BRUNO DE OLIVEIRA
Colaboração para a Folha Online
1968 foi o ano em que um ex-combatente da Segunda Guerra apresentava ao mundo uma de suas maiores invenções: o mouse, um dispositivo que estreitaria a relação entre o homem e os computadores.
Quatro décadas e algumas invenções depois, o engenheiro Douglas Engelbart, 83, ainda se mostra entusiasta da informática, feliz com o reconhecimento adquirido no meio científico, mas ressentido por não ter lucrado "o bastante" com sua invenção mais popular. "Eu era inocente, um garoto do campo. Jamais ganhei muito dinheiro com ele."
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Em entrevista exclusiva à Folha Online, por telefone, da Califórnia, Engelbart revela as circunstâncias que serviram de pano de fundo para o desenvolvimento do mouse e sua notável inexperiência ao comercializar as patentes da invenção com empresa do setor.
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Folha Online - Como foi concebido o mouse?
Douglas Engelbart - O mouse fazia parte de um estudo realizado no centro de pesquisa da Universidade de Stanford sobre interatividade e o grande desafio era interagir com informações na tela. Fazíamos isso com uma caneta que emitia luz nos ícones e o computador a reconhecia, mas não era muito precisa. Então pensei que deveria existir outros meios para apontar isso com nossas mãos, sem esperar muita coisa disso tudo.
Folha Online - Quais foram as circunstâncias para sua criação?
Engelbart - Eu não esperava muita coisa. Só achava interessante essa interação. Ela surgiu a partir do hipertexto, de links. Eu me perguntava como o mouse deveria interagir na tela, e o sistema de janelas ajudou muito na época. Realmente pensei que ele tinha mais valor do que as outras pessoas pensavam, de interagir com a tela como você pode interagir com o mouse. Isso foi há muitos anos atrás e o primeiro mouse eu tenho aqui em algum lugar: uma caixa de madeira com algumas rodas.
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"Eu era inocente, um garoto de campo", diz Douglas Engelbart, 83, sobre patentes |
Folha Online - Havia interesse comercial envolvido na criação do primeiro mouse?
Engelbart - Após a formatura, muitos montavam o seu próprio negócio. Não houve um interesse específico. Os alunos sempre criavam projetos visando novos negócios. Grande empresas aproveitavam e investiam nas novidades e os enriqueciam. Por isso, no Vale do Silício [Califórnia], havia muitas invenções acontecendo à época. Era muito comum para os estudantes com 20 anos quererem começar um negócio ou fazer com que ele se torne maior. E eu fui um deles.
Folha Online - De que forma o mouse modificou a informática naquela época?
Engelbart - Não tinha muito a ver com o sistema de ícones, mas com a restrição de movimentos na tela que existia naqueles tempos. Eu pensava que o mouse poderia tornar a interação homem-computador mais fácil. Por exemplo, e se eu quisesse ler somente o começo de cada parágrafo, num texto? Por que não pular do 14º para o 24º parágrafo? Eu queria essa liberdade que o computador não dava. Com o mouse, o operador indicava o objeto na tela de uma maneira mais rápida, sem perder muito tempo.
Folha Online - O mouse faz parte da primeira geração de periféricos que interagem com o usuário. O sr. acha que ele pode ser substituído por tecnologias como de telas sensíveis ao toque?
Engelbart - Eu poderia citar um monte de tecnologias, mas não sei dizer ao certo se ele poderia ser ultrapassado. Muitas delas demorariam muito para cair no gosto popular. Reconhecimento de voz? Não consigo imaginar as pessoas em geral ditando ordens ao computador, é muito cansativo [risos].
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Computador Apple Lisa (foto) popularizou o mouse a partir da década de 80; inventor diz que não recebeu nada da companhia |
Folha Online - Qual sua relação com a Apple, uma vez que eles popularizaram sua invenção com o lançamento do Apple Lisa, de 1983?
Engelbart - Nunca ganhei dinheiro da Apple. É o que posso dizer. Mas, como disse anteriormente, o sistema onde você mexe com três janelas ao mesmo tempo impulsionou minha criação, algo que se popularizou com os computadores que eles lançaram mais tarde.
Folha Online - O sr. ganhou muito dinheiro com a venda da patente do mouse?
Engelbart - Se na época soubesse mais sobre licenciamentos, talvez soubesse como comercializá-lo. Eu era inocente, um garoto de campo. Jamais ganhei muito dinheiro com ele.
Folha Online - Mas como o sr. não ganhou dinheiro com isso?
