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sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Considerações sobre um desconhecido Direito de Família e as dificuldades do advogado familiarista


Elaborado em 09.2009.

Roberto Lins Marques

Advogado militante. Pós-graduando em Direito Civil. Ex-membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/MG .Graduado no Curso de Formação de Governantes da Escola de Governo do Triângulo Mineiro.

O presente texto nem de longe tem a pretensão de ser pacificante ou um exauriente artigo científico – ainda mais porque, no campo em que concentro estas linhas, existem inúmeros profissionais de muito maior talento para traçá-las – mas possui o intento de um alerta, de um advogado militante que, por repetidas vezes, depara-se com o preconceito, o desconhecimento e com inúmeras injustiças perpetradas contra cidadãos comuns que pretendem tão somente exercer seu direito natural, constitucional e sagrado de constituir e preservar suas famílias, mas que defrontam-se diariamente com atuações jurisdicionais, intervenções estatais e rejeições sociais que caminham em sentido manifestamente oposto.

Como cediço, contam-nos os advogados contratualistas (que labutam numa área onde vínculos jurídicos ligam contratantes em deveres e direitos primordialmente disponíveis, no intuito principal de efetuar, com segurança jurídica, a circulação de bens e direitos – função social do contrato por excelência – sem qualquer cunho pessoal) que muito foram atormentados quando questões litigiosas envolvendo pessoas ligadas por vínculos essencialmente afetivos vieram a desaguar nas Varas Cíveis comuns ou especializadas em direito obrigacional, tendo tais relações sido tratadas insensivelmente como negócios jurídicos comuns, contratos comuns, desprestigiando por completo a dedicação, o amor, o afeto e a colaboração em grau extremo, tudo muito além do que eles, advogados contratualistas, estavam acostumados a trabalhar. Passaram a encontrar em suas audiências judiciais – nas quais teoricamente se deveria buscar o valor e o alcance de um instrumento ou vínculo contratual – sentimentos verdadeiramente familiares, de um amor mal resolvido, de um laço de confiança absolutamente superior ao vigente no direito contratual e que haviam sido rompidos, bem como a realidade de que terceiros (particularmente os filhos) seriam gravemente afetados e teriam seus futuros altamente influenciados pelas decisões ali realizadas, situações essas que os operadores do direito ali presentes – juízes e advogados contratualistas, não se exigindo sequer a presença do Ministério Público, sendo tudo decidido sem a ajuda preciosa de auxiliares da Justiça como psicólogos ou assistentes sociais – não estavam de fato capacitados para solucionar, sequer podendo aplicar a legislação necessária para resolver adequadamente os casos postos em discussão.

Desprezava-se por completo que o que verdadeiramente uniu aquelas partes não foi o intuito de criar uma sociedade patrimonial, de produção de riquezas e angariação de lucros, mas foi um sentimento maior, puro, ilimitado, de constituição de uma vida a dois, num desejo de amarem-se, respeitarem-se e serem mutuamente fiéis, inclusive com eventual constituição de descendência, onde não se colocavam como credores e devedores de direitos disponíveis, mas sim como legítimos e inconfundíveis partícipes de uma família natural.

A constituição de uma família é a única hipótese matemática em que um mais um é igual a um (1+1=1), onde dois seres humanos se somam para tornarem-se um só corpo familiar, onde voluntariamente se opta por trocar o direito à própria liberdade de vida pelo dever/prazer de dedicá-la à felicidade de um consorte, onde um não fará contra o outro o que não faria contra si próprio, numa visão romântica mas absolutamente verdadeira. Daí a preferência deste escritor pelo termo consorte para designar cada um dos membros de uma família, haja vista seus significados, como indivíduo que tem o mesmo destino de outro; colega; companheiro, e parceiro.

Faz-se necessário ter uma visão pluralista da família, abrigando os mais diversos arranjos familiares, devendo-se buscar a identificação do elemento que permita enlaçar no conceito de entidade familiar todos os relacionamentos que têm origens em um elo de afetividade, independentemente de sua confirmação. O desafio dos dias de hoje é achar o toque identificador das estruturas interpessoais que permita denominá-las como família. Esse referencial só pode ser identificado na afetividade. É o envolvimento emocional que leva a subtrair um relacionamento do âmbito do direito obrigacional – cujo núcleo é a vontade – para inseri-lo no direito das famílias, que tem como elemento estruturante o sentimento do amor que funde as almas e confunde patrimônios, gera responsabilidades e comprometimentos mútuos. Esse é o divisor entre o direto obrigacional e o familiar: os negócios têm por substrato exclusivamente a vontade, enquanto o traço diferenciador do direito de família é o afeto. A família é um grupo social fundado essencialmente nos laços de afetividade após o desaparecimento da família patriarcal, que desempenhava funções procriativas, econômicas, religiosas e políticas. (DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.009, p. 43).

Pois bem. Assim surgiu, para ser resolvido no campo do direito obrigacional ou no campo do direito trabalhista e, tão grave quanto, nas varas cíveis comuns (mesmo quando existentes varas familiares nas comarcas respectivas) ou nas varas trabalhistas, a dissolução de uma entidade familiar com todos os seus requisitos, objetivos e sonhos frustrados, em manifesta violação à dignidade do ser humano, só porque o liame sentimental outrora existente, embora dotado dos mais dignos predicados que o ser humano conhece, não tinha obtido a chancela do casamento.

