[Valid Atom 1.0]

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

O Brasil já teve seu "Obama"



Nilo Peçanha, presidente do Brasil entre 1909 e 1910, era mulato, embora muitas vezes fosse retratado como branco. Outras figuras públicas do país tinham fotografias retocadas para ocultar seus traços raciais, explica o diplomata e membro da Academia Brasileira de Letras Alberto Costa e Silva
Margarida Telles

No dia 5 de novembro, a imagem de Barack Obama estampou a capa de praticamente todos os jornais do mundo. Sua eleição, anunciada na véspera, merecia de fato o destaque: é a primeira vez que o negro vai ocupar a Casa Branca. O fato histórico gerou a comemoração de muitos segmentos da comunidade negra em todo o mundo, inclusive aqui no Brasil. O que poucos brasileiros sabem, contudo, é que já tivemos um presidente negro.


Nilo Peçanha, que era vice de Afonso Pena, assumiu a presidência com sua morte e exerceu o cargo de 14 de junho de 1909 a 15 de novembro de 1910. De origem humilde, Peçanha construiu uma sólida carreira política, ascendendo, em um intervalo de poucos anos, de senador a presidente do estado do Rio de Janeiro – nome da época para o cargo de governador – e a presidente do Brasil. Filho de um padeiro,viveu uma infância simples em um sítio no interior do Rio de Janeiro até sua família se mudar para a capital.

Peçanha era mulato – sua mãe era negra – e a imprensa da época constantemente fazia charges e anedotas referentes à cor de sua pele. Apesar disso, no campo político, a origem não foi um empecilho. Isso porque, no Brasil, o status social é mais importante que a cor, segundo o diplomata e membro da Academia Brasileira de Letras Alberto Costa e Silva. "Ninguém foi atrás de publicar que um avô de Fernando Henrique Cardoso era negro. Não usaram isso contra ou a favor dele”, afirma Costa e Silva.

ÉPOCA O país já teve um presidente negro?
Aberto Costa e Silva – Nilo Peçanha era mulato escuro, assim como diversos outros presidentes da república, a começar por Rodrigues Alves, que era mulato, e também Washington Luís. A questão é que nenhum desses políticos brasileiros era considerado mulato ou negro. Eles eram tidos como brancos, por terem uma posição social elevada. Faziam parte do “mundo dos brancos”, e não de uma minoria. A população dita “branca” no Brasil na realidade era composta por muitos mestiços.
ÉPOCA– Qual era o impacto da cor dos políticos no eleitorado?
Costa e Silva – Estamos começando a raciocinar em termos norte-americanos, quando nossa realidade é outra. No Brasil, poucas pessoas são realmente brancas. Então votava-se com base na classe social dos políticos, e nas suas propostas. Ninguém votava no mulato Nelson Carneiro, que foi um popular senador pelo Rio de Janeiro. Votavam nele como um político defensor do divórcio. O caso de Teodoro Sampaio, um geógrafo consagrado, também pode ser usado de exemplo. Ele se candidatou a deputado federal pela Bahia, e muitos candidatos retiraram sua candidatura para que ele fosse eleito. Só aí é possível ver o prestígio que ele tinha.

ÉPOCA– Por que a eleição de Barack Obama atualmente é diferente do que foi a presidência de Nilo Peçanha no Brasil, há um século?
Costa e Silva – O que faz a última eleição americana diferente é que os negros nos Estados Unidos não eram tidos como participantes de um grupo majoritário. A visão que tinham do Nilo Peçanha é distinta da que temos de Obama, pois Nilo pertencia ao grosso da população. No entanto, Obama foi extremamente hábil em não usar sua cor como bandeira. Por isso, sua candidatura era chamada de pós-racial.

arquivo Ag O Globo
Nilo Peçanha em dois momentos. Na segunda foto, foram feitos retoques e utilizados efeitos, como o fundo escuro
Agencia O Globo
Rodrigues Alves, retratado primeiro com cabelo e barba lisos, e em seguida com barba crespa
Agencia O Globo
Washington Luís, em dois retratos. No primeiro, seus traços mestiços foram suavizados

Sphere: Related Content
26/10/2008 free counters

Nenhum comentário: