio e tório. O risco que eles correm de ter câncer de pulmão e silicose é extremamente grande, com vários casos já registrados", diz o relatório. "O caso da Nuclemon é tão emblemático quanto o de Goiânia."

O ambiente da usina da Nuclemon em São Paulo era abafado, barulhento, coberto por um pó branco altamente perigoso. Os trabalhadores lavavam a roupa contaminada em casa e até comiam no meio da produção. "Os chefes gostavam de contratar gente semi-analfabeta, que não sabia o que estava fazendo ali", diz José Venâncio Alves, 58 anos.

Depois de processada, a areia tinha diversas aplicações - desde a indústria de tintas até em aparelhos de ressonância magnética e produção de energia nuclear. "O corpo todo coçava. Mas o tempo era curto e não dava para observar o corpo", lembra José Raimundo Costa, 76 anos, famoso na época por exibir uma saúde de ferro. Hoje tem silicose, endurecimento do pulmão provocado pela poeira da usina, e uma prótese no quadril por excesso de esforço.

Os trabalhadores souberam dos riscos após o acidente de Goiânia, em 1987. "Depois disso, eles começaram a colocar aparelhos para medir radiação no nosso corpo, mas a gente nunca sabia os resultados. A gente também não podia mais levar o uniforme para lavar em casa. Antes de sair, a gente passava no ?chiqueirinho? para tomar banho", conta Alves.


ACOMPANHAMENTO

Um ano antes de a usina ser desativada, uma médica da Prefeitura de São Paulo, Maria Vera de Oliveira, e uma fiscal do Trabalho, Fernanda Giannasi, acompanharam 160 dos 412 trabalhadores e encontraram perda auditiva em 58, problemas pulmonares por inalação de poeira em 14 e leucopenia (redução de glóbulos brancos no sangue que pode ser causada por câncer) em sete. A avaliação foi refeita em 2003 em 70 funcionários. A proporção de doentes só se agravava. Até 2004, havia oito casos de morte por câncer e seis por doenças pulmonares. "Essas pessoas devem ser acompanhadas até o fim da vida porque têm mais chance de desenvolver qualquer tipo de tumor", afirma Maria Vera, pneumologista do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de Santo Amaro.

Nas pessoas expostas à radiação, as doenças podem aparecer até 30 anos depois. É por isso que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) criou uma regra estabelecendo que trabalhadores da indústria nuclear passem por exames periódicos mesmo após a demissão. O Brasil assinou a Convenção 115 da OIT em 1960, mas nunca a regulamentou. Nesse contexto, a cobertura médica estaria garantida. Os trabalhadores já ganharam o direito na Justiça. Foi quando receberam um pacote com carteira do plano de saúde, mas que só valia para Rio e Minas. Agora, esperam abrir outro pacote com um plano que seja aceito onde moram.

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