As mulheres não casadas, v.g., que eram companheiras diuturnas e que se dedicavam muito mais que seus companheiros à harmoniosa e ordenada vida a dois e criação da prole, encontravam-se na situação humilhante de verem-se obrigadas a declarar-se como empregadas domésticas ou sócias de seus ex-consortes, no intuito exclusivo e inglorioso de não descobrirem-se desamparadas ao final de uma longa vida em comum, onde já se encontravam desalijadas do mercado de trabalho. Situação essa, aliás, que é – numa equiparação de certa forma adequada – muito conhecida do direito obrigacional, no que se convencionou chamar de contratos cativos de longa duração, onde se reconhece que a dependência de uma das partes à outra, advinda de um vínculo contratual de longo prazo, gera uma dependência igualmente mais densa e que continua a se agravar à medida que tal vínculo contratual também continua a existir, de forma tal que ao Judiciário foi outorgado o direito e a obrigação de intervir em favor da parte desfavorecida para, quando da solução do litígio, reconhecer que elas já não mais se encontram no mesmo patamar de igualdade quando do início da relação obrigacional. Esta intervenção Estatal, todavia, no intuito de aplicar tal figura jurídica onde se discutia o rompimento de um verdadeiro vínculo familiar, era absolutamente pobre de resultados e invariavelmente causadora de imensas injustiças, especialmente pelo fato de que o principal resultado pretendido na teoria dos contratos cativos de longa duração é perpetuar o vínculo obrigacional e minimizar as diferenças criadas o quanto possível, o que não pode ser almejado, ao menos por imposição Estatal, no Direito de Família.

Diante de tais injustiças, doutrina e parte da jurisprudência começaram a reagir, situação, todavia, que não foi capaz, por si só, de mudar a regra dominante e extinguir todas as imoralidades então perpetradas.

Com a evolução da sociedade, auxiliada pela facilitação dos meios de comunicação entre pessoas e povos, uma outra forma de família saiu da marginalização ao descobrir e reconhecer que não eram seres doentes e nem pouco numerosos, passando a reconhecerem-se como entidades familiares que tinham o direito e a necessidade de serem protegidas pelo Estado. Vozes começaram a ser ouvidas e aspirações surgiram, sem enganarem-se de que a batalha seria fácil, pois amplamente provida de dor e preconceitos, embora seus fins fossem – como ainda o são – legítimos, nobres e amplamente justos. Cito aqui as famílias homoafetivas, nome talvez complexo para designar uma família como qualquer outra, apenas constituída por duas pessoas do mesmo sexo, merecedora das mesmas garantias e direitos legais e constitucionais.

Assim, a solução para todos esses males – especialmente sob a ótica dos advogados familiaristas e contratualistas – pareceu resolvida na data de 05 de outubro de 1988, ou seja, há mais de vinte anos, com a promulgação da nova Constituição da República Federativa do Brasil, que, preocupando-se precipuamente com a felicidade e preservação da família e seus membros componentes, foi logo chamada de Constituição Cidadã – denominação criada pelo então presidente da Assembleia Constituinte, Dr. Ulysses Guimarães – e merecedora de aplausos aos quatro cantos do planeta. Mas que imenso engano o destes juristas ao acreditarem, como costumeira ocorre aos jovens operários da infinita ciência do Direito, que uma norma e um princípio, por mais magníficos e supremos que sejam, fossem capazes de colocar a verdade, a justiça e a razoabilidade no coração dos homens.

Esse engano restou justificável ao ler-se o preâmbulo de tal Constituição, o qual ainda esperamos todos ver realizado um dia e que dispôs:

Nós, REPRESENTANTES DO POVO BRASILEIRO, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte PARA INSTITUIR UM ESTADO DEMOCRÁTICO, destinado a ASSEGURAR O EXERCÍCIO DOS DIREITOS SOCIAIS E INDIVIDUAIS, A LIBERDADE, A SEGURANÇA, O BEM-ESTAR, O DESENVOLVIMENTO, A IGUALDADE, E A JUSTIÇA como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, FUNDADA NA HARMONIA SOCIAL E COMPROMETIDA, na ordem interna e internacional, e com solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil. (Constituição Federal do Brasil, grifos nossos).

E em seu horizontalmente singelo, porém abismal sentido vertical, o artigo nº 226, assim dispôs:

Art. 226, CF. A família, base da sociedade, tem especial proteção do estado. (Constituição Federal do Brasil, grifos nossos).

No caminho a ser trilhado a partir de 1988, tal dispositivo constitucional, aliado ao seu preâmbulo, inquestionavelmente já deveriam ser capazes de resolver a quase totalidade das demandas envolvendo as famílias. Mas tal entendimento não se mostrou verdadeiro e, não obstante acreditar-se que os litígios familiares deveriam ser rápida e prontamente solucionados – pois o norte já estava cartografado –, a verdade do Judiciário não mudou muito até os dias atuais.

Conforme o povo brasileiro ali sedimentou, por seus legítimos representantes, o Direito de Família (não obstante ilustríssimos e inovadores doutrinadores prefiram denominar como Direito das Famílias) tem como objeto a base da sociedade, composta por seres humanos que resolvem ter um objetivo de vida comum e estão ligados por um vínculo especial de amor, de afeto, pelo simples desejo de permanecerem juntos, ajudando-se mutuamente e procurando a felicidade do consorte. Se são casados, se se encontram vinculadas pela união estável – seja essa fruto ou não de um contrato respectivo –, se são pessoas do mesmo sexo ou não, se se trata de outros modelos tipifcados pela lei (monoparental) ou não (anaparental e a pluriparental), tudo é irrelevante e desprezível, pois a forma diversificada de constituição não altera o tão nobre e especial instituto da família, e pensar-se em outorgar uma proteção Estatal diversa a cada uma delas é textual e principiologicamente inconstitucional.

Como se pode extrair dessa simples exposição, o Código Civil não enclausura um único conceito de família, utilizando-se, em larga medida, diferentes sentidos da expressão para designar as relações familiares.

De qualquer maneira, considerando que o ordenamento jurídico infraconstitucional não define a família (no que, aliás, anda muito bem), é preciso lembrar a superioridade do conceito constitucional, decorrente ao art. 226, que abraçou uma concepção múltipla e aberta de entidade familiar, permitindo a sua formação pelas mais diferentes formas, todas elas merecendo ‘especial proteção do Estado’.

Logo, nenhuma concepção utilizada em sede codificada, e em qualquer norma infraconstitucional, pode colidir com a opção ideológica inclusiva e aberta da Carta Constitucional de 1.988. A família é meio de proteção avançada da pessoa humana e não poderá ser utilizada com função restritiva, de modo a subtrair direitos de seus componentes, pena de afronta à legalidade constitucional. (FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nélson. Direito das famílias, 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2.008, p. 14).

Que os juristas e os cidadãos se dispam de seus preconceitos, que aceitem a – antiga, aliás – realidade, que procurem a igualdade e a justiça, e que sigam o norte preconizado nestes dois itens citados da Constituição da República, e a solução dos litígios aparecerá límpida no horizonte, como restarão claras que as mágoas, que certamente ocuparão momentamente o vazio deixado pelo amor, são o único obstáculo à que a justiça seja feita, evitando-se prejuízos não só aos eventuais filhos, mas também aos ex-consortes do vínculo familiar, que merecem e necessitam de igual proteção do Estado, pois continuam a ser seres humanos.

Todavia, em nosso entendimento, não obstante a Constituição e seus princípios já norteassem claramente os destinos da família, os juízos de Direito e seus operadores não se atentaram da dimensão da mudança, o que lastimavelmente vem ocorrendo até os dias atuais. Mesmo diante das diversas modificações legislativas infraconstitucionais que vieram a ratificar o que já seria possível perceber pelos ditames da Carta Magna, não se trilhou ainda os caminhos que visam uma efetiva pacificação social mediante a clara proteção da família e dos seres humanos nela existentes, situação que não redundará em prejudicar a figura do casamento, o que parece ser a preocupação de muitos, como se fosse correto, admissível ou defensável preservar-se o contrato/instituição do casamento em detrimento das pessoas ali envolvidas.

Por razões que a Psicologia explica melhor do que o Direito, se se quiser atacar verdadeiramente a figura do casamento, basta criar mecanismos para dificultar sua constituição ou para limitar as possibilidades de sua extinção quando não mais desejado pelas partes. É uma rebeldia ínsita do ser humano, uma busca incessante da liberdade, que não se cura com a idade. A felicidade individual é o que se busca inclusive em um relacionamento a dois e as medidas legais que visem perpetuar um vínculo familiar indesejado virão em passos largos a tornarem-se tendências de evitar o nascimento de novas famílias. Aliás, não se questiona que uma das principais razões para a própria existência legal da figura da união estável adveio da proibição ou extrema dificuldade de dissolverem-se os vínculos matrimoniais não mais desejados.

E, assim, sem perceber, o advogado que subscreve tais singelas linhas passou a caminhar juntamente com os juristas que arduamente labutavam nas Varas de Família, passando a se defrontar não com um vazio legislativo ou doutrinário, mas com ideias antigas que ainda abrigam a maior parte dos gabinetes dos juízes e das câmaras dos Tribunais, num embate contínuo na tentativa de se mudar a visão, ajudar a compreensão e conflitar os dogmas que ainda reinam nessa parte do Direito, que vão desde ao preconceito claro contra o consorte masculino até a aceitação de que a sala do Magistrado definitivamente não é o melhor local para se decidir, homologar ou tentar evitar a extinção prematura de uma unidade familiar.

