RICARDO FELTRIN
Editor-chefe da Folha Online
O anúncio de John Neschling, de que sairá da Osesp em 2010, põe fim a um indelicado processo de fervura do maestro, promovido por tucanos ditos amantes do erudito. Erudição à parte, algumas atitudes contra ele foram dignas de intrigas da Idade Média.
A honra de Neschling foi ameaçada. Seus mais de 10 anos à frente da Osesp, que pegou razoável e transformou em excelente, foram absolutamente esquecidos pelos inimigos. Tudo por causa de sua irascibilidade.
Fique quieto. Não abra mais a boca. Pára ou vai cair feio. Esses foram alguns recados dados nos últimos 12 meses --transmitidos por músicos com trânsito constante no Palácio dos Bandeirantes. Foi ali que tramaram sua queda, mas não conseguiram. A verdade: ele é que cansou.
Maestro John Neschling comunicou que não renovará seu contrato com a Osesp em 2010 |
A crise Neschling x Tucanato da Cultura chegou ao ápice em 2007, quando uma crítica ácida do maestro a José Serra foi postada na internet. Uma nota publicada na coluna de Mônica Bergamo, na Folha, aprofundou a crise. Tudo porque ele chamou o governador de "autoritário" e "mimado". O próprio espelho.
Ao misturar política e partitura, ao se deixar flagrar reclamando de Serra, arrumou uma horda de inimigos no Estado. Inclusive gente que não tem a menor idéia do que seja um dó maior.
A reação contra o maestro foi exagerada, injusta e muitas vezes abusiva. Afinal, qual a novidade? Neschling sempre foi um reclamão. Da qualidade de hotéis em turnês, do tipo de comida dos restaurantes, do transporte nas cidades visitadas... certa vez até da primeira classe de um British Airways! Por que não reclamaria de um político?
Neschling era um tanto distante com os músicos. Quase nunca viajava no mesmo avião que eles. Durante uma viagem por acaso com toda a Osesp, perguntei a uma violinista como era trabalhar com ele: Um sufoco, mas você cresce no seu instrumento, foi a resposta dela, de bate-pronto. O maestro sempre esteve mais para professor exigente do que amigo.
Mas é um rabugento impressionante. O que fez com a Osesp nos últimos dez anos terá efeitos nos próximos 20, talvez 30. Todos sabem que ele deu ao conjunto uma textura, um timbre, uma capacidade de ser suave ou feroz como bem entender. Uma versatilidade que rivaliza com qualquer sinfônica européia de primeira linha. E pensar que essa mesma Osesp nos anos 70 chegava a ter no elenco gente, digamos, semitonada.
A saída de John Neschling é lamentável para a música clássica no Brasil. Ainda mais porque o destino do maestro deverá ser EUA ou Europa. Há lugar para ele em qualquer lugar. Temperamento? Guardadas as devidas proporções, alguém se importa que Beethoven era um ranheta?
Por causa de John Neschling, e dos músicos que reuniu, a Osesp está certamente entre as dez melhores orquestras do mundo. Seja quem for seu sucessor, vai se dar muito bem.
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