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domingo, 29 de março de 2009

Farmacêuticas dão desconto polêmico

Farmacêuticas dão desconto em troca de dados

Indústria oferece preço menor e serviço a paciente que se cadastra; especialistas defendem proibição da prática

Fabiane Leite e Simone Iwasso


Para receber um kit com álcool, algodão e seringas de aplicação de seu medicamento, além de visitas mensais de uma enfermeira, o músico José fornece dados sobre sua saúde ao laboratório Bayer Schering Pharma. A farmacêutica mantém um programa de benefícios para pessoas com esclerose múltipla, doença neurológica que pode levar a invalidez. Já o historiador Roberto só obteve desconto no remédio para asma após entregar um cadastro à empresa GlaxoSmithKline.

Assim como eles, milhares de usuários de medicamentos de uso contínuo no Brasil, com o incentivo de seus médicos, têm cadastrado dados pessoais, respondido a perguntas e recebido visitas de grandes empresas farmacêuticas para ter acesso a desconto, consultas mais baratas e acompanhamento de profissionais de saúde. Só um dos programas reúne 1,5 milhão de participantes, situação que preocupa os órgãos de regulação sanitários e de pesquisas.

No Brasil, qualquer pesquisa com seres humanos, para ser considerada ética, deve ter um consentimento livre e assinado dos pacientes. A propaganda voltada aos pacientes é vetada para a maior parte dos remédios, como aqueles para asma, diabete e esclerose múltipla - doenças crônicas alvo dos programas de benefícios. No entanto, até medicamentos usados para engravidar têm sido ofertados com descontos via cadastros, como o programa Acesso, da Merck Serono.

"O que me preocupa é o indivíduo preencher em tese todo o consenso esclarecido pelo telefone. Para não dizer só que é antiético, é imoral", afirma o diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Dirceu Raposo de Mello, que defende a proibição dos programas (mais informações na pág. A28). Para ele, os programas são ainda preconceituosos, pois garantiriam acesso diferenciado somente a usuários de planos privados de saúde ou clientes particulares dos médicos, e não a usuários do Sistema Único de Saúde (SUS).

A regulamentação dos programas de benefício, no entanto, saiu da Anvisa e será discutida na Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed), da qual participam os Ministérios da Saúde, Justiça, Fazenda, Desenvolvimento e Casa Civil. Não há prazo para a decisão. Dirigentes de associações médicas e os conselhos Federal de Medicina e de Farmácia, que regulam as categorias, defendem que seus profissionais sejam proibidos de participarem desses programas.

Quando procuradas por um laboratório para participar de um programa de educação médica, que tinha entre suas cláusulas a distribuição dos cartões, as sociedades de Diabete e de Endocrinologia e Metabologia consultaram seus associados. O resultado surpreendeu: 76,5% consideraram distribuição de cartões de desconto (semelhantes ao da foto ao lado) um procedimento para controlar o receituário médico e 61% disseram não achar o consultório um local apropriado para esse tipo de ação. Outros 49% afirmaram que a entrega dos cartões violaria o sigilo médico, pois há identificação do paciente para o laboratório. Com os resultados, a sociedade desistiu da parceria.

"Essas ações se intensificaram muito e para mim são uma forma de oficializar a cópia de receitas no balcão", afirma Domingos Augusto Malerbi, coordenador da comissão de ética da Sociedade Brasileira de Diabete. "Quando se cadastra, o paciente fornece seus dados pessoais e a informação de que ele usa o medicamento, o que abre espaço para que seja montado um banco de dados para ações de marketing", ressalta. "Essa possibilidade de o médico ser intermediário cria uma relação comercial que não é adequada."

O Conselho Federal de Medicina (CFM) determina o sigilo dos dados do paciente e veta a vinculação da prescrição a vantagens materiais para o médico, mas não há prova de que quem convida pacientes a programas receba por isso. Proíbe ainda que o médico ofereça serviços via consórcios ou similares, para evitar concorrência desleal - o que em tese, limitaria a participação em programas que dão descontos nas consultas. "Se o médico oferece a possibilidade de o paciente se inscrever em um programa que tem descontos, ele está renunciando à independência. É o estabelecimento de uma situação cativa. Isso sempre acontece com medicamentos novos e para doentes com enfermidades crônico degenerativas", diz o médico José Ruben Bonfim, coordenador executivo da Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos (Sobravime).

Segundo Roberto D?Avila, vice-presidente do CFM, o objetivo é, até agosto, quando deve ser concluída a atualização do código de ética, proibir a participação dos médicos em programas de benefício. "O médico acha que é benefício, mas está sendo usado pela indústria. Os programas são uma iniquidade. A população em geral não terá acesso. O cadastro vale muito. Muitas operadoras de planos gostariam de ter acesso aos dados." No caso dos farmacêuticos, a participação se dá nas farmácias, onde sistemas bancados pelos laboratórios liberam descontos com base em um cadastro prévio. "Vamos proibir os farmacêuticos de darem esses dados. Isso tira a privacidade do paciente", diz o presidente do Conselho Federal de Farmácia, Jaldo de Souza Santos, que promete a aprovação da medida para o próximo mês.


O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO

Ética: Pesquisas com seres humanos precisam ser feitas
com consentimento livre e assinado dos pacientes

Publicidade: A propaganda para pacientes é vetada para a maior parte dos remédios

Privacidade: Os dados dos pacientes são sigilosos

Relação: Médicos não podem vincular a prescrição de remédios ao recebimento de vantagens materiais nem participar de
consórcios e similares

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