Embora não tenha a pretensão de resolver tais questões, mas no intuito de não ser aquele ser improdutivo que se limita a apontar imprecisões, espero sugerir e fomentar alguns pontos ao debate e que tais considerações sejam apreciadas e reapreciadas com a mente aberta e desprovida de preconceitos, pois esse é o desejo de um estudioso do Direito Civil e que, como tal, espera um dia chegar a um congresso jurídico ou a uma livraria e poder encontrar um número muito maior de livros de direito material do que de direito processual, pois este último (direito processual) é um mero meio, um mero instrumento, um mero apêndice, cujo objetivo é simplesmente abrir as portas para que os reclamos dos jurisdicionados, legítimos ou não, tenham uma resposta, ao passo que o primeiro (direito material) é o objetivo precípuo, a fonte da verdadeira justiça e que deveria merecer a maior atenção possível dos juristas em suas respectivas áreas de atuação, pois é dali que surgem as soluções para o fortalecimento das instituições e para o alcance efetivo da pacificação social, em particular numa seara que se constitui a base de toda a sociedade.


1.O PRECONCEITO CONTRA A FIGURA MASCULINA NAS VARAS DE FAMÍLIA

Quem é advogado sabe o que é representar a figura masculina em uma Vara de Família. Posso citar alguns exemplos preconceituosos, porém cotidianos, dos militantes desta área:

- nas Ações de Alimentos, o pai invariavelmente é visto como um mau pagador, como aquele que pretende outorgar misérias aos seus descendentes com o intuito único de manter os mais diversos interesses egoístas;

- nas Ações Revisionais de Alimentos, o pai, se não é recebido como um pródigo, detentor de uma boa situação financeira mas que dilapida seu patrimônio irresponsavelmente, é recebido como um vagabundo, um ser que não consegue, não quer ou não procura um trabalho melhor, desconsiderando-se por completo a realidade de nosso país, onde oito por cento (8%) da população economicamente ativa está efetivamente desempregada, o que, se por um lado, cria uma imensa concorrência para quem precisa trabalhar, por outro barateia sobremaneira a mão-de-obra;

- nas Ações de Investigação de Paternidade, os pais, que muitas vezes têm plenas condições de desconfiar da paternidade biológica que lhes é imputada e que não dispõem de recursos para custear um exame de DNA em laboratório confiável, são tratados como fugitivos da Justiça, que agora terão a pena de outorgar seu nome ao registro de nascimento de uma criança. Questiono-me muito quanto mais será preciso aguardar até que os operadores do Direito definitivamente percebam que essa condenação, pura e simples, nunca foi, não o é e nunca será um bom primeiro passo para criar-se uma verdadeira vinculação afetiva entre este pai e sua descendência reconhecida por decisão Estatal.

- nas Ações de Separação Judicial, Divórcio ou Dissolução de União Estável, as cônjuges podem até virem a ser consideradas culpadas, mas os maridos sempre o serão! O patrimônio a ser dissolvido, em regra, não deve prejudicar a mulher, e os maridos são sempre instados a outorgar-lhes a casa de morada e a ficarem com o veículo... que lógica há nisso? Pode-se morar, cozinhar ou viver dignamente dentro de um veículo? Por que dividir-se inversamente parece ser tão absurdo? Por que persiste-se na presunção de que a figura masculina terá sempre melhores condições de reerguer um patrimônio mínimo que a lei considera essencial para a vida digna de qualquer ser humano? E a recusa em partilhar de pronto o patrimônio do extinto casal é invariavelmente visto como uma forma de pirraça do ex-consorte.

- Talvez o pior de todos os processos sejam os relativos à guarda de menores. Há uma tendência, senão uma presunção absoluta, de se acreditar que os filhos devem ser criados pelas mães e isso advém do fato de que, durante a maior parte de todo o século passado, vigia a realidade de que as mães eram as defensoras do lar e dos filhos, enquanto os maridos eram os provedores financeiros, de forma tal que acostumou-se ter a criação dos filhos sob o encargo da genitora. Tal aspecto, aliás, foi adotado em lei com a promulgação do Código Civil de 1916, que, contrariando as Ordenações anteriores – pelas quais os filhos pertenciam à família paterna –, destacou que os filhos menores deveriam ficar com a genitora, posteriormente fazendo-se alteração legislativa para que, em casos excepcionalíssimos, fossem outorgados ao genitor, seja ora por culpa daquela na separação do casal, seja ora por condutas desonrosas da citada genitora que tornariam a convivência dos menores mais adequada sob a responsabilidade paterna. Não obstante a completa modificação do modo de vida dos dias atuais, os julgados permanecem os mesmos, e isto ocorre – não podemos esquecer – porque a imensa maioria dos Magistrados não só formou-se nos cursos de Direito sob a ótica do Código Bevilácqua, como, principalmente, foi criada sob a ótica paternalista outrora vigente na sociedade brasileira, onde filho bem criado é aquele que está sob a guarda da mãe, falsidade essa que também não autoriza criar a regra de que filho bem criado seria aquele que estivesse sob a guarda paterna. A decisão preferencial, agora adotada em lei não somente por vanguardismo de legisladores, mas, principalmente, por uma imposição uníssona da interdisciplinaridade – especialmente da Psicologia, onde se tem a convicção inabalável de que filho bem criado é aquele que é mantido, sob todos os aspectos, por ambos os pais, em um ambiente de pacificação, cordialidade, atenção, respeito, dedicação e amor para com a prole, independentemente de alguma relação entre seus ascendentes, imitando, o quanto possível, o lar desfeito –, é a guarda compartilhada, que será objeto de análise no decorrer deste estudo.