Engelbart - Não fui educado sobre como esse tipo de negócio funciona.
A caminho do museu, mouse completa 40 anos
BRUNO DE OLIVEIRA
Colaboração para a Folha Online
Há quase 40 anos era apresentado ao mundo o mouse, ferramenta que revolucionou a interface física entre usuários e computadores --hoje, quase uma peça de museu.
Em 1º dezembro 1968, na conferência "Joint Computer Conference" (veja vídeo), realizada em São Francisco (oeste dos EUA), o engenheiro Douglas Carl Engelbart, hoje com 83 anos, realizou a primeira demonstração pública do "X-Y Position Indicator for a Display System", que pouco depois foi chamado de "mouse".
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Primeiro mouse possuía apenas um botão de comando e seu corpo era feito todo em madeira, além de ter um cabo na parte traseira |
O protótipo tinha quase o dobro do tamanho dos que são fabricados atualmente. Possuía apenas um botão de comando e seu corpo era feito todo em madeira, além de ter um cabo que o conectava ao computador instalado na parte traseira.
Naquela época, no entanto, aparência era o que menos importava. Sua função --interagir de maneira mais rápida e precisa com os computadores-- ditou os caminhos que seriam seguidos pelos desenvolvedores de sistemas operacionais, principalmente os que utilizam janelas e ícones.
À Folha Online, Engelbart conta que criou o mouse sem esperar resultados positivos a partir de suas pesquisas. "O mouse fazia parte de um estudo realizado no centro de pesquisa da Universidade de Stanford sobre interatividade, e o grande desafio era interagir com informações na tela. Fazíamos isso com uma caneta que emitia luz nos ícones e o computador a reconhecia, mas não era muito precisa. Então pensei que deveriam existir outros meios para apontar isso com nossas mãos, sem esperar muita coisa disso tudo."
A história provou que a criatura superou as expectativas de seu criador. Dado o sucesso de sua invenção, Engelbart patenteou o mouse em 1970 e cedeu os direitos para o Instituto de Pesquisa da Universidade de Stanford, que, mais tarde, os vendeu à Apple.
Essa negociação marcou a história do dispositivo, que pegou carona no sucesso do Apple Lisa, de 1983, primeiro PC a surgir no mercado munido de um mouse, e, um ano depois, com o Macintosh 128. Um levantamento feito junto às principais fabricantes de mouses, como Logitech e Microsoft, aponta que sejam comercializados no mundo cerca de 400 milhões de mouses por ano.
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Atualmente, Engelbart dedica-se aos trabalhos da Organização Bootstrap, a qual fundou com sua filha para desenvolver trabalhos ligados a informática.
"Com a minha idade não posso trabalhar muito. Fale o nome de alguém da minha idade que possa fazer muita coisa. Tenho 83 anos. Ainda cuido da Bootstrap, mas mesmo nela não posso mais fazer muita coisa. Mas gostaria de ver muitas invenções ainda."
Evolução ou Aposentadoria?
Da caixa de madeira ao sistema óptico, o mouse acompanha a evolução tecnológica sofrendo alterações no seu design e mecanismos de funcionamento. Novos botões foram adicionados, bem como conceitos de ergonomia e leitura de superfícies.
A pergunta que paira sobre a cabeça de desenvolvedores, fabricantes e usuários é quanto tempo demorará para o mouse se retirar definitivamente da cena tecnológica --anos, meses, semanas?
Para a gerente de hardware da Microsoft Brasil, Renata Rocha, a evolução das tecnologias talvez decrete a extinção do dispositivo, mas não em um curto espaço de tempo.
"Hoje, teoricamente, qualquer coisa pode ser substituída. Mas, se analisarmos a evolução do mouse ao longo dos anos, podemos notar que o princípio de funcionamento é o mesmo, apenas novos conceitos são adicionados ao que já existe", avalia.
Rafael Montello, gerente de Marketing e Produtos do grupo Leadership, diz que "a indústria trabalha para extinguir este dispositivo, revolucionando a forma de relacionamento com os computadores". Ele ressalta que telas sensíveis ao toque, reconhecimento de voz e movimento são algumas das tecnologias que devem enterrar o "rato".
O criador do mouse, Douglas Engelbart, reconhece a ameaça de novos dispositivos mas defende seu "filho". "Eu poderia citar um monte de tecnologias, mas não sei dizer ao certo se ele poderia ser ultrapassado. Muitas delas demorariam muito para cair no gosto popular. Reconhecimento de voz? Não consigo imaginar as pessoas em geral ditando ordens ao computador, é muito cansativo."
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