O que seria cômico, se não fosse trágico, é que tais verdadeiros preconceitos – inquestionavelmente, são preconceitos – contra a figura paterna estão a persistir mesmo após mais de vinte anos de aplicação de uma Constituição da República que previu a plena igualdade entre homens e mulheres e a especial proteção da família e da prole.

Resta o consolo que este escritor não é voz solitária neste posicionamento e tal aspecto já começa a despontar na doutrina diante da necessidade de enriquecer tal debate e derrubar esse muro que insiste em não tombar em pleno século XXI.

A este respeito, bastante ilustrativo o texto trazido pela mestre em Psicologia, Beatrice Marinho Paulo:

O pai e o exercício da paternidade não têm merecido, na sociedade ocidental, a mesma ênfase que é dada à mãe e à importância de seu papel junto ao filho, nem tanta prodigalidade em termos de homenagens, estudos e publicações literárias. Não foram muitos os que se propuseram a se debruçar sobre o tema, traçando, nos moldes como encontramos de forma bastante fecunda no tema maternidade, uma história da paternidade e do papel do pai na constituição e desenvolvimento do filho, buscando compreender em profundidade a vivência do homem na nossa sociedade e os fatores que determinam que o exercício da paternidade ocorra do modo como se dá.

Mesmo na teoria psicanalítica, que tanta ênfase dá ao papel e à importância materna, a paternidade tem sido um tema relativamente esquecido e pouco aprofundado, deixando ao pai apenas um papel secundário, e só a partir da instauração do Complexo de Édipo, quando vem romper a simbiose existente entre a mãe e o bebê.

Apenas na última década, em verdade, desenvolveram-se estudos sobre a masculinidade e a paternidade. Talvez isso se explique porque, numa perspectiva mais tradicional, a importância do pai na criação do filho é bem menor que a da mãe, ocorrendo sobretudo em uma esfera simbólica. O pai é alguém que vai servir como um modelo para o filho e é, para ele, o portador do poder e da autoridade, da censura e da interdição.

Uma das consequências dessa visão tradicional é o que geralmente ocorre nas varas de família, a cada vez que um casal com filhos resolve se separar ou divorciar. Sistematicamente, a guarda das crianças é confiada à mãe, com aprovação unânime dos pais, do juiz, do membro do Ministério Público e da sociedade. (PAULO, Beatrice Marinho. 2009. "Ser pai nas novas configurações familiares". Revista brasileira de direito das famílias e sucessões, 10, 1:5-6).

Nunca houve tamanho desenvolvimento humano, em todas as áreas do conhecimento, favorecidas imensamente pela evolução da informática, que interliga povos, difunde conhecimentos, torna ínfimas as distâncias físicas; estuda-se profundamente o universo; tenta-se recriar e compreender o início da existência de tudo; dogmas são questionados e derrubados todos os dias; a reprodução humana deixou de ser atributo exclusivo de uma relação sexual; sonhos de maternidade e paternidade biológicas hoje são realidade para muitos casais que não tinham condições para tanto; cirurgias são realizadas para que a mente humana se pacifique com o aspecto corporal alterando o sexo de um ser humano adulto em busca única e exclusivamente de sua felicidade e dignidade; difundem-se inúmeras formas de controle da concepção para garantir aos casais o planejamento familiar e de forma a transformar o sexo em uma fonte de prazer; estimula-se cada vez mais a adoção de filhos em virtude da supremacia do vínculo afetivo sobre o vínculo biológico; reconhece-se o direito de uma criança alterar o seu nome – um de seus direitos da personalidade por excelência – para prestigiar uma pessoa que lhe contagiou com o amor dedicado a si e à sua ascendente (direito de acréscimo do nome de família do padrasto ou madrasta pelo enteado), enfim, diante de tanta evolução nos diversos meios, os advogados, que têm por missão fazer o Direito acompanhar a sociedade, quando atuamos pela figura paterna numa Vara de Família, mesmo quando autores das demandas, somos, com raras exceções, bombardeados por preconceitos desarrazoados que deviam ter sido abandonados há décadas, sendo o homem sempre tratado como culpado ou com a pecha da irresponsabilidade, em que grau for, mesmo quando pleiteia legítimos direitos em benefício exclusivo de uma união familiar.

É lamentável que, diante de tantos e tantos avanços no caminho da humanidade, artigos como esse sejam pertinentes e atuais.


2. A DIFICULDADE DE APLICAÇÃO DA LEI DA GUARDA COMPARTILHADA

Em sequência ao disposto no tópico anterior, o advogado que tenta obter para seu cliente masculino a guarda compartilhada, ciente de que é a regra imposta pela lei – e parece que a maioria dos Magistrados ainda não se atentou para tal importante modificação legislativa –, sabe perfeitamente que é uma luta absolutamente desigual, onde a lei, embora esteja ao lado dos direitos da criança ou do adolescente que se pretende proteger, parece letra morta.

A tal respeito, citar-se-á uma situação que não me é exclusiva, mas sim da maioria dos colegas que também labutam na área do Direito de Família, sendo oportuno antes atentar a alguns dispositivos legais pertinentes.

Primeiramente, a Constituição, de forma límpida, deixa claro que é direito da criança e do adolescente a convivência familiar. E, no aspecto familiar, refere-se à família extensa, a qual inclui avós, tios, primos e todos os demais que o menor tiver vínculos de afetividade e afinidade, além, é claro, da convivência com ambos os pais, conforme textualizou os novos dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente, modificados pela recentíssima Lei de Adoção. Não se acredita que haja interpretação diversa da presente.

Após esse breve relato acerca da evolução legislativa referente à matéria, concluímos que, apesar de o Princípio do Melhor Interesse da Criança estar previsto em nosso ordenamento jurídico desde 1.941, o interesse da criança em si somente passou efetivamente a sobrepor-se aos interesses os pais a partir de 1.977 e, ainda assim, de forma tímida, dentro da separação consensual, pois somente nessa hipótese a Lei faculta ao Juiz não homologar o acordo estabelecido pelos pais, se ficar convencido de que ele poderá trazer sérios prejuízos para a criança ou adolescente.

Observe-se que o legislador civilista não se reportou às demais hipóteses de separação, até porque, em relação a elas, a Lei traçava as diretrizes a serem seguidas, sempre prevalecendo os interesses dos pais sobre os filhos.

Esta situação somente foi modificada a partir de 1.988, com a promulgação da Constituição Federal e do advento da Lei 8.069/90, quando a criança deixou de ser percebida como um ser em que faltam as qualidades dos adultos, para ser encarada como uma pessoa que se encontra num estágio de desenvolvimento pessoal, período em que se vislumbram as melhores qualidades do homem.

Como conseqüência dessa transformação, as crianças passaram a ser consideradas como sujeito de direitos, cabendo à sociedade cercá-las de cuidados especiais, dentre eles o direito de ser sempre priorizada. Assim, num confronto de seus direitos com os direitos de um adulto, prevalecerá sempre o delas. (SANTOS, Ângela Maria Silveira dos. Da proteção da pessoa dos filhos. In: LEITE, Heloísa Maria Daltro [coord.]. O novo direito civil – do direito de família. 1. ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2002, p. 147).

Recentemente, em uma das modificação inseridas no Código Civil pela Lei nº 11.698, de 13.06.2008, prevendo o caso de litígio entre os genitores, assim ficou a nova redação do artigo 1.584 do Código Civil:

Art. 1.584, CC. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:

II – decretada pelo juiz, em atenção às necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.

E os dois primeiros parágrafos do mesmo artigo ainda acrescentam:

Parágrafo 1º. Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, à sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.

Parágrafo 2º. Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada.

Pois bem. A lei mudou. Os códigos comprovam tal modificação. A guarda unilateral foi extirpada do modelo ideal ou preferencial de guarda dos filhos, não cabendo aos pais a escolha pura e simples pela guarda unilateral em desfavor da forma compartilhada, ao contrário do que possa vir a parecer pela leitura isolada do texto do inciso I do artigo 1.584 do Código Civil.

A esse respeito, torna-se oportuno anotar um aspecto especialmente importante nesta exposição. Diz o inciso I do artigo 1.584, CC, que a guarda unilateral poderá ser requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar. Ao mesmo tempo, diz o artigo 1.586, do mesmo Código Civil, que, em havendo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular de maneira diferente a situação deles para com os pais. Ou seja: o que a lei faculta aos genitores é requerer ao juiz a adoção, àquele caso, da guarda unilateral. Recebido o pedido, como é de lei, o juiz deve determinar a realização de uma audiência com as partes, a qual, em princípio, servirá para ratificarem o intuito de se separarem ou de dissolverem a união estável, de comprovarem o lapso temporal necessário ao divórcio, bem como para confirmarem todos os termos ali expostos por consensualidade sobre os direitos disponíveis. Durante a realização de tal audiência, o juiz deverá – e não poderá – dar efetividade aos preceitos do parágrafo 1º. do artigo 1.584 do Código Civil, ou seja, deverá instruir as partes sobre o que seja a guarda compartilhada e as vantagens de tal modelo. Se ainda assim as partes mantiverem o intuito de manter a guarda unilateral, o Magistrado, atento ao grave risco que a experiência mostra cabalmente (de que a guarda unilateral é uma forma de extinção gradual dos vínculos de afetividade que unem o menor e o genitor não detentor da guarda, transformando-o em mero pagador de pensão, o que resulta em prejuízo manifesto à formação e desenvolvimento das crianças e adolescentes), deverá determinar a realização de estudo psicossocial do caso, nos termos do que preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente, para, somente depois, ter elementos para fundamentar sua decisão, a qual, se for pela guarda unilateral, deverá ser justificada com elementos de prova constantes dos autos, autorizando o recurso do Ministério Público, sob pena de manifesta inconstitucionalidade por ofensa ao seu artigo 227, que determina que o Estado deverá assegurar a convivência familiar à criança e ao adolescente.

É também por este motivo que a Lei n. 11.441/2007, ao possibilitar a separação judicial e o divórcio consensuais em cartório, não os possibilitou quando houvesse filhos menores ou incapazes do casal, haja vista a preocupação constitucional com o bem estar destes e a adequação da guarda pretendida pelo extinto casal.

Alguém alegará que, mesmo imposta a guarda compartilhada, nada obriga o genitor a conviver com o menor após a extinção do casal, o que não deixa de ser uma verdade. Todavia, se tal situação ocorrer, duas verdades restarão: 1. o Estado não abraçou tal abandono, tendo declarado naquela sentença predominantemente homologatória que a presença do pai se fazia necessária no desenvolvimento da criança, o que pode ser um fator de reflexão até para o pai mudar seu posicionamento ao tomar ciência da importância de sua presença na vida de seu descendente, e 2. a figura paterna é, conforme orienta a Psicologia, uma posição, um lugar a ser preenchido; ou seja, caso o pai torne-se de fato relapso, ausente, um outro homem, que venha a se tornar o novo cônjuge de sua genitora, dedicando-lhe o carinho, afeto e atenção não outorgados pelo pai distante, tende a suprir a ausência paterna com maestria, não ocasionando nenhum prejuízo ao desenvolvimento sadio e próspero desta criança, ao contrário do pai biológico que perderá, definitivamente, o afeto de sua descendência.

Decorrência desse novo paradigma da guarda compartilhada, principalmente a manutenção dos vínculos afetivos e cessação da discriminação entre o genitor guardião e o não guardião, é a criação da Lei nº 12.013, de 06 de agosto de 2009, que, alterando a redação do artigo 12 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1.996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –, obriga os estabelecimentos de ensino a informar pai e mãe, conviventes ou não com seus filhos, e, se for o caso, os responsáveis legais, sobre a frequência e rendimento dos alunos, bem como sobre a execução da proposta pedagógica da escola.

Diante de toda essa nova realidade e retornando à experiência profissional a ser citada, tratando da realidade dos advogados do Direito de Família, diante de inúmeras modificações advindas da lei, largamente festejadas pela doutrina especializada e pela interdisciplinaridade, especialmente pela Psicologia – que sempre lutou contra os nefastos efeitos invariavelmente ocasionados pela guarda unilateral, ocasionadora do rompimento do vínculo afetivo entre o menor e o genitor não guardião –, somos sempre tomados de extrema perplexidade ao adentrarmos em uma sala de audiências onde a guarda de filhos é debatida – e onde normalmente estão os ex-consortes a digladiar-se por patrimônio, créditos, débitos e nomes de família, além de acusações recíprocas por desrespeitos cometidos, onde o sentimento de revolta e desejo de vingança costuma abraçar a alma dos contendores – e o Magistrado, sem maiores delongas, limita-se a questionar às partes se aceitam compartilhar a guarda dos filhos livremente, e, em caso negativo, descartar liminarmente este compartilhamento. Entre pessoas que nutrem profundas mágoas, que desejam ver-se vingadas, que momentaneamente desejam o mal do adversário, não seria uma vitória se a uma delas fosse dado o direito de punir a outra com a privação do direito à convivência com o filho que tanto ama? Não seria essa a forma perfeita de causar à parte adversa um sofrimento igual ou superior ao que estaria sentindo? A atitude do Magistrado, de descartar de imediato a guarda compartilhada porque a genitora assim não o quis (e aqui digo genitora porque é o que rotineiramente acontece, advindo da lesiva presunção já descrita de que a maternidade é sempre preferencial), é atitude que resulta em tornar letra morta a alteração legislativa, em desrespeitar o trabalho exaustivamente realizado pela interdisciplinaridade, em desconsiderar os árduos e dolorosos estudos realizados pela Psicologia, em desumanizar o tratamento a ser dado pelo Judiciário às crianças e adolescentes, enfim, é enterrar definitivamente a letra da lei e todos os ditames constitucionais retro citados.

Dessa forma, talvez pelo fato de a Lei nº 11.698/2008 ser absolutamente recente e por outorgar diretriz oposta a um século de comodismo e pouca preocupação de fato com o que seriam os reais interesses dos menores, os advogados militantes na seara do Direito de Família estão a ver tal lei ser ainda ineficaz, mas não devem conformar-se com tal situação – e tenho certeza de que assim não o farão –, lutando contra tal habitualidade e fazendo romper a mentira da superioridade da guarda materna, o que deve ser observado também pelos advogados que labutam em defesa dos direitos da genitora, pois, em caso de guarda, os direitos a serem tutelados são os dos menores e não da cliente que os constituiu, de forma que conscientizem, a si e às suas clientes, de que nos Juízos de Família não devem haver perdedores, pois esses, se existirem, são sempre as crianças e adolescentes.


3. A DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO UMA REALIDADE PRESENTE E O DIREITO AO CASAMENTO

Realidade já constante do corpo da Constituição Federal, mas que ainda resvala em amplo preconceito, e aqui não só dos Magistrados, mas de grande parte da sociedade civil, incluindo-se os operadores do Direito, entre os quais parte da classe dos advogados, trata-se de reconhecer a desnecessidade de um novo corpo legislativo que regulamente a união homoafetiva, pois a proteção legislativa estatal já existe, só não tendo obtido ainda a efetividade necessária.

Não existe um único dispositivo na Constituição Federal que diga que a família deva ser constituída somente entre pessoas de sexos diferentes. Aliás, quando se estuda o casamento entre pessoas de sexo divergentes está se analisando, tão somente, o casamento da Igreja Católica, não sendo possível esquecer que o Estado brasileiro, por imperativo constitucional, embora garanta o direito individual à crença religiosa, é um Estado laico, não podendo impor preferência a qualquer espécie de religião.

Nem a constituição nem o Código Civil impõem a diversidade de sexo dos noivos como condição para a celebração do casamento. Assim, para sustentar a existência de casamento inexistente, invoca-se como exemplo o casamento homossexual. Ora, se esse exemplo, até há algum tempo, poderia servir, hoje se tornou praticamente imprestável para tal fim. A diversidade de sexo do par não é mais um elemento essencial para o casamento, ao menos em alguns países (Holanda, Bélgica, Espanha e Canadá, por enquanto), que autorizam o casamento de duas pessoas sem preocupação com o sexo ou a orientação sexual dos noivos. Se a divergência de sexo não está na lei e o casamento não mais tem a procriação por finalidade, talvez, como alerta Luiz Edson Fachin, haja um equívoco na base da formulação doutrinária e jurisprudencial acerca da diversidade de sexos como pressuposto do casamento. (DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.009, p. 252).

Os que defendem tal teoria – não reconhecimento legal da família homoafetiva –, de forma equivocada ou tendenciosa, tentam fundamentar sua decisão em uma interpretação restritiva do parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição Federal, o qual possui os seguintes dizeres:

Art. 226, CF. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

Parágrafo 3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento.

Assim, os que combatem a existência de proteção estatal às uniões homoafetivas tentam impor que as "espécies" de família são somente aquelas descritas na Constituição Federal, que exige a divergência de sexos para o seu reconhecimento.

Sempre que se fala em família não fundada no casamento, surge a polêmica questão da união de pessoas do mesmo sexo. Como dito no tópico sobre uniões estáveis, a Constituição Federal de 1.988 excluiu a possibilidade de se reconhecer as uniões entre homossexuais como entidades familiares, pois no artigo 226, parágrafo 3º., expressamente se refere à união ‘entre o homem e a mulher’. (VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa de. A impenhorabilidade do bem de família e as novas entidades familiares. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.002, p. 143-144).

Tal entendimento nunca foi defendido por isentos estudiosos das necessidades e desejos do Direito de Família. A realidade homoafetiva nasceu desde que o ser humano se reconheceu como tal, e não é dado ao Direito, em pleno século XXI, ignorar tal situação.

Assim, independentemente das pressões políticas e religiosas que a cercam, mas que não serão tratadas no presente estudo, a consciente Constituição Cidadã de 1988, naquele citado parágrafo 3º do artigo nº 226, não é taxativa e justificou-se tão somente pela preocupação em acabar com outro odioso preconceito, qual seja, reconhecer definitivamente a união extramatrimonial entre homem e mulher como entidade familiar e elevar sua proteção a nível constitucional, e o fato de sugerir que a lei deveria facilitar a conversão da união estável em casamento não foi um favorecimento ou uma predileção pelas entidades familiares constituídas sob a forma do matrimônio, mas, tão somente, para não burocratizar por demasia tal conversão, pois há muitas hipóteses práticas, e tão somente práticas, em que a existência do casamento realmente torna mais cômoda a vida das pessoas.

Mas, e aqui reafirmamos, não há que se falar em uma prevalência entre união estável diante do casamento ou o inverso, porque as duas referem-se a uma só realidade, qual seja, formas de constituição de uma mesma entidade familiar.

Mas voltando a cerne do presente tópico, a dificuldade e o preconceito dos advogados que labutam para gays, lésbicas, transexuais e travestis é manifesta, inclusive chegando ao absurdo de tais profissionais terem sua sexualidade questionada (ou seja, em manifesta violação à intimidade e vida privada) ao exercerem seu ofício em prol de tais grupos sociais.

E quanto constrangimento é ocasionado às partes que desejam ver seus direitos resguardados! Quanta dificuldade é imposta aos casais homossexuais quando querem inclusive fazer o bem a alguém, como adotar uma criança! Quantas ofensas, contrariedades e humilhações lhes são impostas ao pretenderem casar-se, sendo que este é um direito que lhes é constitucionalmente assegurado!

Nossa sociedade precisa repensar a desigualdade com que trata, não apenas no aspecto social, mas também jurídico, aqueles que não correspondem ao "ideal" e que estão presentes para lembrar a diferença que muitas vezes choca justamente por esconder aquilo que alguns mais temem: o encontro com sua própria verdade ou com um preconceito disfarçado. Indivíduos que assumem suas desigualdades não podem ser condenados como se fossem seres desprovidos de qualquer qualidade e estivessem impossibilitados de dar amor e cuidados a uma criança só por não representarem o tradicionalmente aceito. (CHEMIN, Silvana Aparecida. SESARINO, Shirley Valera Rialto. Adoção e homossexualidade: a civilização e seu mal estar. In: CARVALHO, Maria Cristina Neiva de. MIRANDA, Vera Regina [coord.]. Psicologia jurídica – temas de aplicação. 1. ed., Curitiba: Juruá, 2008, p. 132).










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